Edu superconfuso

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Nosso colunista não sabe se é estratégia ou bagunça o que se vê na escolha dos pneus na F1 atual

Escravo da lógica como sou (seria um tipo de doença?), me exaspero tentando entender as bases da loteria pneumática que se refina mais e mais na F1.

Nos últimos quatro GPs, em três deles, inclusive o de ontem, em Cingapura, houve total divergência nas escolhas de pneus pelos quatro primeiros colocados. A exceção foi Monza, onde a divergência foi apenas parcial.

Ontem, a superconfusão começou pelo fato de a Pirelli ter subestimado o desgaste dos seus compostos macio e supermacio, ainda que não o ultramacio. Prova disso é a espantosa trilha de borracha que se formou sobre o asfalto hospitalar de Cingapura que, como efeito colateral, teve a propriedade de tornar mais fácil a defesa de posição por quem ia à frente.

Mesmo assim, não é fácil deslindar a escolha das equipes. O primeiro stint dos quatro primeiros colocados ontem – Nico Rosberg, Daniel Ricciardo, Lewis Hamilton e Kimi Räikkönnen – durou, para simplificar, 17 voltas, mesmo Ricciardo tendo largado com pneus que deveriam aguentar bem mais tempo do que os ultramacios. O segundo stint durou aproximadamente o mesmo intervalo de voltas, o problema sendo que a dupla da Mercedes foi de macios e os demais de supermacios.

As coisas se complicam daqui em diante. Nico troca pela última vez por macios e encara 27 voltas até o final. Já os demais fazem uma parada extra, se dividindo na escolha dos compostos.

Ao final, ficamos sem saber se, além do aparente erro de avaliação da Pirelli (prefiro acreditar que não foi algo proposital), tivemos escolhas acertadas ou erradas pelos boxes. Por que, por exemplo, a RBR preferiu pneus macios para o stint final de Ricciardo? Não teria uma opção por ultramacios facilitado aproximação e eventual ultrapassagem sobre Nico?

Mais: por que a Mercedes arriscou tanto em relação ao alemão? Não teria sido melhor adotar uma estratégia conservadora, o fazendo parar com segurança umas duas ou três voltas antes de Ricciardo? E mais: por que a Ferrari não tomou ela a iniciativa de proteger o 3º lugar de Kimi, o fazendo parar antes de Hamilton? Os italianos não imaginaram o movimento da rival, o único que poderia proporcionar uma recuperação ao inglês?

No final das contas, a despeito de toda parafernália informática que está por trás das grandes equipes, ficamos sem saber se se trata de estratégia ou bagunça pura e simples.

Em caso de dúvida, vou direto ao poste: a estratégia deveria ser proibida na F1! Este papo de pneus enfraquece o fundamento número 1 da categoria, resumido por Nelson Piquet, na frase: “é o tempo todo lá” – “lá” sendo o acelerador colado na tábua, para usar uma expressão das antigas.

Com esta loteria de pneus, os pilotos simplesmente não podem manter o pé “lá”. O resto é consequência.

O fato é que o GP de ontem, mercê das dificuldades naturais do traçado mais o clima hostil e esta incerteza inata aos pneus resultou numa corrida interessante, os pilotos no limite das suas habilidades e, ao final, se impondo, de novo, a acachapante superioridade dos Mercedes, um carro praticamente a salvo dos erros dos seus pilotos.

Aliás, acredito que, salvo por uma alteração radical no regulamento de motores da F1 – coisa que não tem espaço para acontecer antes do final da década – só um milagre pode acabar com a hegemonia da Mercedes.

O segredo da equipe alemã começa pelo talento de Paddy Lowe e pela qualidade superior da equipe técnica que ele lidera, passa pela quantidade abissal de dinheiro investido e termina com o tempo que se concedeu à equipe para juntar as peças.

O segredo da Mercedes certamente não é Toto Wolf ou Niki Lauda – as coisas sempre se complicando quando eles entram em cena -, muito menos a dupla Hamilton-Nico. A cada GP, diminui meu respeito por eles como pilotos. Definitivamente não estão à altura dos grandes do passado e, como não são meninos, é tolice esperar por mais consistência no futuro.

No império de mediocridade da F1 atual, a iridescência de Max Verstappen é a melhor chance da categoria voltar a atrair a atenção do torcedor médio. Quando a câmera encontra o holandês, tudo pode acontecer, mais ou menos como acontecia nos primeiros tempos de Ayrton Senna.

Não aponto o dedo para a ousadia de Verstappen, mesmo quando ela resulta em polêmicas ou erros crassos. Um campeão não pede licença, tampouco desculpas. A um campeão não basta conquistar o respeito dos pares; é preciso também despertar o temor, algo que se faz no plano do inconsciente, mesmo porque quem vai à frente não é propriamente um amador.

Verstappen não tem perdido a oportunidade de surpreender como manobras abusadas, temerárias mesmo, como vimos ontem, em mais de uma ocasião. Ele tem seguido à risca o mandamento de Piquet. Que continue assim.

Em oposição à iridescência de Verstappen, a consistência de Ricciardo: quatro pódios nos últimos cinco GPs.

Belo piloto, sólido, já bastante experiente, à salvo de emoções baratas. Pena que a distância da RBR para a Mercedes seja tão grande.

Os carros da Renault podem ostentar ao menos um título este ano: o de mais belos carros do grid, graças à pintura na cor dourada.

Na contramão, a Ferrari. Acho um sacrilégio depositar tanto branco sobre aquele vermelho imemorial.

É verdade que Sebastian Ocon mede 1m86 e pesa apenas 66 quilos?

Para mim, isso é sinal de subnutrição.

Edição de junho de Autosport reduziu a números simples o orçamento de uma grande equipe de F1.

O orçamento total monta a R$ 930 milhões, 42% gasto na remuneração do pessoal, inclusive pilotos – o orçamento reserva uma grande importância para tanto -, 22% para pesquisa e desenvolvimento, 24% para construção do carro e 12% para fazê-lo correr os 21 GPs, aí inclusas despesas de transporte e viagens.

Dados curiosos: o combustível para os carros ao longo do ano custa aproximadamente R$ 3 milhões, cada asa dianteira R$ 1,5 milhão, os freios para um carro no mesmo período R$ 1,4 milhão. Quatro pneus custam R$ 5 mil.

Capitalismo na veia é o que se pode esperar da chegada da Liberty Media à categoria. O grupo americano é reputado pelos seus métodos digamos, texanos e Bernie Ecclestone (que, argh!, estaria garantindo à frente do empreendimento por mais três anos, segundo se anuncia) foi claro: “a Liberty entrou na F1 pelo dinheiro”, disse ele.

Os planos dos americanos ainda não chegaram à imprensa, mas não creio em mudanças radicais no curto prazo. Eles viram na F1 um investimento de baixíssimo risco: contratos já assinados garantem um receita até 2026 de quase US$ 10 bilhões.

Se é assim, porque os atuais proprietários a venderam? Alega-se uma imposição estatutária: fundos de investimento não podem deter um ativo por mais do que um determinado período de tempo, mas também é possível explicar o negócio pelo lucro astronômico obtido pelos antigos proprietários na venda. Talvez eles tenham sentido que já ganharam demais e é melhor sair enquanto estão por cima. Difícil imaginar esta hipótese, mas pode acontecer…

No futuro da Liberty, a única incógnita é a renegociação do Pacto da Concordia, que se esgota em 2020 e que já está em seus movimentos iniciais. Talvez por isso Bernie tenha sido mantido no negócio.

Do que me é possível prever, arrisco apenas dizer que os americanos certamente apoiarão iniciativas de controle de desempenho dos carros, como a anunciada no GP da Espanha – vejam minha coluna “Suzana não há mais“.

Alimento para os leitores que apreciam as ciências contábeis: a F1 obtém receita anual de US$ 1,6 bilhão, 33% dela proveniente dos organizadores de GPs, 31% das emissoras de TV, 16% a partir de publicidade nos autódromos, 5,5% pelas vendas do Paddock Club e hospitality centers, 4,5% das corridas preliminares, como a Porsche Cup no Brasil, 10% de outras origens.

Por falar nisso, o capitalismo explícito de Cingapura choca.

A pujança dos arranha-céus, a arquitetura modernosa, os sinais de riqueza, tudo se amontoa sem pudor, os espaços milimetricamente ocupados e demarcados por mensagens publicitárias.

Será esta, diante da falta de uma alternativa real à esquerda, nossa melhor hipótese para a humanidade? A assepsia, os contratos rigorosos, os horários precisos no nível do segundo, o autoritarismo subjacente tão entranhado que dispensa vigilância ostensiva, bastando a das câmeras?

Os italianos comemoram o convite da Ferrari a Antonio Giovinazzi, ganhador em Monza da GP2, para– vejam bem! – uma sessão de teste no simulador da equipe. Se ele for bem, pode entrar na órbita da equipe e virar piloto reserva da Sauber ainda este ano.

Num ambiente de tal forma econômico de oportunidades para jovens pilotos, quanto tempo teremos de esperar por um eventual sucessor de Felipe Massa?

Boa semana a todos

Eduardo Correa

Eduardo Correa
Eduardo Correa
Jornalista, autor do livro "Fórmula 1, Pela Glória e Pela Pátria", acompanha a categoria desde 1968

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