Entrevista com Gordon Murray, parte I

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Entrevista com Gordon Murray, parte II
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6 anos atrás, nosso colunista entrevistou Gordon Murray, um dos nomes mais importantes da história da Fórmula 1.

Sempre muito simpático e prestativo, Gordon emprestou 25 minutos* de seu tempo para me conceder essa deliciosa entrevista, na qual relembra os tempos em que trabalhou diretamente com Wilsinho Fittipaldi, José Carlos Pace, Nelson Piquet e Ayrton Senna.

(Márcio Madeira)

Márcio Madeira: Antes de tudo, sr. Gordon, nós gostaríamos de agradecer por sua participação neste projeto. Você é certamente um convidado de honra, não apenas por ser uma lenda do esporte a motor, mas também porque em nada menos do que 41 dessas 99 vitórias obtidas até aqui, pilotos brasileiros estavam guiando carros projetados ou trabalhados por você.

Gordon Murray: Verdade? (Risos)

MM: Sim, é uma estatística impressionante. Você provavelmente é o estrangeiro a dar a maior contribuição individual nessa iminente marca das cem vitórias.

GM: Sim, eu tenho uma longa história com o Brasil, na verdade. Sim, desde os tempos de Wilson (Fittipaldi). Apesar de não ter trabalhado com o Emerson, é claro que também o conheci muito bem, pois corremos muito tempo contra ele nos anos setenta. E é claro, o Wilson guiou para nós no início daquela década (1973).

MM: Sim, e você também estava apenas iniciando sua carreira na Brabham…

GM: É verdade, é verdade. Eu comecei na Brabham em 1970.

MM: Nós gostaríamos muito de ouvir a respeito de suas lembranças sobre aquela época, o trabalho com Wilson, o GP de Mônaco de 73…

GM: Sim. Wilson era… Wilson obviamente tinha uma grande desvantagem física, pois ele era um rapaz muito grande, e em geral os pilotos de corrida menores e mais leves sempre levam alguma vantagem por isso. E Wilson era muito grande, e não muito leve. Mas ele tinha muito talento natural. Você sabe, ele acabou ficando muito à sombra de seu irmão, mas quando tudo ia bem com o carro ele demonstrava ter muito talento natural. Naquele dia em Mônaco tudo simplesmente correu bem, e ele pilotou de maneira soberba. Penso que ele estava andando em terceiro ou algo assim na corrida…

MM: Sim, ele estava justamente em terceiro quando algo no carro se quebrou…

GM: Então… Eu penso que foi algo no sistema de alimentação que se quebrou, pelo que me lembro. O que foi enormemente desapontador, não apenas para ele, mas para toda a equipe. Aquela foi realmente uma corrida muito boa para nós, e para Wilson, para inseri-lo no time. Porque Mônaco é uma das pistas mais difíceis de se andar rápido quando não se tem habilidade natural. É um traçado que traz o potencial do piloto à tona, talvez mais do que qualquer outro circuito no mundo. É um lugar que realmente mostra se o piloto traz alguma habilidade natural. Então aquela corrida nos provou muito cedo que Wilson tinha uma habilidade natural para guiar, e eu também acho que aquilo foi muito bom para a confiança dele. Teria sido uma fantástica colocação no pódio, mas, infelizmente essas coisas acontecem nas corridas. Porém, sob meu ponto de vista, foi uma corrida excelente. Especialmente sob este aspecto de mostrar a todos o potencial do piloto, e dar ao próprio Wilson mais confiança em sua habilidade ao volante.

MM: Sim, por acaso eu estive com ele em Interlagos alguns dias atrás, e de fato ele é mesmo muito alto…

GM: (Muitos risos) Sim. Na verdade nós tivemos um histórico de pilotos altos no início dos anos 70. Nós também tivemos Carlos Reutemann, da Argentina, e Carlos é um homem bastante grande também. Então nós tivemos Tim Schenken, e ele era bem alto. John Watson não era pequeno, e outro problemático que nós também tivemos foi (Hans) Stuck, que na verdade devia medir algo como 1,90m (risos). Então nós tivemos um histórico de pilotos grandes, mas a coisa realmente boa nisso tudo era que eu podia me sentar nos carros, porque eu tenho 1,92m ou 1,93m. Então naquela época eu podia me sentar nos carros, e testar meus próprios carros – algo que eu fazia. Eu pilotei todos os meus primeiros carros na Fórmula 1.

Mas então eu penso que em 1978 nós tivemos pilotos menores, e eu fiz monocoques mais curtos, cerca de 7 cm, e aí eu já não conseguia mais me sentar nos carros. Então Wilson era um rapaz muito grande, mas que tinha muita habilidade natural. E aquela foi, com certeza, sua melhor corrida sob o ponto de vista da habilidade, aquela prova em Mônaco. Mas ele teve diversas outras boas atuações além daquela.

MM: É muito interessante ouvir essas palavras vindas de alguém como você, porque muitos fãs mais jovens no Brasil não têm essa dimensão do quão bom ele era. Mas enfim, a partir de 1974 você começou a trabalhar com (José) Carlos Pace…

GM: Sim…

MM: Divida conosco, por favor, um pouco de suas lembranças desse período em que você trabalhou com Carlos…

GM: Carlos era realmente uma pessoa muito amável. Ao longo de minha carreira eu sempre curti muito a personalidade dos pilotos com os quais trabalhei, indo além dos compromissos de equipe e do ponto de vista da pilotagem em si. E Carlos não foi exceção. Carlos era realmente uma pessoa adorável. Muito sério a respeito de sua pilotagem. E eu muito genuinamente penso, e posso afirmar que Bernie Ecclestone também pensava naquele momento, que ele tinha a habilidade necessária para ser campeão mundial. Nós realmente pensávamos isso.

Infelizmente, para Carlos, nós fizemos uma mudança muito ruim logo assim que ele chegou. Porque primeiro ele guiou o BT44, que era um carro muito rápido – e ele era muito rápido com aquele carro. Mas então todos estavam querendo correr com motores de 12 cilindros, porque a Ferrari vinha sendo muito competitiva com eles. E nós, infelizmente, chegamos a um acordo com a Alfa Romeo, e o motor deles era muito pesado, pouco competitivo, além de consumir muito combustível. Então, no início das corridas, nosso carro era muito mais pesado do que todos os outros, e o motor era terrivelmente traiçoeiro, pouco confiável. O sistema de injeção de combustível era terrível. Então o pobre Carlos se juntou ao time num momento de alta, mas quando no final de 1975 e início de 1976 nós passamos a utilizar o ‘boxer’ 12 cilindros da Alfa eu tive que desenhar um novo carro para isso. E o carro era terrivelmente pouco competitivo devido a este alto consumo por parte do motor, e nós tivemos muitos, muitos problemas tentando fazer o motor funcionar corretamente. Carlos costumava ficar… Por ser tão competitivo, eu penso que ele ficava muito frustrado quando as coisas não iam bem com o motor. E foi uma pena mesmo, pois eu acho que após desempenhos tão bons em 1975, ele poderia ter vencido muitas corridas em 76. Mas tanto Bernie quanto eu sempre pensamos que Carlos poderia ser um campeão mundial. Eu tenho uma história engraçada em relação ao Carlos, porque eu me casei em… 1970, eu acho…

MM: Você deveria se lembrar disso! (risos)

GM: Pois é, eu consigo me lembrar de meus carros, mas não de meu casamento. E eu tinha planejado passar minha lua de mel no Oeste da Inglaterra. Então, logo que nós íamos viajar eu vi que haveria uma corrida de Fórmula 3 em Truxton. E eu tinha ouvido falar sobre Carlos. Eu já tinha ouvido sobre este novo jovem brasileiro, e ele estaria disputando a corrida de Formula 3 em Truxton. Eu queria muito vê-lo pilotando, então nós fomos de carro ao oeste do país no primeiro dia da lua de mel, e quando chegou o segundo dia eu perguntei a minha esposa se ela gostaria de visitar Stonehenge, que é bem ao lado de Truxton. Ela disse que na verdade não queria, mas, ok, concordou em ir. E nós dirigimos a toda velocidade para Stonehenge, ficamos lá por meia hora, e rumamos para Truxton, para ver Carlos correndo de Fórmula 3. Então, essa foi minha lua de mel… (risos). Aquele foi meu primeiro contato com Carlos, e a partir de então Bernie e eu o observamos muito atentamente. E sempre concordamos que ele tinha muito talento, e honestamente pensávamos que se ele não tivesse falecido num acidente de avião, teria todas as condições para vir a se tornar campeão mundial. Vencer a primeira corrida no Brasil foi fenomenal. Nós todos descemos para… onde foi mesmo? Um lugar chamado… era perto do mar… onde Carlos tinha um barco…

MM: Guarujá… Santos?

GM: Guarujá! Guarujá. Era isso, sim. Então nós todos fomos para lá, houve uma grande festa após a corrida, e mesmo no dia seguinte ele ainda não conseguia acreditar que tinha vencido a prova (risos). Então são lembranças muito boas. E uma coisa muito boa a respeito de Carlos era que a equipe realmente o amava, sabe? Ele era muito bom enquanto membro da equipe.

MM: Deve ter sido um momento muito chocante quando vocês souberam do falecimento dele…

GM: Sim… É uma daquelas coisas que você não acredita… Mas ele tinha realmente um grande potencial, de verdade.

MM: Bom, sobre aquela corrida em 1975, você sabe que ela foi a única vitória de Pace na Fórmula 1, e foi também a primeira dobradinha brasileira na categoria, pois Emerson foi o segundo naquela prova. Então veja como você está profundamente ligado á história de nossos esportes a motor.

GM: Sim (risos). Você sabe mais sobre esses detalhes do que eu (risos).

Confira clicando aqui parte final dessa entrevista.

*Coluna publicada originalmente em 12 de agosto de 2009.

Márcio Madeira
Márcio Madeira
Jornalista, nasceu no exato momento em que Nelson Piquet entrava pela primeira vez em um F-1. Sempre foi um apaixonado por carros e corridas.

4 Comments

  1. Luciano disse:

    Na ultima foto é descrita a parceria dele com Piquet mas, ao que parece, o piloto da foto é o Patrese, o qual era, se não me engano, companheiro do Piquet na Brabham não?

  2. Fernando Marques disse:

    Pelas palavras do GM fica claro a admiração dele pelos pilotos brasileiros …

    Fernando Marques
    Niterói RJ

  3. Robinson Araujo disse:

    Colegas do GPto

    Excelente poder rememorar esta entrevista. Grande Murray e maior ainda o seu encontro com Piquet, uma grande sintonia!

    Aproveitando, a última imagem é creditada a Murray e Piquet, porém pelo capacete reconheci o Patrese.

    Boa semana aos colegas!

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