Jogo de tabuleiro

Novamente, Bahrein
07/04/2018
O Monólito
11/04/2018

A cada dia que passa a F1 vai ficando mais parecida com um imenso jogo de tabuleiro, onde as equipes vão movimentando suas peças para conseguir derrotar o seu adversário. Apesar da velocidade ainda ser um fator extremamente importante na corrida, conseguir o melhor posicionamento durante a prova e manter o ritmo adequado está ficando cada vez mais determinante para que um piloto vença ou não.

Isso sem contar as intempéries que possam acontecer, como uma chuva ou um safety-car fora de hora — o que sucedeu em Melbourne e tirou a vitória certa de Lewis Hamilton.


Undercuts (as famosas ultrapassagens nos boxes…) acontecem com mais frequência do que ultrapassagens na pista, tudo sendo manobrado pelo box via rádio, numa conversa incessante entre engenheiro e piloto. Hoje no circuito de Sakhir, esse jogo de tabuleiro ficou bem evidente na luta particular entre Ferrari e Mercedes pela vitória.

https://www.youtube.com/watch?v=Qodvg956jh8

a música horrorosa é culpa da Lib-Media 🙂

Após uma pré-temporada sem sobressaltos e com o carro mostrando estar no mínimo um degrau acima em ritmo de classificação, a Mercedes se achou sem o mesmo domínio no deserto do Bahrein. Com ou sem ‘modo festa’, a Ferrari dominou a primeira fila em Sakhir na classificação e Lewis Hamilton foi vítima de um problema de câmbio que o fez recuar cinco posições no grid. Tomara que a Liberty um dia acabe com essas punições…

Em inferioridade no Bahrein, a Mercedes precisava sair da caixinha se quisesse se manter como dominante neste início de temporada. Para os alemães a prova até começou bem com a boa largada de Bottas e a rápida recuperação de Hamilton, logo aparecendo em quarto. Porém, o primeiro movimento da corrida foi da Ferrari, que trouxe Vettel aos boxes primeiro e colocou pneus macios, indicando que pararia duas vezes, principalmente por causa do asfalto abrasivo de Sakhir. Então a Mercedes deu sua cartada com um movimento pouco usual, ao colocar pneus médios (os mais duros do final de semana) no carro de Bottas.

Mesmo com o asfalto extremamente aderente o finlandês pararia uma vez apenas? A corrida foi transcorrendo e o ritmo de Valtteri era bom com o composto que foi usado muito pouco durante o final de semana, enquanto Hamilton postergava sua parada e sem nenhuma surpresa, o inglês foi calçado com pneus médios. O inglês não iria para mais. O segundo movimento da Mercedes parecia que lhe daria a vantagem necessária para derrotar a Ferrari.

Foi então que a intempérie aconteceu, com o triste acidente no pit-stop de Kimi Raikkonen. Com os mecânicos claramente abalados e percebendo que se parasse pela segunda vez a corrida estava perdida, a Ferrari tentou uma manobra arriscada ao deixar Vettel até o final da corrida sem parar, mesmo com pneus médios. Quando todas as cartas estavam na mesa, o Grande Prêmio do Bahrein ficou empolgante com a perseguição de Bottas (com pneus médios em melhores condições) em cima de Vettel (com pneus macios em frangalhos). Contudo, quando Bottas encostou em Vettel nas três últimas voltas faltou ao finlandês o ‘instinto assassino’ que marca os grandes campeões. Botats só tentou ultrapassar uma vez, no que teve a porta fechada na cara sem maiores cerimônias pelo alemão da Ferrari, que venceu uma corrida extremamente tática e que se tornou emocionante na medida em que os estrategistas manobravam seus pilotos dos boxes.

Nesse momento, a Ferrari está com 100% de aproveitamento muito pela estratégia que foi bem orquestrada pelos seus engenheiros e colocada em prática por Vettel em Melbourne e Sakhir, onde venceu uma corrida em que não era favorito (Melbourne) e se defendeu bem da Mercedes no Bahrein. Mesmo com o melhor carro, a Mercedes ainda não sabe o sabor da vitória em 2018 e Hamilton já está dezessete pontos atrás do rival Vettel no campeonato.

Frank Williams dizia que Nelson Piquet tinha toda a corrida em sua cabeça. A corrida do tricampeão sempre tinha começo, meio e fim. Nelson sabia o ritmo que poderia impor e se adaptava ao longo da prova. O desespero de Lewis Hamilton com o seu rádio com problemas durante a corrida demonstrou bem como os pilotos atuais dependem de forma umbilical como deve ser o seu ritmo de prova indicado pelos engenheiros do box.
Fico imaginando como Nelson Piquet se comportaria com um engenheiro lhe falando no ouvido qual ritmo ele deveria andar a corrida toda!

A cena do atropelamento do mecânico Francesco Cigarini durante o pit-stop de Raikkonen foi uma das mais chocantes da F1 nos últimos tempos, além de mostrar o temperamento estranho de Kimi Raikkonen. O finlandês saiu do carro zangado, deu uma olhada na movimentação e simplesmente deu as costas ao mecânico da SUA equipe. Lamentável…

Não posso deixar de comparar essa situação de desprezo ao próximo que Raikkonen teve com a atuação de Marc Márquez na Argentina. O espanhol sabia que tinha a melhor moto do dia e ao se ver nas últimas posições por causa de uma punição que deveria ter sido maior, Márquez partiu para cima dos seus companheiros de profissão como se eles não existissem. Foram vários toques perigosos e sua punição final de 30s ficou barato. A expulsão de Márquez do box da Yamaha quando ele foi pedir desculpa à Valentino Rossi depois da corrida foi o vexame mínimo que lhe poderia acontecer.

Pierre Gasly foi um dos nomes da corrida ao levar seu Toro Rosso-Honda ao quarto lugar. O francês chegou a brigar com Daniel Ricciardo antes que o australiano abandonasse e segurou bem os ataques de Kevin Magnussen antes de se estabelecer na ponta do segundo pelotão para não mais perde-la. O motor Honda não foi engolido como nos anos anteriores quando Gasly foi atacado pelo motor Ferrari de Magnussen e seus dois carros chegaram ao fim da corrida, demonstrando alguma confiabilidade, como foi visto na pré-temporada.

Foi o melhor resultado da Honda nessa era dos motores híbridos. A boa performance de sua equipe júnior e, principalmente, da Honda foi as únicas boas notícias para a Red Bull, porque hoje a equipe de Christian Horner, Helmut Marko e cia teve que empacotar as suas coisas depois de apenas quatro voltas. Ricciardo abandonou com problemas elétricos, enquanto Max Verstappen aprontou mais uma das suas.

O holandês precisa entender a importância do posicionamento na pista e que largar no meio do pelotão lhe deixa à mercê de problemas, como o toque com Hamilton que furou o pneu de Max. Enquanto o inglês da Mercedes esperou a hora certa para atacar os seus adversários, Verstappen partiu logo para o ataque e o resultado foi outro DNF.

Por sinal, a forma como Lewis Hamilton ultrapassou três carros de equipes média de uma só vez na reta do box demonstra bem a superioridade do trio de ferro (Mercedes, Ferrari e Red Bull) frente aos demais no pelotão da F1.
A Renault terminou como a quarta força dos motores da F1 hoje, com Hulkenberg liderando a marca francesa e Fernando Alonso tendo que aturar a Honda ficar na sua frente com certa folga.

A Haas se recuperou um pouco da enorme decepção que foi a corrida em Melbourne com um consistente quinto lugar de Kevin Magnussen, enquanto todos os seus pit-stops eram filmados de perto. A Sauber arriscou na estratégia e colheu frutos com o nono lugar de Marcus Ericsson, no que pode ser importantes pontos na luta pelo penúltimo lugar do Mundial de Construtores.

A gloriosa Williams, mesmo tendo o melhor motor da F1 atual, viu seus dois pilotos-pagantes serem os dois últimos colocados da corrida de hoje, numa situação emblemática e cuja história de decadência vem sendo contada com maestria aqui no GPTotal.

Hoje foi minha estreia no pós-corrida da corrida de F1, o que foi motivo de muita alegria, mas também de apreensão, pois esse domingo foi um dos mais tensos do ano. Motivo? Hoje foi a final do Campeonato Cearense e com o meu Ceará na disputa do título em meio às corridas da F1 e da MotoGP, foi difícil conciliar tudo, mas felizmente deu tudo certo e por isso meu cumprimento será um pouco diferente.

Abraços e saudações alvinegras!

Confira em nossa página do Facebook texto sobre a etapa da MotoGP.

JC Viana
JC Viana
Engenheiro Mecânico, vê corridas desde que se entende por gente. Escreve sobre F1 no tempo livre e torce pelo Ceará Sporting Club em tempo integral.

6 Comments

  1. Mauro Santana disse:

    Grande JC!

    Belo texto, e nos tempos atuais, está lembrando a era Schumacher no início da década passada, com a maioria das suas vitórias sendo definidas nas estratégias de box.

    Eu particularmente, odeio isso, e sou defensor de pneus que durem a corrida inteira, deixando a cargo dos pilotos optarem pelo sim, ou não, de um ou mais pit stop.

    O que o Marquez fez ontem, foi digno de um belo Dick Vigarista.

    Lamentável!

    Parabéns pelo seu Ceará!

    Abraço!

    Mauro Santana
    Curitiba PR

  2. Fernando Marques disse:

    JC,

    Apesar do jogo de tabuleiros, a corrida foi boa de se ver …
    A Ferrari e Vettel deram um show na pista.
    Já a Ferrari e Kimi Raikkonen deram vexame, aliás muito bem relatado por você.
    O que houve com a Mercedes? … Será que está guardando gorduras para queimar mais a frente?
    Pierre Gasly mereceu ser o piloto do dia … e seu desempenho com seu STR/Honda deixa outra grande questão: afinal quem era pior quando da parceriar Honda/ Mclaren: o carro ou o motor> … hehehehe
    Triste a corrida da Willians. Muito triste.
    Agora penso que enquanto a Ferrari conseguir andar na frente das Mercedes, teremos um campeonato digno de se assistir …

    Fernando Marques
    Niterói RJ

  3. Lucas Giavoni disse:

    Ótimo relato, meu amigo.

    E também gostei de ver seu Ceará campeão na cara do Rogério Ceni.

    Abração!

  4. Edgard El Khouri disse:

    Lucas, a coisa está feia demais na Fórmula 1, desanimei de vez, ficarei no saudosismo da antiga F1 e das leituras suas dos artigos daquela época, realmente não dá. A Fórmula-Havaianas é demais para mim, abraços!

  5. Manuel disse:

    Caro joao, .

    Parabens pelo “teu” Cera e pela bela columna!

    abs. Manuel

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