Em acusação a Tilke

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O que penso ser mais inaceitável, dentre tantas críticas, é o monopólio de Hermann Tilke. Ele não pode ser o único entre 7 bilhões de pessoas a saber desenhar autódromos, ora bolas!

Uma vez definido o réu, se existe uma compilação que faça sua defesa, tem que haver, por outro lado, uma compilação que realize a acusação. Assim são os sistemas judiciais honestos. O GPTotal não será diferente!

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Interessante e corajosa a iniciativa do Edu em defender Hermann Tilke. Isso porque todos têm direito a um advogado de defesa, mesmo que não se goste do “cliente”, como ficou bastante claro. É evidente que os regulamentos, técnico e esportivo, fazem com que carros e corridas não consigam transmitir a “emoção” almejada. Muito já foi realizado, como o fim dos reabastecimentos (talvez a maior maldição da Era Mosley além do próprio Mosley), o retorno dos slicks e a “limpa” aerodinâmica dos carros que antes pareciam porta-chapéus. Mas ainda há muito o que fazer, e a bizonha regra dos pneus está aí pra não deixar dúvidas de que alguma coisa tem que ser feita. E imediatamente.

Dois fatores são elencados como muito importantes: o primeiro, o grid ser reflexo da rapidez dos carros em ritmo de corrida (conjuntos mais fortes largam na frente e vice-versa). E a segunda, o patamar inacreditável de confiabilidade alcançado atualmente na F1.

Sobre o primeiro fator, só posso dizer que a F1 tem que observar o passado para entender o que quer fazer de seu futuro, um tipo de lição ao estilo Maquiavel. O momento histórico em que a categoria teve mais diferenças entre conjuntos de grid e ritmo de corrida aconteceu quando existiam os pneus (e configurações) de qualificação. Tanto pilotos quanto carros podiam ser dominantes em treinos e fracos em corrida, e vice-versa.

Para que isso não vire uma ciranda financeira, com carros totalmente diferentes para os dois propósitos, que sejam permitidos apenas set-ups diferentes, mas sem que sejam necessárias trocas de componentes (infelizmente, motor envenenado de qualificação, nem pensar). Ajustes de motor, por exemplo, poderiam ser proibidos (a não ser mapeamento, que não custa nada), mas de resto, deixa a galera lutar pela pole em pneus absurdamente aderentes! Não é todo mundo que consegue andar bem nestas condições, e tem o pessoal ascendente que se concentraria no ajuste de prova, para ir escalando o pelotão. Este, até agora, foi o melhor jeito que a F1 arrumou para embaralhar o grid sem artificialismos. Pneus de qualificação, a meu ver, trariam imagem positiva à Pirelli.

O segundo fator é o da confiabilidade dos carros atuais. Claro que só a injeção de grana atual já garantiria processos de construção e de checagem de componentes cada vez mais cirúrgicos. Mas mais uma vez isto está relacionado ao atual regulamento. A F1 está perdendo sua vocação de laboratório ao congelar ou limitar componentes vitais, supostamente em nome da economia.

Motores, que tanto quebravam no passado, não podem mais ser desenvolvidos e as rotações são limitadas. Câmbios também têm que ser construídos para aguentar várias etapas e o sistema eletrônico é padrão, quase blindado contra panes. Qual é o componente que mais tem dado defeito nos atuais carros de F1? É justamente aquele que ainda está em desenvolvimento: o Kers. E como dá pra levar o carro na manha sem o componente funcionando, ninguém abandona mesmo.

Confesso que sinto saudades de tempos em que os carros eram exigidos ao máximo e as corridas eram realmente de resistência. Componentes que ficavam no limite entre desempenho e confiabilidade por vezes não aguentavam o tranco, deixando margem para as nanicas pontuarem. Neste ano, apenas um carro abandonou em Xangai (Alguersuari, apenas porque uma roda soltou-se após pit) e em Valência os 24 carros que largaram alcançaram a quadriculada, o novo recorde de qualificados em uma corrida de F1.

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Por mais que esportivamente e tecnicamente a F1 esteja realmente devendo, não é possível tirar Herr Tilke da equação. Mantenho convictamente posição de que o referido alemão é, sim, um dos problemas da atual Fórmula 1. E os motivos vêm no plural.

Primeiro, eu definitivamente não concordo em dizer que Tilke deve ser defendido por ser “minoria sofrendo” (ainda que seja evidente o tom jocoso da proposta do espirituoso Edu). Ele é minoria no poder, ao lado direito de tio Bernie – hoje, certamente o maior problema de todos. E minoria no poder, para mim, é oligarquia, sistema existente desde que mundo é mundo e que privilegia uns poucos em detrimento de todos os outros – os outros, neste caso, os demais projetistas de autódromos.

Tilke deve, sim, ser prontamente defendido por desenhar áreas de escape com níveis de segurança jamais vistos na categoria, que registram até hoje zero acidentes graves, e por trazer beleza arquitetônica à F1 (ops, esse item é supérfluo…). Mas acaba por aí a defesa. O resto de argumentação não se sustenta por muito tempo.

Dentro de todas as críticas que já teci ao homem, nenhuma foi rebatida a ponto de me fazer mudar de ideia. Desde as mais leves, em que, fazendo piada, eu disse que Tilke jamais escolheria suas pistas ao jogar F1 no videogame, até acusar-lhe pesadamente de não passar de um piloto frustrado que inconscientemente quer arruinar a atual geração brilhante da F1.

O que penso ser mais inaceitável, dentre tantas críticas, é o monopólio de Tilke. Ele não pode ser o único entre 7 bilhões de pessoas a saber desenhar autódromos, ora bolas! Desde 1996, todas as pistas que estrearam na F1 foram projetadas por sua firma, assim como todos os novos circuitos de rua e trechos reformados de pistas já existentes – foi ele quem detonou a Bus Stop de Spa e profanou as primeiras chicanes de Monza. Isso sem mencionar o que ele fez em Zeltweg e Hockenheim – o que ele fez nelas até tem nome, mas em por decoro não vou escrever. Afinal, estamos num tribunal…

Como já disse anteriormente, não me incomodaria se duas ou três pistas fossem de Hermann (Istambul sendo a melhor delas, que fez com que o DRS ficasse over). Mas mais da metade é um disparate, é um absurdo! Ainda mais sabendo que a outra metade que ele não projetou é a que encabeça a preferência dos pilotos e do público – Spa, Suzuka, Interlagos, Monza, Montreal e Monte Carlo. Para todos que defendem a diversidade de ideias, não pode concordar em deixar tudo nas mãos de Tilke. Um dos mais modernos, elogiados e seletivos circuitos mundiais é o do Algarve, Portugal. Ele não apenas sequer é cogitado para o calendário, como também não foi desenhado nas pranchetas da Tilke GmbH…

Tilke nos tribunais é assunto de boteco. Edu, vamos combinar algum neste fim de ano? Como advogado de acusação camarada, eu pago a primeira rodada!

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Um brinde à F1! Criticamos tanto apenas porque amamos muito tudo isso!

Aquele abraço!

Lucas Giavoni

Lucas Giavoni
Lucas Giavoni
Mestre em Comunicação e Cultura, é jornalista e pesquisador acadêmico do esporte a motor. É entusiasta da Era Turbo da F1, da Indy 500 e de Le Mans.

7 Comments

  1. Tabajara Aparecido Jorge disse:

    Lucas, belo texto. Parabéns.
    O que esse Tilke qpr fez com Hockenheim é inadimissível, e já está jogado às traças, pois a F1 nem passou lá nesse ano. Se f… alemães idiotas.

  2. Sandro disse:

    Quando Silverstone teria reformas herr Tilke queria projetar/reformar/estragar a pista…
    mas o presidente da BRDC disse “not!”. Damon, o presidente, Hill por ultimo… :p

    E Tilke é tarado pela “Curva Adelaide” (+ou- uma curva de 45 graus). Eita falta de criatividade!

    E essa regra de usar dois compostos de pneu farofa da Pirelli em treino livre, treino classificatorio e corrida é deveras bizarro…

    A tendencia seja que a F-1 seja assistido por um publico acima dos 40 anos brevemente…

  3. Mauro Santana disse:

    Outro fato!

    Regra mais imbecil esta da obrigação de utilizar dois compostos diferente de pneus nas corridas.

    Deveria ser como era até a implantação do reabastecimento, que cada utilizava o que queria, quando queria, e trocava quando achava que devia trocar.

    A corrida tem que ser definida na pista!!

  4. Mauro Santana disse:

    E digo mais!

    Antigamente, era possível identificar facilmente os pilotos pelas tradicionais pinturas dos capacetes, e também pela numeração dos carros, lembram do Red Five!?

    A pontuação do campeonato de pilotos também era mais fácil de ser acompanhada.

    hoje, com esta pontuação passando dos 200 pontos, é difícil de papear com alguém que saiba de bate pronto como esta a classificação dos pilotos.

    Hoje, a única categoria que me faz esperar com bastante empolgação mensalmente, é a F-Truk, pois ela lembra muito a F1 dos anos 80, com motores turbo, diversidade de marcas, cambio manual, e muita, muita disputa na pista!

    Silverstone original, era fantástico!!!

    Abraço a todos!!!

  5. Fernando Marques disse:

    A meu ver a evolução tecnologica tanto dos carros e quanto das pistas estão tirando a cada dia o glamour da Formula 1 … em relação aos carros são todos parecidos e se distinguindo apenas pelas cores e as novas pistas em respeitos as normas de segurança pateticas e sem graça … alguns circuitos resistem como Silverstone, Montreal, Spa, Suzuka, Interlagos, Imola, Monza … mesmo com muitas alterações mas até quando … a Formula 1 jamais terá o mesmo glamour dos anos 60/70/80 se continuar nesta balada …

    Fernando Marques
    Niterói-RJ

  6. Lucas Giavoni disse:

    Oi Mauro! Obrigado pelos elogios.

    É bem possível que a Tilke GmbH tenha prestado seus serviços de empreitera no Principado também. Não descarto.

    E só depois de publicado o texto percebi que esqueci de mencionar Silverstone como outra pista não-tilkeana bastante divertida. E olha que pré-1991 era mais divertida ainda… Pergunte isso ao Keke com pneus de qualificação…

    Aquele abraço!

  7. Mauro Santana disse:

    Grande Lucas!!!!

    Adoro ler suas colunas, porque temos opiniões muito parecidas, e mais uma vez, concordo 100% contigo!

    E gostaria de acrescentar mais um detalhe:

    Não foi sr. Tilke quem “arredondou” muitas curvas de Mônaco!?

    Tem um ditado que diz, “Nunca coloque todos os ovos numa única cesta!”

    É isso aí!!!!

    Abraço a todos!!

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