Ele é mesmo tudo isso?

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2013 parece ser o ano para Fernando Alonso convencer o mundo de que ele é mesmo 'tudo isso' que dizem...

Não nego que foi bom ver Fernando Alonso ultrapassando Lewis Hamilton e Sebastian Vettel durante o GP da China, no último domingo. Ao superar Hamilton, aliás, Alonso trouxe junto o companheiro Felipe Massa e foi mais legal ainda ver as duas Ferrari dando uma espécie de drible da vaca no campeão de 2008, assumindo a liderança da corrida depois de cinco voltas.

Não nego que é sempre bom observar o que Alonso fará na pista no momento em que precisa abrir vantagem para quem está atrás, ou perseguir quem está à frente, seja em uma disputa “de verdade” ou no intrincado jogo de xadrez das paradas de box. A experiência fica ainda melhor porque invariavelmente ele entrega o que se espera dele. É uma aposta quase sempre certa, quase uma barbada.

Não nego que enche os olhos observá-lo na refrega com um colega na pista, ultrapassando ou sendo ameaçado, porque ele consegue aliar a bravura dos grandes navegantes com a precisão de um ourives, freando nos últimos centímetros e retomando a aceleração quase sempre antes do outro, tudo isso mantendo trajetórias limpas e elegantes.

Por último, mas não menos importante, não nego que seu ímpeto, sua obsessão pela vitória, sua sisudez muitas vezes revestida de arrogância caem bem para um esportista de seu perfil, que não se resigna em ser mais um. Seu chororô por vezes entedia, em outras, irrita. Mas, outro dia, selecionando material que escrevi no início dos anos 1990, para uma palestra, encontrei vários textos com reclamações parecidas de… Ayrton Senna. Olhemos no espelho: o brasileiro tinha uma postura, por vezes, bem semelhante.

Sei que, a esta altura, vocês estão esperando um “mas”…

Mas que nada. Eu realmente acho que Alonso é um piloto extraordinário. Não foi sempre assim, claro. Quando ganhou maior visibilidade internacional, pelos idos do ano 2000, na antiga Fórmula 3000, o espanhol era pouco mais que uma vaca louca nas pistas. Uma espécie de Nigel Mansell jovem, com os hormônios da juventude ainda em ebulição, bem antes de se transformar nessa espécie de Muhammad Ali ao volante, capaz de voar como borboleta e picar como abelha. Foi altamente recompensador observar a evolução de Alonso ao longo dos anos.

Às vésperas de completar 32 anos, em julho, Alonso hoje está entre os pilotos mais experientes da Fórmula 1. O fato de ter perdido três títulos consecutivos para Sebastian Vettel não empanou o brilho da sua reputação. Continua movendo-se de circuito em circuito à bordo do título de “melhor piloto do grid”. Claro que, na Alemanha, a maioria do público não há de concordar com tal afirmativa. Entre fãs brasileiros, é provável que também não. Mas mesmo que eu e você preferíssemos contestar, o fato é que Alonso parece acreditar nisso.

No ano passado, depois de uma sequência avassaladora de triunfos de Vettel, Alonso saiu-se com uma reclamação contra a Red Bull bem parecida com as que Senna fazia no passado. Troque Red Bull por Williams, substitua Vettel por Mansell/Prost, mantenha Adrian Newey no mesmo lugar e você já terá visto esse filme. Quixote lutando contra seus moinhos de vento. É a vida, Nano. Fórmula 1 é corrida de carro, não de gente. O melhor carro vai vencer na maioria das vezes. Ao piloto obstinado, cabe lutar para estar a bordo dele.

E me parece, desde 2010, que Alonso está se esforçando por isso, tentando reeditar na mesma Ferrari o que Michael Schumacher fez, construindo um time em torno de si. Semelhanças e diferenças gritantes entre os dois casos. A máquina de vitórias que levou Schumacher a quatro títulos seguidos hoje é peça de museu. Foi-se Jean Todt, partiu Rory Byrne, debandou Ross Brawn. Não que a Ferrari de hoje esteja fazendo feio. Nos últimos anos, tirando o campeonato de 2011, permitiu que Alonso disputasse com Vettel até a última corrida. Mas perdeu.

O ano de 2013 não parece tão diferente da temporada anterior. Equipes patinando para entender aquilo que a Pirelli chama de pneus. Três corridas, três vencedores diferentes. Daqui a pouco, o mistério se desfaz, a ordem se restabelece e devemos ter, novamente, uma disputa polarizada entre Alonso e Vettel. Se não se afirmar neste ano, empatando com o alemão em número de títulos, é possível que Alonso siga convencendo o mundo de que, mais uma vez, a máquina venceu o homem. Os moinhos de vento continuarão no horizonte, mas talvez Dom Quixote não se sinta mais capaz de vencê-los.

Derrotada a mente, morrerá o campeão. E, como disse certa vez o já citado Muhammad Ali, “campeões não são feitos em academia. Campeões são feitos de algo que eles têm profundamente dentro de si – um desejo, um sonho, uma visão”. Pode ser que a maior batalha de Alonso neste ano não seja contra Vettel, mas contra a morte do seu espírito de campeão.

Não mudou quase nada em 2013, muda quase tudo em 2014, com a nova regra dos motores. Podem me cobrar depois, mas as notícias dão conta de que quem está na frente nesse campo é a Mercedes. Talvez Lewis Hamilton seja um bom figurante na temporada atual, Ross Brawn tem dito em público para não criarmos muita expectativa. Mas vai brigar pelo título no ano que vem. E a Ferrari vai correr atrás. Mais um motivo para Alonso se aprumar já.

Heikki Kovalainen voltar para a Caterham como piloto reserva foi um dos maiores exemplos de “contentar-se com migalhas” que vi recentemente. Mas, é o que dizem: pagando bem, que mal tem?

Abraços a todos!

Alessandra Alves
Alessandra Alves
Editora da LetraDelta e comentarista na Rádio Bandeirantes desde 2008. Acompanha automobilismo desde 83, embalada pelo bi de Piquet e pelo título de Senna na F3.

10 Comments

  1. Augusto disse:

    Apesar do fato de Schumcher ter ganho seu 1 titulo com a Ferrari no seu 5 ano de equipe, Alonso já poderia tê-lo superado nesse ponto, com ao menos 1 em seu 3 primeiros anos. Mas o que parece que irá ocorrer, é que ele ganhará o primeiro também em seu quinto ano quem sabe.

    Mas que ele é monstro é, e seus números, na minha opinião, não traduzem o quão bom ele é.

    Abraços.

  2. Fernando MArques disse:

    A Formula 1 vive um período de dominio chamado Vettel/Alonso … é bom lembrar que existe o Vettel …

    Fernando Marques
    Niterói RJ

  3. Antonio J. P. Pinheiro disse:

    mas eu não me lembro, dos anos em que esteve na F. 1, que Senna não tivesse sempre um rosário de reclamações e ‘chororos’.
    as vezes até quando estava vencendo.

  4. Fernando - Foz disse:

    Um piloto de ponta tem que destruir o adversário dentro e fora das pistas. Alonso parece escolher bem as palavras e o efeito que elas terão sobre os concorrentes. Aí além de jogar bem politicamente e também dentro da equipe, faz corridas como as de domingo, deixando a certeza de que o resultado que se espera dele ele vai entregar, na maioria das vezes.

  5. Lucas disse:

    Pois é, se ainda havia alguém que tinha dúvidas quanto ao talento do Alonso, a temporada de 2012 serviu para acabar com todas elas. Ver alguém disputando um título sem o melhor carro até acontece com certa frequência, mas quantas vezes vimos um postulante (até a última prova!) andando num carro que quase sempre era inferior não a uma, mas a duas equipes (e em algumas corridas até mais que isso)? Ele mesmo já tinha feito isso em 2010 (mas naquele ano a Ferrari chegou a ser claramente o melhor carro do grid em algumas pistas, o que nunca foi o caso em 2012), antes dele Kimi em 2003 (a única corrida em que a McLaren teve o melhor desempenho foi justamente aquela em que ele teve um motor estourado), e antes disso, pra achar outro exemplo, só voltando à década de 80. A F1 atual é realmente um período especial e fico feliz em estar acompanhando isso.

    Vale lembrar que, com a vitória desse fim de semana, Alonso atinge o quarto lugar entre os maiores vencedores de todos os tempos, numa lista em que tanto aqueles acima dele quanto o piloto com o qual ele acaba de empatar (Mansell) tiveram, por pelo menos uma temporada, a oportunidade de dirigir um carro tão absurdamente superior que em praticamente todas as pistas só não acontecia dobradinha se algo desse muito errado com algum dos dois pilotos. Coisa que Alonso nunca teve.

  6. Fernando Marques disse:

    Este jogo psicológico do Alonso só não afetou ainda o Sebastian Vettel, pois até o L. Hamilton parece ter sucumbido ao talento do Alonso, conforme suas ultimas declarações.

    Fernando Marques
    Niterói RJ

  7. Eduardo Trevisan disse:

    Procurei por toda parte e não encontrei, quem é você, colunista?

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