Infantil inocência

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Como uma criança em busca do tesouro, estamos "em busca da F1 perdida".

Segundo uma antiga fábula da India, Rakesh era um garotinho que morava numa zona rural no interior do país. Certo dia, após passar toda a tarde brincando, Rakesh volta para casa e sua mãe lhe diz que tinha que sair e que só voltaria à noite. Porém, antes de partir, a mãe lhe dá uma moeda de 50 centavos com a encomenda de ir à cidade para comprar um par de velas, pois já não tinham nenhuma.

O menino, cumprindo o que lhe havia dito a mãe, vai à cidade próxima e na venda local compra as velas, a um custo de 15 centavos cada uma. Rakesh entrega ao comerciante a moeda de 50 centavos e, com as velas, recebe como troco uma moeda de 20 centavos, que guarda no bolso com as velas. Rakesh chega em casa quando já estava anoitecendo e ao tirar as velas do bolso para deixá-las na mesa, a moeda sai junto e cai no chão.

Devido à escuridão, Rakesh não consegue enxergar onde a moeda havia caído e acende uma das velas para ver se a encontra, antes que sua mãe regresse. O menino procura e procura mas a moeda não aparecia. Então, e quase sem perceber o passo do tempo, a vela se consome. Rakesh, já nervoso, acende a outra vela e continua sua desesperada busca até que, quase com a segunda vela também já consumida, a maldita moeda finalmente aparece num canto da sala, o que deixa o menino muito aliviado.

Após o recente GP da Austrália, a persistente perda de audiência na TV que a formula 1 vem sofrendo, novamente foi motivo de comentários e de debates entre os aficionados e, imagino, que de preocupação entre seus dirigentes. Em apenas 6 anos, a categoria perdeu 30% dos telespectadores que tinha e, recentemente, foi anunciado que o GP da Alemanha sai do calendário pois os organizadores, tanto de Hockenhein quanto de Nurburgring, temiam que a afluência de público não fosse suficiente para cobrir as despesas.

O motivo apontado para essa perda de interesse na formula 1 por parte do público é o domínio da Mercedes agora e, antes, o da Red Bull. Na Alemanha, a partir do terceiro titulo de Vettel, o interesse começou a decair e, sem um alemão na disputa do tal titulo, o declive é ainda maior. O mesmo já acontece aqui na Espanha onde, a partir do ano que vem, as corridas deixarão de ser retransmitidas na TV em aberto pois as audiências já são mais baixas do que eram nos bons tempos de Alonso.

O curioso é que períodos de domínio não foram problema em outros esportes. Muito pelo contrário, representaram tempos de esplendor. Vejam o caso do boxe com o domínio de Muhamad Ali, que levou o boxe a seus níveis mais altos de popularidade. O tênis se converteu num esporte seguido pelas massas justo a partir dos domínios consecutivos de Bjorn Borg e, depois, de John McEnroe.

Inclusive, um dos melhores períodos da Fórmula 1, lá pelos anos 80, registrou os domínios da McLaren e da Williams. Porém, a expansão da F1 trouxe um grande aumento das audiências, que a converteram numa plataforma publicitária de primeira magnitude e todos os envolvidos no negócio, sejam montadoras ou patrocinadores de todo tipo, buscam apenas expor seus produtos ou marcas da melhor forma possível. Para isso… nada melhor que uma vitória!

Hoje, os verdadeiros aficionados como os que aqui nos reunimos, contamos pouco. Os que nos levantávamos de madrugada para assistir os GPs do Japão ou Austrália. Aqueles que sabemos todos os campeões de cor e salteado e que éramos apaixonados, ou ainda somos, pela formula 1 somos já uma minoria. Hoje, aqueles que apenas assistem os GPs devido a que um compatriota seu está ganhando ou de países que se incorporam à formula 1, ainda sem conhecimento ou lembranças do que a formula 1 foi, são o verdadeiro objetivo buscado pois, nós já somos “viciados” em Fórmula 1, mas não somos suficientes.

Me atreveria até a dizer que somos como o marido enganado que, apesar de ser consciente do engano, continua loucamente apaixonado pela sua mulher e a seus pés. Diria até que somos uma espécie de “cornos” da Fórmula 1. Nesse contexto propagandístico, a formula 1 se nos vem apresentando como o pináculo da tecnologia e origem de novos itens que depois passam a ser de uso cotidiano em nossos carros, numa tentativa de dotar a categoria de certo atrativo.

Porém, por interessante que a tecnologia possa ser em certo momento, não é suficiente para compensar a falta de emoção na pista. O exemplo claro disso é a China que, após ser a responsável pelo grande aumento da audiência nos últimos anos, agora, também, é a responsável por sua grande queda, confirmando aquele velho ditado popular que diz: “Aquilo que atrai, raramente é aquilo que apaixona“.

Isto é certo no amor e parece que também na Fórmula 1! Ainda por cima, as tão badaladas “novas” tecnologias introduzidas nestes últimos anos, além de não serem novas, nem foram desenvolvidas no seio da formula 1. Tomemos como exemplo os sistemas de recuperação de energia cinética, apresentados como uma grande inovação, mas que foram desenvolvidos no principio do século passado pela indústria ferroviária. Ou os motores híbridos, introduzidos na passada temporada, que são ainda mais antigos.

Contudo, se continua a insistir em apresentar a formula 1 como origem de inovações e uma espécie de “paladino verde” protetor do meio ambiente, algo ridículo se pensamos que só um dos jumbo que transportam o equipamento das escuderias de um lado ao outro do mundo, num voo de umas dez horas, precisa mais combustível que todo o que se consome durante uma temporada completa por todas as equipes juntas!

Claire Williams até disse que: “Acredito que desde uma perspectiva meio-ambiental, este é o caminho a seguir”! Porém, me pergunto se teria dito o mesmo caso não estivesse equipando o motor Mercedes. Também há os que aproveitam a situação para insistir na necessidade de um limite nos orçamentos das equipes. Porém, esquecem que a implantação dos novos motores turbo, fez que os fabricantes começassem desde zero. Portanto, tenho certeza de que todos gastaram tudo o que estimaram necessário para construir o melhor motor possível.

No entanto, o motor Mercedes emergiu como o melhor, portanto o tal limite nos orçamentos não teria garantido que todos tivessem construído motores similares. De fato, lhes teria impedido tratar de compensar essa desvantagem. Precisamente, esse mesmo é o efeito que provoca o congelamento no desenvolvimento dos motores que, deste modo, se converteu numa espécie de limite no orçamento. Esse é o resultado de estabelecer limites! Assim, sob interesses de todo tipo, menos os esportivos, a Fórmula 1 corre o risco de se converter numa espécie de “galinha dos ovos de ouro”.

Christian Horner, chefe da Red Bull, é um dos que se queixa do domínio da Mercedes e inclusive ameaça com abandonar a categoria se o domínio continua. Justo ele que, imagino, estava muito contente com o domínio da Red Bull nos 4 anos anteriores. Para as montadoras e patrocinadores o único que importa é a exposição de suas marcas, e a formula 1 é apenas um instrumento para isso. No fim, é melhor se apresentar ganhando perante 500 milhões de espectadores do que perdendo perante 700 milhoes.

Um bom exemplo disso é o da BMW (também a Toyota ou a Honda) que, justo no período de máxima audiência da formula 1, se retirou da categoria alegando que esta havia ficado muito cara, embora seu orçamento para publicidade era 7 ou 8 vezes maior do que lhe custava a equipe de formula 1, enquanto que a Honda, esse mesmo ano, gastou mais de 1,2 bilhões de dólares em publicidade em todo o mundo, e a Toyota quase 1 bilhão só nos EE.UU. em 2010.

Isso deixa claro que o problema não era questão de dinheiro, mas da má imagem que apresentavam ao mundo. Portanto, será difícil convencer alguém que está ganhando (e conseguindo a máxima exposição de seu produto) de que deixe de fazê-lo em prol do espetáculo e do futuro da categoria, quando o que ele quer é vender seus produtos durante o tempo de seu envolvimento no atividade em questão.

Promulgar regulamentos que, de um modo ou outro, lhe privem de vencer, apesar de merecer a vitória, seria não apenas injusto mas também contraproducente, pois poderia dissuadir outros possíveis interessados em se aventurar na formula 1. Entretanto, todas as medidas que vem sendo tomadas, os regulamentos que vem sendo promulgados e os GPs que vem sendo incorporados ao campeonato, tem como único objetivo aumentar o nível de exposição do produto. Paradoxalmente, o meio que serve para essa exposição e com o que se deveriam conseguir novos seguidores (as corridas), vai se deteriorando no processo.

Assim, o espetáculo parece cada vez menos cativante. O que fica gravado na memória dos aficionados são as disputas na pista, como as de Senna e Mansell na Espanha em 1986 ou em Monte Carlo em 1992. Lutas como as de Arnoux e Villeneuve em Dijon em 1979, ou ultrapassagens como as de Piquet a Senna na Hungria em 1986. Também as histórias como a contada por nosso amigo Mario sobre a atitude do grande Graham Hill. Tudo isso é o que resultava cativante e que, finalmente, apaixonava o espectador e o tornava um fiel seguidor.

Contudo, a FIA insiste em implantar todo tipo de artificialismos como o KERS, o DRS, o Safety Car, etc. tentando dotar as corridas de uma emoção que já não surge de forma natural, em boa medida como consequência de um regulamento cada vez mais constrangedor. Rakesh, em seu desespero por encontrar a maldita moeda, perdeu por completo a perspectiva da situação e acabou consumindo duas velas por valor de 30 centavos para recuperar uma moeda de apenas 20 centavos.

Com esse mesmo desespero por recuperar as audiências que se foram, a FIA também parece haver perdido toda a perspectiva da situação e continua insistindo em “acender uma vela após outra” por muito caras que estas sejam e o pouco resultado que produzem. Pelo menos… a Rakesh se lhe podia desculpar pois era apenas vitima de sua infantil inocência!

Um abraço e até a próxima.

Manuel Blanco
Manuel Blanco
Desenhista/Projetista, acompanha a formula 1 desde os tempos de Fittipaldi É um saudoso da categoria em seus anos 70 e 80. Atualmente mora em Valência (ESP)

5 Comments

  1. Allan Guimaraes disse:

    Vou discordar de você e de tantos outros, Manoel – com a vênia que necessária se faz. Discordo inicialmente da comparação feita entre a F1 e um marido enganado. Ao meu ver, aos mais velhos (nós…) a F1 simplesmente perdeu a paixão outrora dos tempos de namoro. É bem verdade que a F1 não soube envelhecer bem, mas muito disso se deu porque deixou de lado justamente o que chamava mais a atenção – os carros e circuitos inseguros, os frágeis pilotos (em seus preparos físicos e mentais) e equipamentos. A esposa deixou as roupas sensuais de lado, virou dona-de-casa, não há mais risco de se perdê-la… Mas há que se considerar uma evolução “natural”, eis que hoje temos exatamente o que se pediu nos anos passados – circuitos mais seguros (sem curvas velozes, amplas áreas de escapes, asfaltos sem ondulações), bem como os carros, que por sua vez não quebram como outrora. Passei esta semana vendo 2 corridas – Paul Ricard 1980 e Zolder 1981 – e analisando ainda os campeonatos em questão, é possível dizer que bastaria os pilotos terem os preparos de hoje e os carros a quase inquebralidade para que muitas corridas daquela era de outro fossem tão monótonas quanto. Veja Zolder: Venceu Reutmann, o pole, contudo quem pulou na frente foi Pironi, com seu motor diferenciado (turbo), contudo o mesmo segurou por várias voltas um comboio. O argentino, por sua vez, foi ultrapassado por Jones e Piquet (vendo as 2 corridas, inclusive, conclui o quanto Piquet era “Jones” na pegada!). Estes dois passaram Pironi, mas quase em sequencia, quando abriam frente, erraram e bateram. Pironi perdeu rendimento e a corrida caiu no colo do Carlos. Hoje piloto não erra mais como antes, não há essa diferença de rendimentos e os circuitos também não propiciam esses erros (salvo Monza, Suzuka, Interlagos, Spa e… Chuva!). Enfim, como há tempos veio pedindo, a F1 precisa voltar a ser insegura para propiciar mais emoção, nem que a insegurança seja, digamos, “pra inglês ver”. Por outro lado, nem toda corrida tinha emoção. Se um “veloz” de outrora acertasse a mão (Gilles, Jones, Piquet, Senna, Prost, Mansell), dificilmente seriam alcançados. A diferença é que o carro vencedor numa prova possivelmente não iria bem em outra, dependendo do que se era exigido (velocidade em reta ou em curvas, aí de raios longos, médios, curtos, etc). Hoje, com túneis de vento, acabou, é tudo muito parecido. Enfim, desculpe-me o desabafo, perdi as esperanças, porque tudo é muito seguro, então não há aquele risco que produzia a necessária chama de paixão.

  2. Mauro Santana disse:

    Grande coluna Manuel!!

    Acrescento também a quantidade de pneus que a F1 utiliza, o que é praticamente um tapa na cara do meio ambiente.

    A maioria das pessoas com quem convivo, e que gostavam de F1, à tempos não perdem mais tempo assistindo as corridas.

    E pior, me acham um doido por eu estar perdendo o meu tempo assistindo a F1.

    Triste isso.

    Agora, para qualquer amante da F1, quando se pergunta o que eles acham se os carros voltassem a usar um cambio manual, ou, liberdade para os pilotos querem ou não trocarem os pneus, ou, a volta das tradicionais pistas europeias, ou, a volta de pneus mais largos, e outras coisas mais, a maioria esmagadora é favorável, pois sabem que isso era F1.

    Sem falar dos pilotos, que com a questão cada vez mais gritante dos pilotos pagantes, temos cada vez mais ótimos pilotos de fora, e pilotos do nível fraco com o lugar garantido.

    Na boa, Pastor Maldonado não merece estar na F1.

    E é por essas e outras, que a F-E vem fazendo sucesso, e aí aproveito pra deixar uma pergunta aos amigos:

    Será que a F1 vai asfixiar esta categoria também, como muito bem descreveu Eduardo Correa em sua coluna de 05/06/02 com o título de OS CRIMES DA FÓRMULA 1.

    Abraço!

    Mauro Santana
    Curitiba-PR

    • Allan Guimaraes disse:

      Salve, Manuel! Pois é, quem te acha doido possivelmente está com a razão, pois um UFC da vida dá muito mais emoção com seu sangue jorrando, pernas quebradas, hematomas pra todo lado… Futebol nem vou falar, porque muita gente acompanha só pra ter o que falar ou zoar o conhecido depois. Concordo com muito do que você escreveu. Citei no meu “discurso” França 1980, onde o Lafitte foi embora, abriu quase 10s para o Arnoux, que foi ultrapassado pelo Pironi e pelo Jones. Este, um crocodilo voraz como sempre, mas sem os erros de 1981, voou na pista e foi descontando um pouquinho por volta. Ao final, os pneus do Jacques parecem ter acabado, pois a frente de seu carro dançava bastante (lembrando que eram carros com efeito solo, e as Ligier não usavam spoiler dianteiro, o que devia dar mais velocidade – menor arrasto – mas sacrificavam mais os pneus dianteiros) e Jones e Pironi o passaram e abriram muito. Se fosse hoje, parada de 20s no total nos boxes, pneus de classificação e poderia ter mantido a posição. Antes? Parada de 30s e pneus sem diferença grande de rendimento, salvo marcas distintas.

    • Allan Guimaraes disse:

      Salve MAURO! 🙂

  3. Fernando Marques disse:

    Manuel,

    o que talvez mais esteja faltando a Formula 1 seja a essência de esporte …
    e mais corridas aos domingos pela manha …

    Fernando Marques
    Niterói RJ

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