Destorça o nariz

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Não será difícil encontrar pelo caminho pessoas torcendo o nariz para a belíssima vitória de Takuma Sato nesta edição 2017 das 500 Milhas de Indianápolis. Tal condição acontece pelo fato do triunfante ser japonês, país normalmente descartado como celeiro de bons pilotos, como também pelo próprio Takuma, do alto de seus 40 anos de idade (tempo passa, né?), não mostrar em sua extensa carreira um cartel que encha os olhos.

O grande lance é perceber que as qualidades para vencer em Indianápolis, que este ano chegou a sua centésima primeira edição, não são necessariamente as mesmas que constroem carreiras vitoriosas em categorias máximas nos EUA e na Europa. Fica fácil quando exemplificamos que a mesma qualidade para ganhar em Le Mans não é a mesma para se ganhar na Fórmula 1. Emmanuele Pirro e Yannick Dalmas, medianos da F1 e lendas de La Sarthe não me deixam mentir.

Portanto, se você torceu o nariz pro Sato, peço a gentileza de destorcer.

Ano passado já foi assim. Alexander Rossi, um irresistível azarão que três meses antes era um desempregado, venceu a edição centenária porque seu chefe Brian Herta lhe impôs o desafio de fazer as últimas 34 voltas com um único tanque de combustível, enquanto todos à sua frente tiveram que recorrer ao famigerado splash and go. Ele, que tinha marcado a volta mais rápida da corrida em 2016 e venceu por executar uma espetacular leitura de corrida, também mostrou muita velocidade e competência neste ano.

Takuma fez tudo direitinho pra vencer. Pilotou com a velocidade que sempre lhe foi característica, porém descartando a impulsividade que marcou sua carreira. Em entrevista, ele disse que sua mudança da equipe Foyt para a Andretti foi, muito em parte, porque o time de Michael sempre consegue bons acertos em Indianápolis.

De fato, Takuma teve um carro muito bom nas mãos, mas precisava dar a contrapartida necessária com sua pilotagem. E deu. Derrotar nas voltas finais um piloto forte e experiente como Hélio Castroneves, único Penske competitivo este ano, apenas valoriza a vitória do japonês, que deu o troco após voltas antes ter sido ultrapassado espetacularmente por fora, numa manobra que só um cara do calibre do Helinho poderia executar.

A disputa entre os dois foi forte e justa, um grande privilégio de assistir. Já repararam que de tantos carros da Andretti, ele era o mais “inteiro” na parte final, justamente a mais importante?

E meu respeito por Sato só aumenta. Essa vitória aconteceu como uma espécie de recompensa por sua combatividade na edição 2012. Na ocasião, Sato, que pilotava para a Rahal-Letterman, disputou roda a roda a entrada da curva 1 contra a Ganassi do grande Dario Franchitti na volta final e acabou no muro, deixando a vitória para o escocês, sua terceira e última. Um desfecho apoteótico e memorável, clássico instantâneo.

[su_youtube url=”httpv://youtu.be/CCdJzOaEh4Q”]

Convencionou-se a acreditar que Sato havia sido precipitado, e que deveria ter trabalhado sua trajetória para surpreender Franchitti ao fim da reta oposta, lá na tomada da curva 3.

Mas foi o próprio Sato, cinco anos depois, quem me fez mudar de ideia, e valorizar ainda mais sua conduta de 2012. E a explicação vem de algo invisível aos olhos: o vento – elemento muito mais importante do que costumamos imaginar. Na ocasião, o este soprava contra os carros reta dos boxes, e a favor na oposta, o famoso vento de cauda.

Sato disse ao site Motorsport que tal conjuntura fazia com que fosse impossível passar na 3, já que os Ganassi eram os carros com maior velocidade final naquele dia. Ele precisava de um ar mais resistente para valorizar o vácuo e tentar o jogo de tudo-ou-nada no mergulho da 1. E assim o fez, já que era a última volta.

O que eu escrevi em 2012 ainda vale, e ganha contornos ainda mais nobres por parte de Sato:

Acima de todo e qualquer tipo de polêmica que a manobra de Takuma possa provocar – risco demasiado, aperto demasiado de Dario -, devemos entender que a busca pela vitória se sobrepõe a tudo isso. O que estava em jogo era a mais importante vitória do ano, no mais importante evento do esporte a motor dos Estados Unidos. Valia a imortalizada face do piloto no troféu Borg-Warner.

Taku tinha todo o direito de tentar passar, e Dario tinha todo o direito de defender-se, mantendo sua trajetória. No fim das contas, foi apenas uma dura e definitiva aposta de força entre os dois, na busca pela vitória, sempre ela. Não foi a primeira, nem a última vez que veremos isso no esporte a motor. Ainda mais em Indianápolis.

Agora, Takuma tem tudo isso: o leite, a vitória, e sua cara de olhos puxados no Borg-Warner. Merecido!

A corrida, como de costume, foi crescendo em complexidade e variáveis a cada volta. Aos poucos vários dos candidatos que se apresentavam com mais força foram eliminados – a lembrar que o Pole Day já havia eliminado o desafortunado Sébastien Bourdais, que vinha fazendo tempos espetaculares com sua pequena equipe Dale Coyne até bater tão forte o deixou fora das pistas para o resto da temporada.

[su_youtube url=”https://youtu.be/iEBj2hg_t1o”]

O pole Scott Dixon acabou sendo eliminado em um acidente duplamente assustador. Primeiramente, pela destruição em si, e depois pela boa surpresa em ver o piloto da Ganassi sair andando (!) em meio a escombros de um carro irreconhecível. Houve, felizmente, muita sorte na mecânica do “pouso”, em que o câmbio e o eixo traseiro acabaram amortecendo a maior parte do choque, partes que foram arrancadas já no primeiro golpe do carro entre a barreira e a cerca de proteção.

[su_youtube url=”httpv://youtu.be/4Fd1LoN3IBw”]

Sorte também Dixon não ter aterrissado em cima da cabeça de Hélio Castroneves, que passou por baixo, mas não sem sofrer danos: o brasileiro teve que descer bastante e experimentou um solavanco enorme de um desnível da pista: o carro chegou a sair do chão com as quatro rodas (!) e uma das aletas traseiras simplesmente voou da Penske com esse impacto.

Todo o acidente foi causado pelo péssimo Jay Howard, que negligenciou uma regra básica de Indianápolis: quem tem carro instável deve ir para os boxes e bater o cinto antes de bater no muro. O inglês já tinha perdido voltas ao enfrentar uma constrangedora pane seca no primeiro stint – o apagadíssimo Juan Pablo Montoya, em seu retorno interino pela Penske, enfrentou o mesmo, porém sem perder voltas.

Não bastasse o grande atraso, Howard ainda não estava se encontrando com o carro. Ao abrir passagem como retardatário, foi pra famosa zona da farofa, escorregou e bateu. O infortúnio foi seu carro voltar para o meio da pista, o que normalmente não acontece.

Howard, de 36 anos, faz parte de uma geração britânica muito conhecida: Jenson “I’m gonna pee in your car” Button, Anthony Davidson e os saudosos Dan Wheldon e Justin Wilson. Todos eles se enfrentaram no kart, e agora está claro quem era o menos talentoso do grupo…

[su_youtube url=”https://www.youtube.com/watch?v=9-eMjP6hMSs”]

E a corrida seguiu atrasando ou eliminando outros favoritos. Ed Carpenter mais uma vez mostrou notável competência para acertar seu carro em treinos – sendo disparado o conjunto Chevrolet mais rápido, em meio a um bando de Hondas. Mas a magia de conseguir um bom set-up para a corrida continua sendo um mistério pra este cidadão de Indianápolis. Ele fez uma corrida tão boa quanto podia, e acabou sendo descartado quando quebrou seu bico em tráfego.

Três carros fortíssimos da Andretti também acabaram ficando pelo caminho. O defensor da vitória Alexander Rossi perdeu tempo com uma mangueira de reabastecimento que não entrava, justamente na parte final. E tanto Ryan Hunter-Reay (que sempre anda bem e era uma de minhas apostas) quanto Fernando Alonso tiveram seus motores quebrados.

Outro atraso pontual também minou as chances do sempre competente Tony Kanaan, que teve o fundo de seu carro avariado por detritos e entrou numa janela de estratégia bem menos interessante que seu colega Max Chilton, que tinha um bom carro de cara pro vento, mas que sucumbiu às tentativas de rivais mais fortes nas voltas finais. Chilton pilotou bem, mas foi desnecessariamente duro em alguns momentos.

Ainda na toada de torcidas de nariz desnecessárias, teve gente a criticar a escolha de Fernando Alonso como o novato do ano na corrida. Alegaram que quem deveria ganhar o prêmio de rookie é Ed Jones, piloto britânico que representa os Emirados Árabes. Em sua primeira aparição em Indy pela pequena e persistente Dale Coyne, ele cravou um notável 3º lugar com pilotagem consistente e convincente, beneficiado por um set-up muito bom encontrado por Bourdais em treinos.

Enquanto isso, Alonso teve seu destino selado em mais um propulsor Honda a estourar atrás de seus ombros. Sim, a frieza dos números aponta Jones como melhor novato. Mas o apelo da participação de Alonso foi infinitamente maior. Sua participação foi muito mais relevante.

[su_youtube url=”httpv://youtu.be/Suj6FRNmRjc”]

E digo isso à parte dos aspectos midiáticos, que foram excepcionais para Alonso, a cambaleante McLaren, para a Andretti Autosport, para as 500 Milhas e para a Indy como categoria – olha quanta gente beneficiada por uma simples inscrição em corrida! De quebra, teve muita gente na Fórmula 1 a mostrar dor de cotovelo com tanto holofote, numa clara vergonha alheia. Nome aos bois: Felipe Massa, Christian Horner e Lewis Hamilton.

[Por sinal, adorei a raquetada que Tony Kanaan deu em Hamilton, que havia desdenhado a Indy ao apontar que Alonso, um novato, já andava entre os mais rápidos e havia marcado o 5º lugar do grid. “O que vai dizer? O cara competiu em um Mundial de dois carros no ano passado e ficou em segundo”. Lewis perdeu a fantástica oportunidade de ficar calado]

Alonso mostrou não apenas simpatia e humildade, como um profissionalismo e determinação num ambiente gigantesco e com muito menos frescura que o da Fórmula 1. Todos os pilotos da Indy deram boas vindas ao espanhol, que precisou de apenas 37 voltas de corrida para liderar a maior das provas dos Estados Unidos. E quando abandonou, foi ovacionado pela torcida presente no Indianapolis Motors Speedway.

Ah, e claro. Diante de tantas tradições, mas uma foi mantida: mais um ano sem vitória de um piloto de sobrenome Andretti em Indianápolis desde 1969.

Marco foi sempre o pior dos carros Andretti na pista. Ele até surgiu na Indy com algum potencial. Mas depois de tantos anos, chegamos àquela velha conclusão de que, se não fosse o papi, não teria carro pra guiar.

Nesse caso, aí sim, é difícil não torcer o nariz…

Abração!

Lucas Giavoni
Lucas Giavoni
Mestre em Comunicação e Cultura, é jornalista e pesquisador acadêmico do esporte a motor. É entusiasta da Era Turbo da F1, da Indy 500 e de Le Mans.

6 Comments

  1. Rodrigo Felix disse:

    Grande Lucas,
    No caso quem saiu melhor? Alonso, Mclaren, Indycar ou F1?
    (coloquei nessa ordem propositadamente)
    Em tempo ótima coluna, como sempre!
    Abraço!

  2. MarcioD disse:

    Lucas,

    O slogan usado pelos americanos “The greatest spectacle in racing” cai muito bem para as 500 milhas.
    Se existe uma corrida pela qual espero ansiosamente todo ano é esta. Realmente vale a pena assistir.
    Ela combina elementos de velocidade, resistência, equilíbrio, guerra de vácuo, estratégia, riscos, imprevisibilidade e sorte como nenhuma outra, nos proporcionando de fato um espetáculo de alta velocidade, com muitas ultrapassagens, alternância de posições, acidentes fortíssimos, disputas intensas, e finais surpreendentes. Tudo pode acontecer até a ultima curva, que o diga J.R. Hildebrand em 2011.

    Esta edição não fugiu à regra, torci pelo Helinho até o final mas o dia era de Sato. Helinho até que fez muito, tendo em vista o que passou no acidente do Dixon. Este pode tirar uma segunda certidão de nascimento porque por questão de alguns centímetros não teve a cabeça atingida na batida na parte de cima do muro.

    Gostei da participação do Alonso, foi adquirindo velocidade e confiança com o tempo, realizando belas ultrapassagens e correndo riscos, pena o motor te-lo deixado na mão, por ironia um Honda.

    Acredito que os americanos deveriam incluir mais superspeedways no calendário da Indy. Michigan e Fontana não poderiam ficar de fora. E porque não Daytona e Talladega? Com o uso de mais downforce combinado a uma redução de pressão do turbo até mesmo estas duas ultimas poderiam ser incluídas. Há mistos legais nos EUA como Laguna Seca, Sebring, Road Atlanta, Portland entre outros que tornariam o campeonato bem interessante. Acho furada esta aposta que eles fazem em circuitos de rua(na minha visão adaptações anti-automobilísticas) e nos entendiantes ovais curtos.

    Márcio

    • Marcelo C.Souza disse:

      Márcio

      Os “mega-ovais” de Daytona e Talladega são totalmente inadequados para a F-Indy em virtude da inclinação nas curvas ser brutalmente alta. Lembre-se daquele engavetamento terrível de 15 carros que tirou a vida do Dan Wheldon em Las Vegas.

      Um forte abraço!!!

      Marcelo C.Souza
      Amargosa-BA

  3. Rubergil Jr. disse:

    É isso aí Lucas. Corridaça essa 500 milhas!

    Hamilton e Massa perderam a chance de ficar calados, principalmente o inglês.

    Alonso mitou em todos os sentidos.

    Sato e Helinho foram brilhantes. Se o Helio não tem a asa danificada no acidente do Dixon… sei não, viu? Cravo que ele iria entrar pra história. Mas o Sato mereceu a vitória.

    Abraço!

  4. Mauro Santana disse:

    Grande Lucas!!

    Diante de tudo que você muito bem descreveu, eu só tenho uma coisa pra dizer a respeito, essa edição de 2017 já deixou saudades!

    E que venha a edição de 2018 com Alonso novamente na pista, e agora quem sabe, talvez Button?

    Abraço!!!

    Mauro Santana
    Curitiba-PR

  5. Fernando Marques disse:

    Lucas,

    eu achei a Indy 500 deste ano um corridaço … muita emoção do inicio ao fim da prova …. seu relato sorte a corrida está perfeito …
    O acidente do S. Dixon mostrou que não foi somente ele que teve sorte ao sair praticamente ileso … o Helinho sem dúvidas alguma se safou de uma das boas também …
    A corrida do Takuma Sato foi muito consistente e no fim o Helinho tentou de tudo para vencer, mas faltou-lhe velocidade … o carro de Sato andava mais … vitória justa e merecida do japonês … que guiou o fino durante toda a corrida …
    Quanto a Alonso, penso que ele deve ter ficado muito contente, pois voltou a andar na frente e lutou como nunca pela vitória … ele já devia até ter se esquecido o quanto é bom brigar pela vitória já que isto é um passado parece sem volta na Mclaren …
    Kanaa andou bem novamente em Indianopilis e pena que tenha faltado-lhe mais velocidade no final …
    Quanto ao Hamilton, seu comentário deve ter se dado num momento de inveja, já que via o Alonso feliz, alegre e livre de protocolos tão chatos quantos o da Formula 1 … ver o Alonso feliz numa corrida, mesmo quebrando … incomodou o inglês …

    Fernando Marques
    Niterói RJ..

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