Em defesa de Tilke

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Pobre Hermann Tilke! Ele tem apanhado mais do que merece e lá vou eu, que não posso ver uma minoria sofrendo, tentar defendê-lo.

 
Pobre Hermann Tilke! Ele tem apanhado mais do que merece e lá vou eu, que não posso ver uma minoria sofrendo, tentar defendê-lo.

Digo logo que não gosto dos autódromos projetados pelo alemão. Autódromos deveriam ser como as estradas que levam às nossas casas – e ninguém vai pra casa fazendo as curvas que Tilke sua equipe têm desenhado, a não ser que more na disneylândia.

A alegada “falta de emoção”, que seriam próprias das novas pistas, me parece ter mais relações com duas características próprias da Fórmula 1 do que com as artes de Tilke. A primeira característica, tão antiga quanto o automobilismo: os melhores e mais rápidos largam na frente; a segunda, bem mais recente: os carros são cada vez mais confiáveis, entregando todo o desempenho esperado deles e quebrando cada vez menos. Assim, as surpresas nas corridas praticamente acabaram. Quem vocês acham que teria vencido domingo, no Abu Dhabi, caso não tivesse abandonado logo nas primeiras curvas?

Nem quero pensar na hipótese de alterar por alguma penada regulamentar a primeira característica, que vem a ser o mais importante fundamento da Fórmula 1. Um GP começa nos treinos; o mais rápido deve largar na frente e cuidar de permanecer nesta posição, por ser um carro “de outro planeta” (e não estranhe, como comecei a mostrar em minha última coluna, que eles sejam tão comuns na categoria), pela habilidade superior do piloto ou por uma combinação das duas coisas, o que resulta ser o mais comum.

Quanto à segunda característica, ela é reflexo puro da curva de experiência que domina toda e qualquer atividade humana minimamente estruturada. As equipes gastam boa parte dos seus orçamentos e mobilizam talvez um quarto dos seus engenheiros em atividades de controle de qualidade, simulação de desempenho e stress de peças e sistemas dos carros, atividades incipientes uns dez anos atrás e inexistentes há quinze. Os simuladores de que tanto se fala hoje não são apenas sistemas de realidade virtual para treinamento dos pilotos. Pelo contrário, entendo que estes videogames turbinados são a faceta menos importante das simulações.

Nas suas fábricas, as equipes são capazes de repetir, em diferentes equipamentos, o desempenho dos motores, câmbios e suspensões em suas minúcias, pista a pista, curva a curva, prevenindo problemas e maximizando rendimento. A cada nova corrida e temporada, os equipamentos são aprimorados e melhor aproveitados. Sistemas de captação de informações e comunicação online de altíssima velocidade entre os boxes e as sedes das equipes fazem com que os setups dos carros sejam aperfeiçoados até o momento da largada. Imagino que a maioria das equipes tenha engenheiros trabalhando direto por toda a duração do GP, do momento em que os carros vão para a pista, na sexta-feira, até os momentos finais da corrida, nas tardes de domingo, numa jornada de quase 60 horas de trabalho ininterrupta e da qual podemos ter uma pálida ideia por aquele mar de engenheiros com os narizes enfiados em seus computadores durante os GPs.

Isso e doses cavalares de tecnologia resultam em carros inquebráveis. Uma tabulação publicada por AutoSprint mostra que os McLaren abandonaram onze vezes na temporada 2001 por problemas técnicos; em 2011, abandonaram apenas duas. Esta é uma realidade não só das grandes equipes. No Abu Dhabi, Jérôme D´Ambrosio abandonou apenas pela segunda vez no ano por problemas mecânicos.
Há outros fatores importantes a serem levados em conta, ainda, e os enumerei em minha coluna Os fins e os meios, publicada em 19/10/2010. Nenhum deles é responsabilidade direta de Tilke.

Pense nisso antes de atirar o pau nele e conforme-se: os fatores que levam tantos a reclamar da “falta de emoções na Fórmula 1” não podem ser revertidos. Não se desaprende, não se anda pra trás, não se gasta menos.

 

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Felipe Massa, Mark Webber e Lewis Hamilton: quem foi o pior em 2011?

Difícil poupar Felipe Massa da triste honraria, ainda que Mané Webber tenha se esforçado para merecê-la. Compare o desempenho dos três ao de seus companheiros de equipe e se economiza a discussão. Webber se salva facilmente pelas três poles, a frequência habitual aos pódios (em nove GPs) e a inesquecível ultrapassagem sobre Fernando Alonso em Spa.

Quanto a Lewis Hamilton, certamente merece muitas críticas mas – que diabo! – ele ganhou três GPs. No máximo, pode ser acusado pelo desempenho esquizofrênico em oposição ao bom mocismo de Jenson Button. Já Massa mergulhou na mediocridade durante todo o ano e, pior, parece ter se rendido inteiramente a ela e à condição que lhe foi imposta pela presença de Alonso na Ferrari. Duro engolir calado aquela ultrapassagem do espanhol sobre ele no Japão. Claro que a situação é de todo idêntica à de Rubinho em relação a Michael Schumacher mas o brasileirinho ao menos reclamava…

Massa pode remediar sua condição em Interlagos? Só se os anjos do céu se manifestarem, começando por derrubar a corrida de Alonso. Com o espanhol na pista é difícil imaginar Massa na frente.

 

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Por que o desempenho de Alonso e Hamilton, a quem consideramos, todos nós, não muito tempo atrás, pilotos do quilate de um Senna, de um Clark, quem sabe até de um Fangio, caiu tanto nas últimas temporadas.

Seria Sebastien Vettel tão melhor do que eles? E estaria o alemão sujeito à mesma queda de rendimento caso não tenha em mãos carros tão superlativos quanto foram os RBR das duas últimas temporadas e meia?

Provavelmente sim. A confiabilidade dos carros, a curva de experiência dos engenheiros e chefes de equipe no gerenciamento das equipes e respectivos orçamentos e o treinamento aperfeiçoado dos pilotos já naturalmente dotados (vocês viram que a primeira pessoa para quem Vettel dedicou seu bicampeonato foi seu fisioterapeuta?) tornou ainda mais agudo o fato de que é o carro quem comanda o espetáculo na Fórmula 1 contemporânea, assim como é a economia quem determina o sucesso de um político.

Assim, quem quiser ver alguma novidade na temporada 2012, que torça para Adrian Newey errar a mão no novo modelo da RBR. Eu, pessoalmente, acho quase impossível ele errar.

Abraços

Eduardo Correa

P.S.: Anos atrás, nosso leitor Claudio Habara publicou competente texto no GPTotal sobre as exigências da Fia para o projeto de autódromos. Recomendo a leitura!

Eduardo Correa
Eduardo Correa
Jornalista, autor do livro "Fórmula 1, Pela Glória e Pela Pátria", acompanha a categoria desde 1968

6 Comments

  1. Alexandre disse:

    Vejo todos perguntando se Vettel seria melhor que x ou y em carro inferior (sera que é tao inferior mesmo? Olha o Webber, especialista nos sabados…). E se mudarmos o foco? Sera que x ou y teriam feito melhor que Vettel esse ano numa RedBull? Tantas poles (algumas incriveis) seguidas de vitorias?

  2. Lucas R disse:

    Belíssimo texto, Edu.

    Eu já havia parado para pensar que o Tilke segue apenas o que lhe solicitam e ele acaba levado a fama (ou seria má-fama). Mas seria interessante se houvesse mais algum projetista na Fórmula 1 além dele desenhando pistas. Assim ele não precisaria carregar essa responsabilidade sozinho.

    As informações do link indicado são muito esclarecedoras. Elas deveriam ficar em algum local mais visível no site. Aprendi muito com elas. Fiquei até interessado em ler as normas técnicas de homologação de circuitos, isso seu eu encontrá-las em algum lugar e se eu tiver tempo e paciência para ler, pois não devem ser poucas.

  3. Fernando Marques disse:

    Eu acho que o Massa deveria assumir a sua real condição na Ferrari de 2º piloto para assim ter mais tranquilidade para correr …

    Fernando Marques
    Niterói RJ

  4. Mauro Santana disse:

    É isso aí Edu!

    E a respeito dos autódromos, deixo aqui uma pergunta:

    Interlagos precisa do DRS?

    Na minha opinião, Não!

    Nunca precisou, e acho difícil um dia precisar!

    Abraço!

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