Os dias passam e vai se tornando mais preciso o diagnóstico das manifestações que estão incendiando o Brasil, a Turquia e o resto do mundo: elas refletem um saco cheio geral contra a falsidade, as más intenções, a corrupção, os desmandos e a incompetência criminosa – perdoem se esqueci de alguma coisa – da classe política, não importa se “de direita” ou “de esquerda”.
Os protestos refletem também a revolta contra o argentarismo indecente, abjeto e acima de qualquer controle dos capitalistas, que parecem querer sugar todo o sangue de trabalhadores e consumidores, levando no embrulho os recursos do planeta, como se tudo fosse acabar amanhã e eles pudessem levar para o raio que os parta o produto do butim.
Não se deve esquecer ainda da percepção, rotineiramente confirmada pelos fatos, de podridão incrustada nas instâncias religiosas, sindicais, educacionais e associativas em geral. A revolta popular se dirige, enfim, contra tudo o que envolva dinheiro e poder pois se entende que deixaram de lado todo e qualquer escrúpulo moral, todo e qualquer freio ético.
Na essência dos protestos, há um descrédito, uma náusea, uma repulsa ao intermediador tradicional, velho, esclerosado, cínico – o político, o padre, o chefão – que manda e desmanda sem medidas, propósitos e respeito pela sociedade, visando apenas o interesse próprio e imediato e o resto que se dane.
O processo é cumulativo. Ninguém, salvo se estiver num hospital público, morre por ler no jornal notícias de abuso com o dinheiro público – por mais frequentes que elas sejam -, ou de deboche do patrão ou “autoridade” no trato do trabalhador/consumidor.
Mas o saco vai enchendo, enchendo, até que um dia, mesmo que por um motivo aparentemente pequeno, 20 centavos, por exemplo, o bicho pega. E aí vemos essas manifestações difusas, bem intuídas pelos jovens, inacreditáveis aos olhos dos mais velhos e conservadores.
Junto, vêm os excessos inevitáveis, a violência, o vandalismo, as depredações. Claro que devem ser reprovadas e submetidas às instâncias da lei mas que não se negue aos violentos o direito de dizerem: não fomos nós que começamos!
Nós, esportistas, não temos o direito de estranhar essa situação. Afinal, estamos cansados de vê-la nesse microcosmo da vida, que é o esporte.
O que mais faz a Fifa se não espezinhar e debochar dos interesses do amante/consumidor do futebol, com a finalidade última de trazer uma avalanche de dinheiro para o bolso destes palhaços sinistros, Blatter, Valcke & Cia?
O que mais tem feito Bernie Ecclestone há zilhões de anos não só com a Fórmula 1 mas com todo o automobilismo, apenas para manter a prática odiosa das vendas e lucros crescentes no interesse de nem se sabe direito quem, já que ele jura sobre o cadáver da mãe que não é mais o dono da Fórmula 1?
Romper essa ordem de coisas é difícil. Há leis, há contratos, há Dilmas, Alckmins, Bernies e Blatters. Eles se institucionalizaram no poder graças a eleições ou contratos. É irresponsabilidade destruir contratos e crime violentar as leis. Pode parecer tentador mas é o caminho errado e nem vale a pena perder muito tempo discutindo essa alternativa.
O caminho certo, no momento, é o mesmo do de maio de 68: exigir o impossível. Afinal, não fomos nos que começamos tudo isso.
Neste final de semana tem Le Mans!
À salvo da cobiça gigantesca de Bernie, graças à antológica teimosia dos franceses do Automobile Club de L´Ouest – a mesma que movia Asterix -, o antigo fascínio do Mundial de Marcas sobrevive, mantendo as aparências de antigamente.
Veremos um novo round da briga entre Audi e Toyota, a Porsche se aprontando para entrar na disputa, e todo aquele mar de carros GT colorindo a pista, por 24 horas.
Nem tudo está perdido.
Eduardo Correa
12 Comments
Edu e amigos
sim eu gostaria de começar pelo impossível, mas vou sugerir que comecemos pelo mais simples, coisas mais simples,pensar em causa e efeito é uma, talvez tenhamos um efeito a longo prazo maior e melhor ,o que estejamos vendo diante de nossos olhos seja um efeito, ou a soma de vários efeitos, pergunto paramos para pensar na causa, ou nas causas? essa semana já vamos em vários dias que o Brasil inteiro pede para que algo mude, estou junto, afinal também estou e saco cheio por tantas mazelas que recebemos a tanto tempo, mas o ponto a quero chegar tem haver com algumas observações que tenho feito do cotidiano esses dias, o efeito ao menos para mim tem sido de muita reflexão , numa dessas reflexões estou numa fila de supermercado, dessas filas únicas, de repente um caixa abre e uma moça se movimenta mais rápido e passa na frente de algumas pessoas, coisa normal dizem alguns ela aproveitou a oportunidade dizem outros, eu penso comigo ,se atos como “furar” uma fila são considerados normais, talvez esteja aí uma raiz das causas que menciono, mas nem tudo se resume a uma simples observação vão dizer alguns, é muito pouco ,continuando meu cotidiano percebo que o ato de furar fila e passar na frente está muito mais presente que imagino, aliás no trânsito isso é quase regra, não vou me estender muito, falar de fura fila é muito obvio e sinceramente tem tanta gente reclamando, falando, discursando inflamada, mas que na hora “H” não deixam de levar vantagem em pequenas coisas sob o pretexto que não é nada demais, amigos por menor que seja esse ato enquanto existir fura filas vai ser difícil mudar algo nesse país
boa semana a todos
Mário
Os governantes resolveram abaixar os preços das tarifas dos onibus … pensem bem … muito mais fácil e tranquilo do que resolver os problemas da saúde, da educação e da segurança … bela demagogia …
fernando Marques
Sim, Fernando. Nos próximos dias saberemos se os 20 centavos são o suficiente para amansar o povo.
Por outro lado, não podemos esquecer que enquanto o planeta continuar refém dos “donos do mundo”, não haverá grandes mudanças.
Abraço
Edu belo texto. Você resumiu muito bem o motivo da revolta: todos cansados de serem explorados pelos “donos do mundo”. Quanto ao melhor caminho, podem existir varios. Mas se devemos exigir o impossível, segue minha sugestão.
http://www.thevenusproject.com/
Dos mais simples e diretos textos que li nos último dias. Formidável!
Edu,
Texto show de bola, e que vai de encontro ao meu pensamento: “a falsidade, as más intenções, a corrupção, os desmandos e a incompetência criminosa da classe política, não importa se ‘de direita’ ou ‘de esquerda’”.
Eduardo,
a sua coluna está perfeita … sintetiza todo meu sentimento e revolta com a nossa gestão publica … e infelizmente os caminhos tomados pelo esporte em geral … o capitalismo tem seu lado bom e seu lado ruim …
A unica coisa que eu lamento nestas manifestações é o fato de haver partidos politicos escondidos por traz do povo nesta horas … infelizmente eles que por ventura hoje possam não estar no poder , fingem nestas horas que com eles será tudo diferente e na verdade nunca vai ser … se aproveitam desta situação …
Com relação a Le Mans, fica aqui a minha torcida por um bom resultado do Lucas di Grassi
Fernando Marques
Niterói RJ
Obrigado pelas palavras, Fernando
E valeu a lembrança do di Grassi. Ele vai dividir um Audi com Marc Gene e Olivier Jarvis. Tem chances reais de vitória, assim como Bruno Senna, que divide um Aston Martin com Frédéric Makowiecki e Robert Bell.
A formação do grid será disputada amanhã, dia 20, entre 14h e 16h, horário de Brasília.
Abração
Edu
Uma pergunta:
Robert Bell é filho da lenda Derek Bell?
Abraço!
Olá Fernando, com certeza aparecerão aqueles que tentarão se aproveitar da situação para benefício próprio.
No mais, ainda estou tentando descobrir qual o lado bom do capitalismo.
Abraços
Bela coluna amigo Edu!
E vamo que vamo!
Abraço!
Mauro Santana
Curitiba-PR
Lembrando que a edição de 1968 das 24 Horas de Le Mans precisou ser adiada para setembro: os franceses e todo o mundo estavam muito ocupados em Maio…