Janet

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Muitos meninos são incentivados pelos pais a participarem de esportes, com mais ênfase nos esportes ditos ‘masculinos’. Futebol, basquete, luta e… automobilismo muitas vezes se tornam o sonho de milhões de meninos em todo o mundo. As meninas, quando são incentivadas a participarem de esportes, normalmente partem para o vôlei ou o tênis. Uma mulher num esporte de alto rendimento dito ‘masculino’ ainda chama muita atenção, principalmente no automobilismo, onde não há separação de gênero em suas competições.

Se hoje uma mulher ainda chama atenção quando está atrás de um volante de um carro de competição, quarenta anos atrás isso impactava ainda mais e causava certo mal-estar entre os fãs e pilotos. Janet Guthrie foi uma pioneira ao enfrentar o estereótipo da jovem mulher americana nos anos 1960 e 1970 e enfrentou os melhores pilotos dos Estados Unidos na Indy e na Nascar, confrontando todos os comentários sexistas para realizar o seu sonho.

Janet nasceu em Iowa em 1938 e ainda criança se mudou com a família para a Flórida. Os pais eram pilotos de avião e adoravam aventuras, passando essa sensação aos seus filhos. Janet não lia romances, mas livros de aventura. Aos 13 anos fez o seu primeiro voo e três anos depois o primeiro pulo de paraquedas. Quando estava no high school, era encorajada pelas amigas a se casar logo, mas ela pensava diferente; queria ter uma carreira. Pensou em ser piloto de avião, mas não havia mulheres pilotando Caravelles naquela época. Foi a primeira vez que se viu podada dos seus sonhos. Apaixonada por aviação e engenharia, entrou para a Universidade de Michigan e se formou em 1960 em Física, entrando logo após na Republic Aviation, na área de desenvolvimento de engenharia. A empresa participava do Projeto Apollo, fazendo Janet sonhar também em ser astronauta.

Tendo aprendido a dirigir muito jovem, seu primeiro carro foi um Jaguar XK120 AM Coupé. Ela achava o carro inglês mais uma obra de arte do que um simples veículo e, indo trabalhar com o belo conversível, Janet se sentia mais apaixonada pela arte de dirigir. Em 1963, começou a participar de pequenas corridas na SCCA (Sports Car Club of America)nas quais  utilizava seu conhecimento de engenharia para preparar seus próprios motores e carrocerias. Em 1972, ela se tornou piloto em tempo integral, chegando a vencer em sua classe nas 12 Horas de Sebring.

Em 1976, recebeu uma ligação que mudaria sua vida: um convite para tentar se classificar para as 500 Milhas de Indianápolis. Naquele tempo, a corrida era indubitavelmente a mais importante dos Estados Unidos, ao mesmo tempo em que o movimento feminista crescia na América e no mundo. Convidada pelo chefe de equipe Rolla Vollstedt, a simples presença de uma mulher na Entry List de Indianápolis transformou aquela edição numa das mais marcantes da história centenária do automobilismo. Todos queriam ver se uma mulher poderia enfrentar os melhores pilotos dos Estados Unidos.

Janet queria apenas correr e não entendia toda a comoção em torno dela. Com treze anos de experiência em corridas, qual o problema de tentar correr em Indianápolis? Contudo, encontrou muita resistência, inclusive de astros como Bobby Unser, que achavam que ela não tinha até mesmo condições físicas de correr. Quando Janet não conseguiu tempo para entrar no grid, os ruídos aumentaram. À boca pequena se falava em Indianápolis: porque ela é mulher. Como resposta, AJ Foyt entregou seu carro reserva para um teste por Janet. O resultado? O tempo marcado por ela lhe daria facilmente um lugar no grid daquele ano…

Percebendo toda atenção pela chegada de Janet Guthrie em Indianápolis, o promotor Humpy Wheeler teve uma ideia: trazê-la para a Nascar. Era a primeira vez de Wheller comandando a World 600 em Charlotte, a maior corrida da Nascar depois da Daytona 500. Ainda durante a classificação em Indianápolis, o promotor prometeu a Janet que se ela não se classificasse na Indy, ele conseguiria o melhor carro possível para ela em Charlotte. Dito e feito. Janet foi para lá, para uma corrida ainda mais dura e num ambiente tão hostil quanto.

Os comentários na Nascar não eram muito diferentes da Indy: essa garota não conseguiria segurar um Stock Car por 600 milhas. Para complicar ainda mais, estava fazendo um calor absurdo em Charlotte, mas a presença de Janet naquele dia fez com que todos os ingressos para a World 600 de 1976 fossem vendidos. E ela fez bonito, chegando em 15º lugar, no que seria a primeira participação feminina em alto nível na Nascar. Para 1977, competiria toda a temporada e mesmo conseguindo um 5º lugar em Bristol, muitos pilotos faziam de tudo para não serem ultrapassados por ela.

Ainda em 1977, Janet colocou seu nome definitivamente na história do automobilismo ao participar pela primeira vez da Daytona 500 e também da Indy 500. Na mesma pequena equipe em que tentou se classificar no ano anterior, ela enfrentou um mês de maio com vários problemas mecânicos em Indianápolis, mas conseguiu a 26º posição do grid, fazendo com que Tony Hulman mudasse seu discurso quando anunciou a mais famosa frase do automobilismo: Para a primeira mulher a conseguir se classificar em Indianápolis na história e os senhores, liguem seus motores!

Janet teve vários problemas em sua primeira tentativa em Indianápolis, mas tudo mudaria em 1978, quando fez uma corrida muito sólida e conseguiu um excelente nono lugar na bandeirada, ficando à frente de pilotos como Mario Andretti e Johnny Rutherford. Ao sair do carro, Janet surpreendeu mais uma vez: revelou que tinha corrido com o pulso quebrado. Dois dias antes da corrida, participando de um evento beneficente, ela caiu de mau jeito num jogo de tênis e tinha quebrado o pulso direito. Com medo de que fosse proibida de correr pelos comissários, se encheu de analgésicos e correu dessa forma para o que seria sua melhor corrida em Indianápolis.

Mesmo sendo uma referência no feminismo e tendo várias fãs, a carreira de Janet não duraria muito. Ela falhou em se classificar em 1980 e se viu sem patrocínios. Na Nascar, a situação não era melhor e só participaria de duas corridas. Correu atrás de patrocinadores, mas teve as portas fechadas.  Entrevistada em 1982, Janet falou claramente que não conseguiu mais patrocínios por ser mulher e por isso não teve uma carreira mais constante na Indy ou na Nascar.

Ela escreveu um livro sobre suas aventuras no automobilismo e, principalmente, seus momentos em Indianápolis na segunda metade da década de 1970. Passou vários anos longe das corridas, só retornando nos últimos tempos quando outras mulheres apareceram em Indianápolis. Danica Patrick se tornou a mulher mais bem colocada nas 500 Milhas em 2005, além da chegada de outras mulheres, como Sarah Fischer, Simona de Silvestro e Pipa Mann. Todas elas vindo no vácuo de Janet. Seu enorme esforço para ter sucesso no automobilismo passou a ser cada vez mais reconhecido, como uma pioneira que enfrentou todo um sistema que não a queria, mas tiveram que vê-la realizar seu sonho.

Em janeiro de 2021, Janet Guthrie foi indicada para o Hall da Fama do Esporte a Motor dos Estados Unidos.

Feliz Dia da Mulher!

Abraços

João Carlos Viana

 

JC Viana
JC Viana
Engenheiro Mecânico, vê corridas desde que se entende por gente. Escreve sobre F1 no tempo livre e torce pelo Ceará Sporting Club em tempo integral.

3 Comments

  1. Fernando Marques disse:

    Salve as mulheres!!!
    O que seria de nós homens sem elas?
    Já pensaram num mundo sem mulheres?

    Fernando Marques
    Niterói RJ

  2. Olá Rubergil

    Isso foi antes do retorno de Janet à Indianápolis, porém, foi muito bom mencionar Lyn St James.

  3. Rubergil Jr disse:

    Belíssimo texto. Faltou apenas a menção à Lyn St. James, que largou em sexto na Indy 500 de 1994, e foi 11ª em 1992, sendo premiada como a “Rookie of the Year”.
    Abraço!

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