Jorge Lorenzo no fundo do poço

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O pentacampeão Jorge Lorenzo (2010, 2012 e 2015 na MotoGP, 2006 e 2007 na extinta 250) estragou o final de semana. Dele, de três adversários e de milhões de fãs que, de olhos colados na tela da TV, assistiam o GP da Catalunha que começara de forma épica: finalmente todos os principais pilotos das principais marcas estavam embolados na ponta, ele incluso.

O que fez Lorenzo? Perdeu a dianteora de sua moto freando tarde demais. Caiu e torpedeou a Ducati de Andrea Dovizioso, vice-líder do campeonato que, por sua vez, passou o rodo na Yamaha de Viñales. Valentino Rossi parecia ter se safado do strike mas a rodopiante Honda de Lorenzo o alcançou e… end of story para ele também. Todos os quatro (dezesseis títulos mundiais somados!) fora da briga, logo na segunda volta.

Machucados? Nenhum, ainda bem, mas enquanto os quatro caminhavam cabisbaixos de volta ao box Marc Márquez – que nada viu pois estava à frente do quarteto – levava sua Honda para mais uma vitória,  a quarta do ano depois de sete GPs disputados, resultado este que o distanciou na ponta do campeonato, 37 gordos pontos de vantagem sobre Dovizioso, o torpedeado…

Lorenzo é um bosta? Não. Nunca. Ele é talvez o dono da pilotagem mais elegante, precisa e perfeita do grid e, possivelmente, este seja seu maior problema: a cirúrgica precisão ao guidão o faz sofrer mais do que outros com o acerto da moto. Correu pela Ducati em 2017 e 2018, brigando o tempo inteiro com a complexa máquina italiana. Este ano passou para a Honda, cuja máquina geniosa parece só funcionar bem nas mãos de Márquez.

Solista virtuoso, Lorenzo quando tem a moto como quer é imbatível. Todavia, nunca soube criar em torno de si um time que atendesse plenamente seus desígnios, um séquito de técnicos reverentes à sua genialidade. Foi vítima do carisma de Valentino Rossi na Yamaha e de sua própria impaciência na Ducati. Aceitar a oferta da Honda foi uma aposta arriscada pela presença de Márquez.

Neste GP da Catalunha Lorenzo, finalmente, largou bem e pela primeira vez na temporada estava lutando com seus pares, os melhores do grid. Talvez esta inédita situação tenha jogado contra suas intenções de finalmente mostrar serviço aos patrões da Honda, aos quais pediu modificações na moto para poder exprimir seu talento.

Cabeças, pernas, ombros, braços e pés: diferentemente da F1 a MotoGP mostra a humanidade de seus heróis, que não estão encapsulados em um foguetinho com quatro rodas, mas encarapitados sobre um treco pequeno com duas rodas, que não para em pé se não estiver andando. Essa é a mágica da motocicleta, que permite ver o trabalho humano na condução, o intrincado e genial jogo de movimentos corporais que é parte indissociável do espetáculo.

Neste ambiente tão físico quanto fascinante o braço de ferro entre Jorge Lorenzo e quem poderia atender suas demandas pode ter sido definitivamente perdido na curva 10 de Montmelò, quando oito pernas e braços rolaram pelo asfalto por obra e (des)graça do erro.

Ainda faltam doze corridas para a temporada acabar; dizer que Marc Márquez e seus 37 pontos de vantagem na liderança da tabela significam o final das esperanças para os desafiantes seria temerário. Mas eu disse isso no meu programinha da Rádio CBN, minutos depois da bandeirada na Catalunha. Sou temerário e, mais do que isso, vivido. Marc Márquez só não será campeão se, como escrevi aqui mesmo no GPtotal, praticar uma pilotagem autodestrutiva, exagerada, o que ajudaria Lorenzo. Escrevam: ele não fará isso.

Da primeira corrida do Mundial de Motovelocidade que vi profissionalmente (setembro de 1983, Ímola) até esta de domingo passado, infinitas situações se propuseram. Pilotos, motos, pistas, regulamentos, intempéries e a porra toda que envolve competição de alto nível passou pelo meu nariz. Isso permite, presunçosamente, que eu dite o texto da lápide da temporada da MotoGP 2019:

“Aqui jaz a pretensão de derrubar Marc Márquez de seu trono

Qatar-08/3/2019 – Catalunha-16/6/2019”

“Caro Jorge Lorenzo, o que te aconteceu domingo faz parte, acidente de corrida, e você, piloto tão hábil e experiente, pode se permitir tamanha besteira pois erros é o que se espera do espécime mais errado de toda a criação, o homem.”

Uma vez enterrada a temporada e consolado Lorenzo, conto que aconteceu antes desta corrida: Jorge voou para o Japão depois do GP da Itália para pedir (ou implorar) que a Honda modificasse sua RC 213V adaptando-a à suas necessidades. Conseguiu ser recebido mas daí ao principal, ser atendido, a distância é grande. E em vez de fazer um corridão na Catalunha, caiu…

Pragmáticos, os japoneses do HRC – Honda Racing Co. – não irão gastar um iene sequer em alterações mais profundas como caráter do motor ou geometria de chassi para atender Jorge Lorenzo. Afinal, Márquez está vencendo. Afinal, Márquez não quer nada disso. Afinal… o contrato de Jorge Lorenzo acaba no fim desta temporada. Se ele não estiver satisfeito que se mande.

O problema é que ele não tem para onde ir: saiu da Yamaha no fim de 2016 batendo a porta, aceitando a oferta milionária da Ducati pela qual correu dois anos sem ser feliz. Sua ida para a Honda para fazer dupla com Márquez foi, talvez, sua aposta mais arriscada. Um tudo ou nada que pode ter dado em nada.

De certa forma Jorge Lorenzo repete Fernando Alonso, um piloto que poderia muito mais mas que por vezes caiu em armadilhas, por vezes fez armadilhas para si mesmo. Daqui duas semanas rola o GP de Assen, na Holanda, e na semana seguinte em Sachsenring, na Alemanha. Duas corridas que precedem o mês de pausa da Motovelocidade Mundial neste ano que, como dito, está fadado a coroar Marc Márquez com seu sexto título – quarto consecutivo – na MotoGP.  Para a tristeza de Dovizioso, Rossi e ao genial (e genioso) Jorge Lorenzo, que pode estar dizendo adeus ao Mundial de Motovelocidade.

Roberto Agresti
Roberto Agresti
"Rato" de Interlagos que, com sorte (e expediente), visitou profissionalmente Hockenheim, Mônaco, Monza, Suzuka e outras. Sempre com uma câmera na mão e uma caneta na outra.

1 Comments

  1. Mauro Santana disse:

    Grande Texto, Agresti!

    E a comparação com Alonso, é muito válida.

    Nos resta aguardar com enorme expectativa, o GP na Catedral da Motovelocidade.

    Grande abraço!

    Mauro Santana
    Curitiba PR