Fora Scheckter!!!

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Estamos em 14 de julho de 1973. O local é o autódromo de Silverstone, num domingo nublado e com o céu ameaçador. Em instantes, o GP da Grã-Bretanha terá uma nova largada, depois da primeira ter sido abortada por um acidente de grandes proporções. Num canto dos boxes, um piloto estava sentado e isolado, ninguém estava falando com ele. Na verdade, ele estava acuado e muito provavelmente com medo.

Na primeira largada abortada, a Lotus de Ronnie Peterson estava na pole com duas McLarens ao seu lado compondo a primeira fila, com os pilotos Dennis Hulme e Peter Revson.

A McLaren havia inscrito três carros para essa corrida. No terceiro estava o sul-africano Jody Scheckter. Ele pulou muito bem e na metade da volta estava em quinto lugar, atrás do colega Hulme.

Ao chegar à rapidíssima curva Woodcote, Hulme percebe que a McLaren de Scheckter cresceu muito rapidamente em seus retrovisores, e faz imediatamente faz sinal para que o sul africano o ultrapasse.

Com o excesso de velocidade, Scheckter resolve passar por fora e alarga demais a trajetória: ele coloca duas rodas na grama e perde o controle do carro. A rodada é espetacular e ele para na parte interna da pista, batendo sem maior gravidade nos muros dos boxes.

Até aí estava tudo bem. Mas como era começo de corrida, uma horda de pilotos surge ao mesmo tempo para passar por aquele carro atravessado na pista. Boa coisa não ia dar. E não deu.

Nesse gargalo, competidores se tocam e na confusão nove carros batem, com vários graus de destruição, causando um grande tumulto bem em frente das duas principais arquibancadas do circuito.

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httpv://youtu.be/7R_XId0YabQ

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Era a primeira vez que um acidente de dimensões tão plásticas acontecia na Fórmula 1. Apesar do tumulto gerado, nada de mais grave aconteceu. O maior prejudicado foi o piloto Andrea de Adamich, que ficou preso em sua Brabham por cerca de 40 minutos e quebrou os tornozelos.

Quem também lamentava bastante era John Surtees, cujos três carros da equipe foram envolvidos na carambola e ficaram destruídos. Tudo o que John repetia a todos era “Esse maluco desse Scheckter destruiu minha equipe”.

Scheckter, por sua vez, estava de volta aos boxes da McLaren. Havia para ele um carro reserva disponível para ser usado nessa nova largada, mas o chefe Teddy Mayer, ao perceber a atmosfera bastante carregada, simplesmente impede Scheckter de largar novamente.

Aquele piloto, isolado num canto dos boxes da cinzenta Silverstone, ganhava a fama de troglodita e temerário.

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No início da carreira, de fato, tudo levava a crer que Jody Scheckter dificilmente alcançaria algum sucesso no automobilismo. Os observadores já notavam o modo rude e truculento que ele adotava nas pistas.

Nascido em East London, em 1950, sendo ele filho de um mecânico, Jody logo estava naturalmente apaixonado por carros. Com a chegada de seus 18 anos, ele começa a dirigir um Gordini R8 nas ligas locais na África do Sul. Em sua primeira corrida, ele foi desclassificado por conduta antiesportiva.

Mas aos poucos ele vai alternando corridas desastrosas com vitórias arrebatadoras e acaba campeão de Fórmula Ford. Este título lhe garante uma bolsa para competir na Europa, e ele decide ir ao local mais efervescente da época, a Inglaterra.

Em 1971, Scheckter desembarcou na Inglaterra, sozinho, com uma carreira para construir. Sua ascensão, porém, foi meteórica. Nesse mesmo ano, ele compete simultaneamente na Fórmula Ford e Fórmula 3, com o mesmo bom sucesso.

Em 1972, Teddy Mayer, chefe da McLaren, lhe oferece um Fórmula 2. Ele volta ao velho estilo e começa a alternar batidas com vitórias.

Quem acaba percebendo naquele sul africano uma pedra bruta a ser lapidada é Colin Chapman, que oferece a ele a chance de correr na F1 para Lotus em 1973.

Scheckter hesita e não dá resposta imediata. Afinal, quem havia concedido a ele uma chance era Teddy Mayer, que para manter o seu jovem prodígio, cobre a proposta de Chapman e dá a ele um carro para que ele faça sua estreia na F1 no último GP da temporada 1972, o GP dos EUA em Watkins Glen.

Em 1973, Jody resolve concorrer no campeonato de Fórmula 5000 disputado nos EUA, concorrendo com um carro da equipe Trojan, enquanto que a McLaren assegura-lhe um terceiro carro para disputar cinco corridas de F1.

Na F-5000, Jody vence com facilidade quatro provas em nove disputadas no campeonato e se sagra campeão. Na F1, por sua vez, ele é inscrito no GP caseiro, na África do Sul, em Kyalami, e novamente é notado em sua participação.

Conseguindo um terceiro lugar no grid de largada, ele pula para segundo na arrancada e acompanha de perto o companheiro e líder Denny Hulme, que estreava o novo modelo da equipe, o M23.

Mesmo com o velho modelo M19, Jody conseguia um bom ritmo, e após uma entrada do colega aos boxes para trocar um pneu furado, assume provisoriamente a liderança da prova. Com uma ultrapassagem controversa, supostamente em bandeira amarela, Jackie Stewart supera o sul africano e vence a prova com a Tyrrell azul.

Jody ainda lutaria pelo pódio com os companheiros Hulme e Revson, mas acabaria abandonando a prova a duas voltas do fim com o motor quebrado, para tristeza da torcida local.

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Scheckter só retorna no GP da França, que em 1973 é disputada no circuito de Paul Ricard, e ganha uma McLaren M23 novinha em folha para correr. Na classificação, ele crava o segundo tempo, larga muito bem e assume a liderança desde o início.

Ele segue firme na liderança. Primeiro Stewart, depois Peterson, tentaram arduamente ganhar a liderança, sem sucesso. Na sequência, foi a vez de Emerson ficar em segundo e tentar passar.

O campeão do mundo apresentava bom ritmo, estava determinado e na volta 42, na curva que precede a reta dos boxes, mergulha sua Lotus por dentro para tentar a ultrapassagem. Scheckter já estava comprometido em sua trajetória e a colisão é inevitável.

Ambos acabam abandonando, para a fúria de Fittipaldi, que imediatamente acusa o piloto da McLaren de ter causado o acidente, mesmo que tenha sido de forma bastante injusta. A culpa da batida era toda de Emerson, que buscou uma brecha impossível, mas ninguém ia contestar o campeão e acreditar na versão do piloto novato.

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httpv://youtu.be/BbKkBvBJTU0?t=1h29m59s

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Foi com esse histórico que Jody foi para Silverstone, onde provocaria o até então maior engavetamento da história da F1. Dessa vez, porém, além de Emerson, mais pilotos e chefes de equipe passam a acusar o sul-africano. A Fórmula 1 em peso havia encontrado um responsável pelo acidente.

Com a já mencionada nova largada, sem Scheckter, a prova segue normalmente e quem vence é seu colega de McLaren, o americano Peter Revson. Hulme também consegue um bom resultado ao fechar a prova em terceiro, e equipe, em festa com seus dois pilotos no pódio, simplesmente esquece Scheckter num canto qualquer dos boxes.

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Após esse caótico GP na Inglaterra, o jovem piloto não vai reaparecer em uma corrida de F1 antes do GP do Canadá, no fim de setembro. Na corrida anterior, na Itália, Jackie Stewart havia conquistado o título de pilotos e agora se esforçava para superar a Lotus no campeonato de construtores.

A meta do time de Ken Tyrrell agora era fazer François Cevert fechar o campeonato em segundo, em dobradinha. Até então, o francês tinha 47 pontos, apenas 1 a menos que Emerson e com 4 de folga contra Peterson.

Jody se classifica na terceira posição. Mas a corrida em Mosport Park é disputada sob chuva. Ele está lutando por um lugar no pódio quando bate com François Cevert. O piloto da Tyrrell sai da prova furioso: “Esse cara é um perigo público. Devemos proibi-lo de correr”. Sobre esse período, vale a leitura sobre o centésimo GP de Stewart

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O clima de “Fora Scheckter” estava estabelecido e poucas pessoas apostariam na permanência dele na Fórmula 1 após essa corrida. Mas uma reviravolta ia ocorrer, é o que vamos contar na próxima coluna.

Abraços,

Mário

Mário Salustiano
Mário Salustiano
Entusiasta de automobilismo desde 1972, possui especial interesse pelas histórias pessoais e como os pilotos desenvolvem suas carreiras. Gosta de paralelos entre a F1 e o cotidiano.

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