Devagar e sempre

As corridas que (não) gravei
21/02/2014
Seis vezes quatro
26/02/2014

O novo regulamento, pelo que se viu até o momento, não muda uma triste realidade da F1: a categoria está cada vez mais lenta

Alegria, alegria!

Os engenheiros estão fazendo o seu trabalho: os carros vão sendo acertados e os tempos caem, começando a se aproximar dos do ano passado. A nova Fórmula 1, afinal de contas, não será uma GP2 indecentemente cara – a não ser que seja empurrada por um motor Renault…

Estou dando de barato que as demais equipes movidas por motores Mercedes e Ferrari vão igualar em breve o desempenho da Mercedes, coisa que ainda não se viu. No treino final da segunda rodada de testes da temporada, em Sakhir, Nico Rosberg marcou 1m33s2, se aproximando do tempo da pole no GP do ano passado, dele próprio, com 1m32s3. A McLaren, com Jenson Button, marcou 1m34s9 e a Ferrari, com Kimi Räikkönnen, 1m36s7. Ou seja, a oposição ainda está distante de Nico e Lewis Hamilton mas acho que os engenheiros vão chegar lá, ainda que, nesta altura, seja claro favoritismo da dupla da Mercedes.

Já a RBR, arrisco dizer, precisa de um milagre para ser competitiva desde o começo da temporada.

Suponho que, pela ausência geral de notícias, a situação política se acalmou no Bahrein.

Talvez o governo e a oposição tenham chegado a um acordo, tendo prevalecido os ideais da democracia, do liberalismo, da tolerância religiosa, do combate à pobreza e busca pela igualdade entre os sexos, tão caros aos povos daquela região.

Vai se confirmando a impressão inicial dos engenheiros, de que os carros deste ano terão mais ou menos o mesmo desempenho dos do ano passado. Em sendo assim, seguirá possível dizer que a categoria está cada vez mais lenta.

O fenômeno data de 2004. Os recordes de volta em corrida em Melbourne, Malásia, China, Sakhir, Mônaco, Canadá, Silverstone (em sua versão antiga), Nurburgring, Hungria, Monza e Interlagos vão completar dez anos em 2014.

Pior que isso, o desempenho dos carros tem piorado a cada ano em várias pistas, refém de regulamentos cada vez mais restritivos, acentuados pelo fim da competição entre diferentes fornecedores de pneus.

Vejam o caso de Interlagos: os tempos das melhores voltas em corrida cresceram de forma quase que ininterrupta a partir de 2004 até 2012, quando Lewis Hamilton cravou 1m18s ante 1m11s4 de Juan Pablo Montoya no GP de 2004. É verdade que, em 2012, houve influência da chuva mas se quiserem descartar a prova da estatística, vale lembrar que a melhor volta de 2013 foi mais lenta do que a de 2011.

Não era assim no passado. No primeiro GP disputado em Interlagos, em 73, Emerson Fittipaldi e Denny Hulme dividiram a melhor volta da corrida – 2m35s. Sete anos mais tarde, René Arnoux, com um Renault turbo, varou o velho traçado em 2m27s3.

Na volta do autódromo à Fórmula 1, já estuprado, digo reformado, tivemos a melhor volta da prova marcada por Gehard Berger, com 1m19s8, tempo que, 14 anos mais tarde, Montoya derrubaria em mais de oito segundos.

Outro exemplo: Yas Marina, que despontou para a Fórmula 1 em 2009, viu as suas melhores voltas em prova crescerem anos a ano até 2012, tendo melhorado um tico no ano passado.

Vejo esta perda progressiva com uma ponta de tristeza. A Fórmula 1 não é o pináculo do esporte a motor? Então como pode perder desempenho assim, de forma tão continuada? Não se trata de criticar medidas que visam a maior segurança de todos, inclusive do público nos autódromos mas, peraí! Por este raciocínio, podemos ver os melhores pilotos do mundo a bordo de carros de Fórmula 3 reforçados.

A culpa, se podemos assim dizer, é de uma intervenção cada vez maior das autoridades esportivas no regulamento técnico, ao contrário do que ocorria no passado. Entre 66 e 82, não houve uma única mudança significativa no regulamento técnico da Fórmula 1, os engenheiros tendo podido trabalhar em paz.

Em Monza, em 66, primeiro ano do novo regulamento dos motores de 3 litros, a melhor volta do GP foi assinalada por Ludovico Scarfiotti, com Ferrari, 1m32s4; em 71, este tempo caiu para 1m23s8, marcado por Henri Pescarolo, com March. Vieram as chicanes, o traçado mudou. A melhor volta no GP de 76, marcada por Ronnie Peterson, com March, foi a 1m41s3. Em 82, sendo o traçado o mesmo, o tempo caiu para 1m33s6, mérito de Rene Arnoux com Renault.

Silverstone, agora. Melhor volta do GP de 67: Denny Hulme com Brabham Repco, 1m27s; em 73, James Hunt, com March, chegou a 1m18s6. As chicanes entram em cena. 75: Clay Regazzoni, com Ferrari, marca 1m20s9; em 81, de novo Arnoux, 1m15s.

Não tenho conhecimentos de engenharia suficientes para garantir que as autoridades esportivas poderiam ser mais conservadoras na sua abordagem de regulamento, confiando que os autódromos mais a segurança embarcada podem garantir a proteção dos envolvidos. Tenho convicção, porém, que os argumentos de segurança são usados hoje pelos dirigentes de forma a que mantenham, na impossibilidade de impor uma monomarca, controle estrito sobre as equipes, numa mistura de ambição, vaidade e jogo de poder.

E nem venham falar em mudanças de regulamento para garantir equilíbrio entre as equipes. Nesta altura, achar que isto é possível já é inocência.

O que eu faria?

Interviria exclusivamente na cilindrada dos motores, a reduzindo progressivamente a intervalos de uns cinco anos, e agravaria permanentemente as normas de segurança, inclusive aumentando o peso mínimo dos carros.

Deixaria todo o resto livre, mantendo vigilância sobre a velocidade máxima nas retas – não dá para aceitar algo acima de uns 360 km/h – e tempo de volta, escorado na opinião dos engenheiros e pilotos. Atingidos certos limites, imporia chicanes, alteração de traçado de curvas ou, como último recurso, aumento do peso mínimo dos carros.

Não acredito em regras de orçamento para as equipes, como as que se tentam hoje. Ainda assim, as proibiria de estampar qualquer marca em seus carros, macacões e demais propriedades. Seria uma tentativa – nada mais do que isso – de limitar um pouco o efeito do poder econômico.

Já declarei aqui minha admiração pela International Board e a manutenção das regras do futebol. Acredito que não seja coincidência que se trate do esporte mais popular do mundo.

Boa semana a todos

Eduardo Correa

Eduardo Correa
Eduardo Correa
Jornalista, autor do livro "Fórmula 1, Pela Glória e Pela Pátria", acompanha a categoria desde 1968

6 Comments

  1. Guilherme disse:

    Excelente texto. Esses dias estava pensando e até comentando sobre isso com algumas pessoas conhecidas, de que os maiores recordes da f1 já estavam fazendo 10 anos e nada no horizonte indicava que iriam cair um dia. Desde 2005, com aqueles pneus malucos que tinham que durar a corrida toda, depois com os v8, restrições aerodinâmicas e etc… A f1 está cada vez mais lenta rs

  2. Mário Salustiano disse:

    Edu

    Suas observações são bem pertinentes sobre a perda de desempenho no quesito sobre a baixa de tempos ao longo dos últimos anos e as comparações que você traz as tornam elucidativas, mas precisamos também pensar se do ponto de vista do limite físico do ser humano, se seria possível os tempos continuarem caindo na proporção dos anos 60/70 e o corpo dos pilotos aguentarem na intensidade o aumento da carga de força G, que alguns especialistas apontam que estão em limites próximos da carga máxima que uma pessoa consegue suportar.

    Por esse parâmetro acho que essa variação para menos é até salutar, porque senão daqui a pouco vai aparecer quem defenda a substituição dos pilotos por robôs , que nem teriam problemas com a força G e também podem sofrer mais acidentes, o prejuízo seria apenas material nesse tipo de caso e poderiam liberar mais conduções agressivas, eu vou detestar se isso um dia virar realidade.

    O que acho interessante nesses tempos atuais é que novas soluções devem ser encontradas para derrubar os tempos, agora num ponto estou contigo, as mudanças que acontecem hoje são mais em função do espetáculo e da conveniência financeira do que propriamente pelo desafio tecnológico, o que prejudica a inovação e o pensar fora da caixa como medida para encontrar soluções, o engessamento do regulamento produz na prática essa falta de criatividade que impera a cerca de 15 anos, com soluções muito próximas entre os projetistas e as equipes, e deixam essa sensação que estamos vendo carros de F3 de luxo nas disputas.

    No atual modelo onde impera a solução aerodinâmica em detrimento da mecânica talvez as soluções que você aponta não sejam a única solução para uma volta de mais competitividade sem tanto artificialismo, a não ser que junto com tuas ideais se junte um forte limitante as questões aerodinâmicas.

    No mais é torcer para que nesse inicio de ano mais equipes tenham chance de vencer sem que aja tanta quebra assim como se espera , daqui a poucos dias vamos ver melhor

    Abraços

    Mário

  3. Fernando Marques disse:

    Eduardo,

    também admiro a International Board e a manutenção das regras do futebol. Mas com a evolução dos conceitos da preparação física dos atletas e a obcessão dos técnicos em querer diminuir cada vez mais os espaços do campo não me oporia ao fim da lei do impedimento para que os espaços do campo voltassem a crescer para o bem do futebol que anda com jogos chatos pois só se v~e marcação, marcação e mais marcação.

    Eu acho que a Formula 1 deveria ir por este lado … é muita aerodinâmica é pró da estabilidade … não se vê mais carros de Formula 1 derrapando nas curvas … sei lá mas uma corrida sem ninguém cantando pneus nas curvas não tem muita graça …
    pega uma foto dos tempos do Emerson, Stuwart, R. Perterson, J. Scheckter vê que todo mundo derrapava nas curvas … era bonito de se ver …
    Qualquer coisa para mudar o regulamento neste sentido teria o meu apoio …

    Fernando Marques
    Niterói RJ

  4. As palavras são de Gerhard Berger:

    “Meu intestino me diz que 650 ou 750 cavalos não são suficientes para um carro de Fórmula 1. Com a perfeita aerodinâmica, as grandes áreas de escape e os auxílios eletrônicos, os bons pilotos não diferem suficientemente dos menos bons. No meu tempo, quando você fazia uma volta de classificação perfeita, você era um segundo mais rápido que seu companheiro de equipe. Porque você estava em guiando uma bala de canhão. Segurança vem antes, e isso está correto. Mas os carros e as pistas atuais são incrivelmente seguros, então eu penso que já poderíamos ter motores com mil cavalos novamente. Os fãs deveriam assistir às corridas e dizer ‘eu não conseguiria fazer aquilo’, como eles fazem com a MotoGP”.

  5. Fabiano Bastos das Neves disse:

    Caro Eduardo Correia,
    Gostei da proposta de discussão, mas não do seu regulamento, apenas de algumas partes.
    A proposta pura e simples de redução de cilindrada cada vez que se alcançasse um determinado limite, tempo de volta, ou velocidade máxima, eu acrescentaria ainda força G, parece boa, mas não sei se seria efetiva, pois vimos diversas vezes a cilindrada dos motores caindo e a potência subindo.
    O espírito da proposta é bom, mas usaria uma limitação de gasto de combustível para segurar a potência. Assim, também haveria um estímulo à eficiência energética.
    Meu regulamento daria ainda uma liberdade total para o uso dos sistemas de recuperação de energia, novamente estimulando a eficiência energética. Deveria haver apenas uma limitação de energia acumulada no momento da largada.
    Quanto a aerodinâmica, penso que deveria haver apenas uma limitação de dimensões e de “downforce” nos carros. Não sei se é possível medir a quantidade de “downforce” antes ou depois das corridas (tipo um túnel de vento portátil), mas se é possível, isto poria um limite na importância deste quesito nas corridas. Não gosto de ver tanto dinheiro sendo investido em pesquisas nesta área, preferiria que fosse investido no desenvolvimento de sistemas de recuperação de energia mais eficientes, ou em motores, freios, câmbios, suspensões, etc., ou seja, coisas que existem e são importantes nos carros que eu dirijo ou vejo nas ruas.

  6. Mauro Santana disse:

    Texto Brilhante Edu, Brilhante!!!!!

    O Arnoux tinha o pé pesado, e adorava quando se encontrava com o Prost na pista.

    Foram grandes amigos, rsrsrs

    Abraço!

    Mauro Santana
    Curitiba-PR

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *