É o dinheiro, estúpido II

É o dinheiro, estúpido I
16/09/2013
Match Point
20/09/2013

Deixemos as intrigas e vinganças para os romances; é o dinheiro que move as grandes decisões na Fórmula 1

Os anos 1980 foram amplamente dominados por duas equipes – McLaren e Williams. Com a fortíssima dupla formada por Niki Lauda (então bicampeão mundial) e Alain Prost (vice em 1983), a McLaren venceu os Mundiais de Pilotos e de Construtores em 1984 (tri para Lauda) e de 1985 (primeiro de Prost). Nova ascensão da Williams a partir de 1986, levando o Mundial de Construtores por dois anos consecutivos: 1986, no qual Prost conseguiu o bi em cima da dupla Nelson Piquet-Nigel Mansell, e 1987, terminando o ano com ampla vantagem sobre a McLaren.

Após a saída de Lauda, em 1985, a McLaren reuniu dois campeões do mundo, chamando Keke Rosberg para fazer companhia a Prost no ano seguinte. O campeão de 1982, no entanto, teve desempenho muito inferior ao do companheiro de equipe. Prost terminou o ano com 72 pontos, dois a mais que Mansell e três a mais que Piquet, enquanto Rosberg encerrava a temporada e a carreira com meros 22 pontos, e raramente conseguindo atrapalhar a dupla da Williams que seguiu até a última prova dividindo o favoritismo com o francês do nariz torto. Prost levou o título, mas a Williams ficou com o Mundial de Construtores. A boa fase da equipe de Frank consolidou-se no ano seguinte, com o terceiro título de Piquet, um vice para Mansell e o Mundial de Construtores (137 pontos para a Williams, 76 para a McLaren).

Na tarefa de somar pontos junto com Prost, desta vez, estava o sueco Stefan Johansson. Os dois pilotos enfrentaram diversos problemas mecânicos ao longo da temporada e abandonaram oito corridas cada um. A diferença fundamental entre eles estava no desempenho quando o carro funcionava bem: das oito provas que terminou, Prost venceu três e esteve no pódio em outras quatro, enquanto Johansson não conquistou nenhuma vitória, embora tenha subido no pódio cinco vezes.

A opção por contratar Ayrton Senna misturou benefícios esportivos (o cara já era vencedor de seis GPs, pela Lotus, e havia ficado entre os quatro melhores do campeonato desde 1985) e também técnicos (sua ida para a McLaren significou o fornecimento de motores Honda para o time de Ron Dennis). A McLaren desenvolveu um dos melhores carros da história para o ano seguinte – o MP4/4 – e a dupla Prost-Senna venceu 15 das 16 provas do ano, ficando sem subir ao pódio apenas no GP da Itália. No Mundial de Construtores, 199 pontos para a McLaren, 65 para a Ferrari, e o título de pilotos para Senna.

No ano seguinte, invertem-se os papéis entre o brasileiro e o francês, que conquista seu terceiro título, mas pouca coisa muda para a McLaren, que vence “apenas” 10 das 16 corridas, mas conquista o Mundial de Construtores com vários corpos de vantagem (141 pontos a 77 da Williams). Nos anos seguintes (1990 e 1991), Senna já não tinha a companhia de Prost, mas a McLaren garantiu o Mundial de Construtores mesmo assim. Agora escoltado por Gerhard Berger, Senna conquistou seus dois últimos títulos e a McLaren, acossada pela ascensão da Williams, venceu mundiais de forma bem mais apertada (121 pontos contra 110 da Ferrari, em 1990, 139 pontos a 125 da Williams, 1991).

Ou seja, a dupla explosiva formada por Senna e Prost pode ter rendido rugas, cabelos brancos, chiliques e insônia para ambos ou para quem torcia fervorosamente para cada um deles. Para a McLaren, foi um grande negócio. E é de negócio mesmo que se trata tudo isso, pois vencer o Mundial de Construtores não é como ganhar o título de Miss Simpatia. É grana alta no caixa da equipe e, para não ficar só nos adjetivos, aos números, pois.

O veterano jornalista inglês Joe Saward mantém um website chamado Business of Motorsport, cujo conteúdo é pago, como uma assinatura de revista. Habitualmente, Saward publica os valores recebidos pelas equipes, resultantes de direitos de transmissão para TV, publicidade etc., e repartido de acordo com o chamado Pacto da Concórdia. Neste link http://www.hindustantimes.com/motor-sports/topstories/How-the-F1-pie-is-shared/SP-Article1-949214.aspx, que reproduz as informações de Saward, é possível conferir os números relativos ao campeonato de 2011.

Resumidamente: naquele ano, as equipes dividiram cerca de 700 milhões de dólares. De cara, 2,5% desse total vai para a Ferrari, que obteve essa regalia por ser a decana entre as equipes. O que sobra é dividido em duas partes. Uma delas é repartida igualmente entre as 11 equipes. A outra metade é destinada a cada time de acordo com a colocação do Mundial de Construtores. Apesar de já engolir uma fatia mais larga que a maioria das equipes, por esse benefício concedido, o fato é que a Ferrari está perdendo dinheiro nos últimos anos.

O último Mundial de Construtores ganho pela Ferrari foi o de 2008, aquele do vice de Felipe Massa. De lá para cá, perdeu cinco vezes o primeiro lugar entre os arrecadadores. É a primeira vez, desde a era Schumacher, que a Ferrari fica tanto tempo sem vencer essa competição, lembrando que, nos tempos do alemão, Maranello conquistou o título por seis anos consecutivos já que 1999, embora tenha consagrado Mika Hakkinen, da McLaren, como campeão, valeu o título de Construtores para a Ferrari, depois de dezesseis anos.

Nas últimas quatro temporadas, desde que Alonso foi para Maranello, o espanhol conquistou dois vice-campeonatos (2010 e 2012), ambas com diferenças pequenas de pontuação em relação a Sebastian Vettel (4 pontos em 2010, três em 2012). Nas duas ocasiões, Massa esteve muito distante de fazer o papel coadjuvante que se espera dele, terminando em sexto no Mundial de 2010 e em sétimo no de 2012, em um desempenho claramente inferior não só ao de Alonso e Vettel, mas também ao de Mark Webber, que não revolucionou a Fórmula 1 nem será lembrado como gênio, mas inegavelmente atuou como esse papa-pontos que se espera de um segundo piloto.

A ideia de que juntar dois galos de briga no mesmo poleiro é um risco não deixa de ser verdade – um enorme risco para a concorrência. O leitor que conhece história não tardará a lembrar de pelo menos dois Mundiais perdidos por pilotos graças à luta fratricida: o de 1986, que Piquet e Mansell perderam para Prost, e o de 2007, que Alonso e Lewis Hamilton perderam para este mesmo Kimi que ora retorna para a Ferrari. No primeiro caso, Frank Williams não deve ter ficado de todo chateado, pois sua equipe levou a maior quantidade de dinheiro para o ano seguinte. No segundo, a McLaren só não venceu o Mundial por ter sido eliminada da competição de construtores, em função do caso de espionagem de dados da Ferrari, descoberto ao longo do ano.

Veja a primeira parte dessa história em É o dinheiro, estúpido I.

Supor que Montezemolo trouxe Kimi de volta para espezinhar Alonso chega a ser pueril. Quem acompanhou os últimos campeonatos sabe que a parte mais fraca do conjunto Alonso/Ferrari é o carro, não o piloto. Desestabilizar o piloto é enfraquecer o lado melhor desse conjunto. Dar-lhe um companheiro de alta competência, capaz de somar pontos com ele – como fizeram as muitas duplas aqui lembradas – e de motivá-lo ainda mais me parece muito mais lógico. Tanto mais se a Ferrari superar seus recorrentes problemas de aerodinâmica em 2014. Da mesma forma que a motivação mais forte dos eleitores é a economia, como nos explicou o estrategista James Carville, do ex-presidente Bill Clinton, é o dinheiro que move as grandes decisões na Fórmula 1. Deixemos as intrigas e vinganças para os romances, amigos. Isso não ganha campeonato.

Alessandra Alves

Alessandra Alves
Alessandra Alves
Editora da LetraDelta e comentarista na Rádio Bandeirantes desde 2008. Acompanha automobilismo desde 83, embalada pelo bi de Piquet e pelo título de Senna na F3.

11 Comments

  1. Mário Salustiano disse:

    Alessandra

    gostei de toda a analogia feita, mas devemos lembrar que o dinheiro move a Fórmula 1 de forma mais escancarada desde os anos 80 e desde essa época só aumenta o volume de decisões onde o fator financeiro suplanta o esportivo, acho que um ponto fica em aberto sobre essa ida de Raikkonen para a Ferrari, ninguém teve acesso aos que de fato ocorreu nos bastidores das rusgas de Alonso com o time, eu especulo que durante essa fase deve ter havido em algum momento a real possibilidade de Alonso sair da Ferrari, ou saírem com ele, com a situação de Raikkonen em aberto com a Lotus acredito que os dirigentes resolveram fazer uma proposta ao finlandês para lá possiblidade de perder Alonso o time manter um piloto de ponta, bem agora é esperar para ver se essa dupla dar certo ou detona o ambiente
    Quanto as razões sobre Massa que apontam eu penso de uma forma mais simples, nos ultimos anos mesmo fazendo um papel de segundo piloto sem criar problemas com Alonso ele não conseguiu ser eficiente em angariar pontos para o time, basta fazer um cmparativo entre a sua performance versus Alonso e comparar na mesma linha de raciocinio Vettel versus Weber, o australiano foi mais eficiente, agora também acho que a Ferrari em função da lealdade demonstrada segurou Massa por pelo menos as 2 ultimas temporadas,não sei se isso foi bom para a carreira dele

    abraços

    Mário

  2. Alexei disse:

    Alessandra, mas temos aí um detalhe que nunca passou pela porta da Ferrari mas sempre foi uma pedra no sapato: Sebastian Vettel.
    Neste ano, a performance de Mark Webber não está sendo grandes coisas e ele não venceu ainda nenhuma corrida. Mas Seb, sozinho, já consegue fazer com que a Red Bull esteja bem tranquila na ponta dos Construtores. Por isso mesmo a equipe apostou no jovem Ricciardo: Vettel está sendo capaz de resolver as paradas em ambos os campeonatos sozinho. Os pontos do segundo piloto ajudam mas não são tão determinantes ou necessários assim.
    Fernando Alonso sonhava com essa situação na Ferrari mas a equipe não tem carro. Quem tem carro para realizar seu sonho hoje é a Red Bull mas ali o cara se chama Sebastian Vettel.
    Outra coisa… vamos nos lembrar do Ayrton Senna de 1992, oferecendo-se para pilotar para a Williams de graça e depois aceitando uma substancial redução salarial. A justificativa: “estou há dois anos sem vencer”. Fernando Alonso está há sete anos sem vencer!! E estava há três anos sem vencer quando entrou para a Ferrari. Ele deve, com o aval do Banco Santander, ter imposto diversas condições por contrato mas a Ferrari, por absoluta falta de títulos, pode tê-los revisto e chamado Raikkonen para formar uma esquadra anti-Red Bull.

    • Mauro Santana disse:

      Pois é, Alonso é FERA, como o Ayrton também era, os caras são famintos por vitórias e títulos, verdadeiras máquinas de vencer.

      Me chamou bastante a minha atenção, nesta entrevista do Massa para o Galvão, a parte que o narrador fala que ele, Massa, é muito b

      • Mauro Santana disse:

        Concluindo, pois enviei sem querer…

        Massa é muito bonzinho como piloto, ou seja, ajuda demais da conta seu companheiro da equipe.

        Mas aí, entra aquele ditado “quem pode mais, chora menos”, e infelizmente Massa nunca pode contra Alonso.

        O resto é história.

        • Fernando MArques disse:

          Se o Alonso tem o aval do Santader ele sai da Ferrari na hora em que quiser … tentou a RBR mas não deu certo … mas tem a Mclaren … creio que teremos ainda capitulos importantes ainda este ano …

          Fernando Marques
          Niteroi RJ

  3. Mauro Santana disse:

    Olá Pessoal!

    Para quem não viu, segue a entrevista de Massa para o Galvão Bueno, e que foi ao ar no ultimo domingo 15/09/2013 no Esporte Espetacular.

    http://globoesporte.globo.com/programas/esporte-espetacular/noticia/2013/09/massa-diz-que-vai-para-cima-no-fim-do-ano-e-admite-namoro-com-lotus.html

    Uma pergunta:

    Vocês acham mesmo que o Massa não irá ajudar o Alonso!?

    Eu acho que ele ira continuar da mesma forma, mas espero estar enganado.

    Abraço!

    Mauro Santana
    Curitiba-PR

  4. Fernando Marques disse:

    Alessandra,

    não esperava uma conclusão tão brilhante no seu texto … você está certíssima ao analisar a ida do Kimi para Ferrari desta forma assim bem como fica bem entendido aonde o Massa falhou como piloto da equipe … mas me permita um parte … eu não vou deixar o meu lado passional de lado ao analisar a a atual Formula 1 … sou apenas um torcedor e nunca me interessei muito pelos números financeiros da Formula 1 e sim o desempenho dos pilotos e carros nas pistas … até por que os mais pobres do circo estão riquíssimos … mas tiro o chapéu para você neste sentido pois já mais que notório que entende muito bem do riscado … excelente a sua coluna e seu raciocinio … a Formula 1 antes de tudo é um bom negócio …
    parabens mais uma vez

    Fernando Marques
    Niterói RJ

    • Fernando Marques disse:

      Fico imaginando a temporada de 2014 partindo desta verdade acima bem exposta pela Alessandra … como será a Ferrari ano que vem? … acredito que nas 5 ou 6 primeiras etapas ela vai deixar o pau comer entre o Alonso e o Kimi … após estas etapas ela vai ver quem estará melhor na briga pelo titulo de pilotos … e certamente vai dar as cartas … creio que se o Alonso estiver na frente, o Kimi vai respeitar as ordens da equipe e trabalhar em pró do Alonso e do titulo mundial de construtores somando pontos e podiuns sempre atrás do espanhol … mas ao contrario duvido muito que o Alonso faça o mesmo e aí as coisas vão azedar pra valer … taí a grande atração de 2014 … nem um possivel penta do Vettel vai dar tanto ibope …

      Fernando Marques

  5. Prezada Alessandra, seus textos são mágicos e você conseguiu interceptar a mensagem de Maranello que passou despercebida por cima de nossas cabeças (da minha pelo menos), traçando uma linha de pensamento que só a intuição feminina combinada a uma pesquisa primorosa de dados poderia fornecer. Parabéns. E, olhando agora, apesar da forma como a Ferrari (não) anunciou a saída de Massa, fica evidente o respeito mútuo entre piloto e equipe neste episódio.

  6. Mauro Santana disse:

    Belíssimo texto Alessandra!

    E você esta certa, pode até ser o circo pego fogo em Maranello em 2014, mas o que importa mesmo, é grana alta que tem que voltar aos cofres vermelho.

    Abraço!

    Mauro Santana
    Curitiba-PR

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