Ele sabe o que fazer

3 x 3
02/11/2012
Personagens
07/11/2012

Talvez a vitória mais esperada do ano. E um campeonato que cada vez mais caminha para um final épico...

E Kimi Räikkönen voltou a vencer…

Uma vitória mais que merecida, após algumas bolas na trave ao longo do ano. Podia ter acontecido no Bahrein, parecia ser provável em Spa. E então vieram a polarização e a hegemonia tão bem identificadas por meu irmão Lucas Giavoni, de tal forma que em determinado momento Räikkönen chegou a ser citado como possível candidato a conquistar, pela 1ª vez na história, um título mundial sem vencer nenhuma corrida no ano.

Bom, depois de Abu Dhabi, nenhuma dessas duas possibilidades segue de pé: o finlandês venceu um GP, e já não tem mais chances de título.

Ainda sobre a vitória, nada mais justo que ela para coroar uma campanha que cada vez mais se assemelha ao fantástico desempenho de Nelson Piquet em 1990. Muita regularidade, muita segurança, e o retorno ao degrau mais alto do pódio no fim do ano, ao posicionar-se da melhor forma para capitalizar os problemas e erros dos conjuntos mais rápidos. E as coincidências tornam-se ainda mais fortes quando observamos que tanto Nelson quanto Kimi vinham de desempenhos abaixo de seus próprios padrões nas equipes anteriores – a Lotus(!) no caso do brasileiro, e a Ferrari no caso do finlandês –, antes de lembrarem ao mundo a dimensão de seus talentos.

E, caso a mensagem não tenha sido clara o bastante na pista, Kimi – novamente a exemplo de Piquet – não tem qualquer inibição em expressar seus sentimentos verbalmente. As reproduções de seu rádio durante a transmissão foram nada menos que antológicas. Numa tradução livre:

– Kimi, Alonso está atrás da gente, vou te passar as distâncias volta a volta, ok?
– Só me deixe em paz, eu sei o que fazer!

(Algumas voltas mais tarde, durante o 2º safety car…)

– Kimi, precisamos trabalhar esses pneus dianteiros para manter a temperatura.
– Tá, tá tá… Eu estou fazendo isso o tempo todo, não precisa ficar me lembrando de nada não.
– Ok…

httpv://www.youtube.com/watch?v=FrDDn8ZY9wk

E a Lotus voltou a vencer…

Ok, é certo que estamos falando aqui de uma Lotus meio forçada, com ares de Inri Cristo, e que na prática descende diretamente de outra equipe a ter tido Ayrton Senna em seus boxes: a Toleman. Mas, para efeito de estatísticas, Kimi Räikkönen encerrou hoje um jejum histórico que já durava desde a excepcional dobradinha brasileira comandada por Ayrton Senna nas ruas de Detroit, em 1987.

A se considerar a crise financeira da equipe, e as possíveis trocas de nome dela decorrentes (uma vez que há tempos a Lotus deixou de injetar dinheiro no time), é possível que o finlandês leve a honra de ser o último vencedor Lotus por um período até maior do que o piloto brasileiro. O tempo dirá.

O resultado em Abu Dhabi realça ainda mais o contraste entre os retornos de Räikkönen e Schumacher, eliminando ao menos uma variável na complexa equação que pretende explicar o porquê de tamanha diferença de performance por parte do heptacampeão mundial: o tempo afastado.

É bem verdade que Kimi fez aparições mais ou menos esporádicas no WRC, mas não dá para dizer que esteve muito mais ativo que Schumacher em seus tempos sabáticos. E isso nos deixa diante de três cenários principais: ou o maior problema do tedesco é a idade, ou ele era mais dependente do contexto do que fazia parecer. A terceira opção é que seja um pouco dos dois.

O 18º GP do ano também serviu para confirmar o surgimento de um novo tricampeão mundial. Ao fim do ano, o seleto clube que tem como sócios Sir Jack Brabham, Sir Jackie Stewart, Niki Lauda, Nelson Piquet e Ayrton Senna, além de Alain Prost, Juan Manuel Fangio e Michael Schumacher como membros honorários, contará também com a presença de Fernando Alonso ou Sebastian Vettel.

O mais importante é que o título estará em boas mãos, independentemente de quem vença. Vettel é o piloto mais brilhante de sua geração, extremamente rápido, descendente, ótimo sob chuva, e muito seguro quando no controle das corridas. Alonso, por sua vez, é o piloto mais completo a guiar na categoria em muito, muito tempo. Horizontal, brigador, motivador, rápido e quase incapaz de errar.

Por tudo que já fizeram, tanto Alonso quanto Vettel merecem a carteira deste clube, e devem acabar se encontrando por lá nos próximos anos.

Diversas vezes ao longo da transmissão, Galvão Bueno manifestou sua torcida para que a decisão do campeonato se prolongue até a última corrida, no Brasil. E sua preocupação não era exclusivamente de natureza patriótica, ou fruto do desejo de prolongar o (escasso) interesse do público até a última etapa. Ocorre que a Globo não deve transmitir o GP dos EUA ao vivo, dada a coincidência de horários com o campeonato brasileiro. E, como vocês podem imaginar, ia pegar muito mal perder justamente o GP decisivo da temporada.

Algo ainda mais difícil de ser justificado, caso meu amado Fluminense confirme as expectativas e vença o campeonato com antecedência. É aguardar para ver.

A três provas do fim, a punição a Vettel após os treinos tinha tudo para mergulhar em polêmica um ano até então muito bem definido esportivamente. Tinha, porque no fim das contas o menino prodígio chegou ao pódio, tornando quase irrelevante qualquer discussão a esse respeito.

A grande recuperação de Vettel, no entanto, não deve ser creditada exclusivamente em sua conta pessoal. A sorte na conjugação entre trocas de pneus e intervenções do carro de segurança, aliada a uma série de disputas infelizes por posições, acabaram tornando a missão do piloto muito mais fácil. Ou menos difícil, que seja.

Não faz muito tempo eu escrevi aqui mesmo sobre o preço que se paga por corridas mais seguras. E, entre os efeitos colaterais, nós podemos certamente destacar a formação de um grid majoritariamente composto por pilotos que simplesmente não sabem ser ultrapassados.

Moleques que cresceram longe dos obituários de tempos idos, e que devem achar bonito forçar posições impossíveis até que acabem tocando rodas, ou perdendo tempo desnecessário em recolhidas que roubam todo o momentum. Exemplos deste tipo de comportamento não faltaram ao longo do GP, causando estragos ou abandonos perfeitamente evitáveis e feitos sob medida para Vettel. Diversas vezes tive a impressão de ouvir o clássico dos Pet Shop Boys “Domino Dancing”, de tantos pilotos que caíram sozinhos pelo caminho.

Como contraponto, lembro a disputa final envolvendo Button e o próprio Vettel. Aguerrida sim, mas com respeito e espaço suficientes para evitar abandonos bestas. Como dizia o mestre Fangio, “às vezes é preciso deixar passar quem está mais rápido”.

E, claro, não podemos deixar de lembrar também o abandono do líder Hamilton, decisivo para o resultado do GP, e sem qualquer culpa por parte do piloto.

Num momento em que alguns dos melhores pilotos do mundo são instruídos o tempo todo por engenheiros mais ou menos paternais, e traem em disputas por posição toda a imaturidade que justifica tal tutela, a atuação de Kimi Räikkönen na pior das pistas de Hermann Tilke foi um sopro de esperança.

É sempre muito bom ver em ação um piloto que sabe o que fazer.

Uma ótima semana a todos.

Márcio Madeira
Márcio Madeira
Jornalista, nasceu no exato momento em que Nelson Piquet entrava pela primeira vez em um F-1. Sempre foi um apaixonado por carros e corridas.

8 Comments

  1. Lucas Giavoni disse:

    Na minha última coluna, escrevi:

    “[…] o terceiro colocado (ainda) é Kimi Räikkönen, com campanha maravilhosamente consistente para quem teve, na maioria das vezes, apenas na terceira ou quarta equipe mais rápida dos fins de semana de GP. Comparei a campanha do gélido finlandês à de 1990 de Piquet. De fato, está cada vez mais parecida, só falta vitória nas últimas corridas”.

    Legal! Não falta mais vitória!

    Aquele abraço!

    Lucas Giavoni

  2. Fabiano Bastos das Neves disse:

    Muito boa corrida, cheia de conteúdo para análises, como a reação da Red Bull à punição de Vettel (acertaram em cheio em largar do pit lane e alterar a configuração do carro para facilitar as ultrapassagens), ou a velocidade imposta por Rikonen, que não fosse as intervenções do carro de segurança teria vencido com uma margem muito grande (foi o carro com o melhor ritimo de corrida), ou ainda a aula de garra e pilotagem de Alonso (torço pelo Vettel, mas não tem como não elogiar o trabalho do espanhol). Sem falar nas lambanças do Webber, o azar do Hamilton, das barbeiragens que o Perez passou a fazer depois de assinar o contrato com a Mac Laren, ou a corrida sem sal do Massa (desanimou muito fácil frente às dificuldades enfrentadas na corrida).
    Talvez tenha sido o melhor GP da segunda metade do campeonato, mas fico pensando onde esta Lotus estaria agora se a dupla fosse Raikonen – Kubica? Talvez estivessem liderando os dois campeonatos.

  3. Mário Salustiano disse:

    uma coisa interessante sobre a devolução de posição que Seb fez ao Grojean, a alegação que ele passou fora da pista ne minha opinião extrapola o senso de ridiculo que falta a FIA aos comissários e quem ache que isso está correto, basta asissistir como os pilotos passaram “fora”da faixa azul na antepenultima curva antes da reta de largada, em todas as voltas e todos os pilotos, ou a passada fora da zebra na pequena reta antes da mesma reta, hilário, simplesmente hilário, a cada dia fico mais convencido que a F1 virou espetaculo, até aí tudo bem, mas manipulação tem limite, mesmo que seja para criar uma “emoção” na disputa

  4. Lucas dos Santos disse:

    Quem diria que um dia os termos “movimentado” e “GP de Abu Dhabi” apareceriam juntos na mesma sentença? A corrida foi sensacional!

    Uma pena o Hamilton ter abandonado mais uma vez enquanto liderava (será que luzes aritificiais afetam o carro de alguma forma?), mas fiquei muito satisfeito com a vitória do Kimi. Ri bastante das respostas curtas e diretas do finlandês em cima da equipe.

    Eu jamais imaginaria que o Vettel, partindo lá de trás, conseguiria escalar o pelotão até o pódium. Não é algo que combina com ele. Mas, como bem colocado pelo Márcio, vários outros fatores influenciaram isso. Primeiro que, ao largar dos boxes a equipe trocou o câmbio do carro, as relações de marchas e tudo o que tinham direito. O ajuste do carro também foi definido especificamente para aquelas circunstâncias. Vários pilotos que largaram na frente de Vettel abandonaram e por fim teve os dois Safety Cars que ajudaram a estratégia funcionar. Se o alemão tivesse largado da última posição do grid ou largado na frente e ter ido parar na última posição por, digamos, um pneu furado, a história seria outra, pois o acerto do carro seria totalmente outro. Mas isso não tira os méritos do piloto, afinal esses ajustes e eventos, por si só não fazem milagres. O mérito de Sebastian Vettel está em ter pilotado com maestria e ter tirado vantagem de tudo o que lhe poderia favorecer na corrida e é por isso que ele fez uma corrida excelente.

  5. Mauro Santana disse:

    Me emocionei com a vitória do Kimi, e esta vitória para o nome lotus só poderia ter vindo com ele, após um grande campeão ter conquistado a última vitória para a equipe Lotus à 25 anos atrás em Detroit, tinha que ser com outro grande campeão.

    E sem ser chato, mas este GP de Yas Marina só não foi chato devido os acidentes e a vitória do Kimi, e quando o Vettel fez uma ultrapassagem com raça em cima do Groja, teve que entregar ou provavelmente seria punido.

    Já pensou estes comissário em Suzuka 1988, o que eles iriam falar da ultrapassagem do Senna em cima do Prost, que foi lá lamber o muro do box?

    Obrigado Kimi, e tomara que você conquiste outras vitórias e quem sabe, títulos.

    O campeonato pra mim esta em aberto, e não me arrisco em palpitar pra ninguém, mas quero muito que o tri fique com o Alonso.

    Abraço a todos.

    Mauro Santana
    Curitiba-PR

  6. Fernando Marques disse:

    A temporada de 2012 vai entrar realmente para a historia. E o Gp do Abu Dhabi é mais uma prova disto. Talvez tenha sido a corrida que mais gostei no ano pois desde a largada já havia uma expectativa do que poderia acontecer, principalmente pelo fato do Vettel estar largando em ultimo e pior ainda saido do pitslane … Que Hamilton ia partir liderando até com folga todo mundo sabia, mas Alonso novamente foi muito aguerrido e e agressivo no inicio. E houve mais um pouco de um tudo. Webber não largou bem e Maldonado voltou andar na frente e ficava aquela expectativa do que ele ia aprontar.
    A corrida em si foi um resumo da temporada. Aqueles que mais tem errado na písta voltaram a errar, mais uma vez a Maclaren sucumbiu com Hamilton, Button foi o de sempre e Raikkonen mais do que nunca viu a sua regularidade ser premiada.
    E a corrida foi tão legal que até Bruno Senna e Felipe Massa tiveram seus bons momentos destacados com boas provas de recuperação. Alem da porrada do Nico Kosberg que foi cinematografica
    O final da corrida foi sensacional. Vettel passou o Button na marra e o filandes não pode cometer nenhum vacilo pois Alonso vinha muito perto. Um podium perfeito com uma vitoria que era mais do que querido este ano com Raikkonen. Só faltava ele vencer.
    Não sei se os caras enfim acertaram alguma coisa no regulamento mas a temporada deste ano tem que ficar na historia como sendo umas das melhores. Só tivemos corridas boas de se ver e muitos resultados dignos de belas surpresas. E o GP de Abu Dhabi para mim foi amelhor de todas.
    Quem leva o tri?
    Aposto e torço pro Vettel.
    Gosto do Alonso mas a cada dia que passa fico mais na bronca com a Ferrari.

    Fernando Marques
    Niterói RJ

  7. Bruno Wenson disse:

    “Eu sei o que fazer” e “Estou fazendo isso, não precisa ficar me lembrando” nos faz ver que os grandes de hoje sabem do seu ofício como os grandes do passado sabiam. Não acho que ficasse dizendo pra Fangio, Clark, Hill, Stewart, Lauda como ou o que eles tinham que fazer. Eles sabiam, como Kimi disse e mostrou. Na pista, sozinho e sentindo o carro é que eles mostram porque são admirados e adorados. É por que fazem o que nós não sabemos fazer, e talvez nunca venhamos a saber, mesmo passando a vida a tentar. Por isso ligamos a TV aos domingos e ficamos a admirar esses motoristas fantásticos.

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