Loeb

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14/11/2012

Sebastien Loeb é uma figura do tamanho de um Tazio Nuvolari ou de Juan Manuel Fangio. Ponto.

Que sina a de 2012: oferecer diversas disputas no mais alto nível do esporte a motor, revelar dois novos vencedores de Grand Prix e um novo tricampeão mundial… E ainda assim ter boa parte de seu espaço histórico dedicado às aposentadorias que despachou. Afinal, estamos falando aqui de 18 títulos mundiais, distribuídos entre Casey Stoner na MotoGP, Michael Schumacher na Fórmula 1 e, claro, Sébastien Loeb no WRC.

Simplesmente não existe taxa de renovação capaz de preencher tamanho vácuo num curto espaço de tempo.

Mas deixemos Schumacher e Stoner de lado momentaneamente, porque a ocasião merece. Ontem, apropriadamente dia 11/11, encerrou-se com mais uma vitória a maior das carreiras já vistas no Mundial de Rali. Hoje, portanto, é dia de falar sobre o monstro Sébastien Loeb.

Extrapolar as barreiras cronológicas para especular questões como o melhor de todos os tempos é, e sempre será, tarefa essencialmente subjetiva. Apesar disso, em relação a Loeb fica bastante difícil apontar qualquer adversário credenciado, dentro do universo off-road. Sem qualquer favor, seu nome é presença certa entre as maiores lendas do esporte a motor, em qualquer modalidade. Mesma estatura histórica de gente como Fangio ou Nuvolari.

A grande questão em relação a Loeb vai além de seus números absurdos (5 vitórias em 5 participações no Campeonato Mundial Júnior; 76 vitórias e 113 pódios em 164 participações no WRC; apenas três ralis no asfalto não vencidos por ele desde 2005…), e ganha sua real dimensão na qualidade visível e sensível de sua tocada, nas mais diversas condições. Depois de perder o título por um único ponto em 2003, e conquistar nove títulos mundiais consecutivos nas únicas dez temporadas completas que disputou, Loeb simplesmente não deixou claro quais seriam os limites de sua competitividade. Aquele papo sobre a amplitude da onda, sobre os asteriscos que marcam uma carreira (vide Valentino Rossi e Ducati recentemente), simplesmente não aparecem em sua carreira. Ao se aposentar, Sébastien Loeb não deixou claro quais as condições capazes de derrotá-lo.

Contra sua carreira, a única ressalva possível de ser feita é a de que ele não se arriscou a pilotar fora dos limites da Citroën, deixando assim um tanto nebulosa a sua parcela de contribuição no absoluto sucesso do conjunto. Uma “crítica” obviamente compensada por uma relação de fidelidade a uma equipe e um navegador – Daniel Elena – que em última análise atestam o profissionalismo e a ética do piloto.

Da mesma forma é fácil se deixar levar pelas crenças de que Loeb não teve pela frente grandes adversários, ou teve sempre em mãos os melhores carros. Trata-se, a rigor, de um conhecido paradoxo: quanto mais você esmaga a concorrência, mais desvaloriza as próprias vitórias ao dar-lhes a aparência da facilidade. Mais ou menos como o piloto que faz todas as poles e é criticado por não ultrapassar ninguém.

Senão vejamos: em 2003 Loeb teve que dividir a casa com os mais que consagrados talentos de Carlos Sainz e Colin McRae, e superou a ambos no decorrer da temporada. No ano seguinte continuou a correr com o legendário Sainz, conquistando seu 1º título mundial com imensa margem de pontos e vitórias.

Em 2006, apesar de ter começado o ano sem qualquer vantagem de equipamento em relação à Ford, Loeb conseguiu emendar 8 vitórias em 10 provas, assegurando uma pontuação grande o bastante para assegurar-lhe o título por 1 ponto, apesar de ter faltado às últimas quatro etapas do ano em função de um acidente de mountain bike. No ano seguinte, Seb teve que superar um obstinado Marcus Grönholm (2º maior vencedor da história, com 30 triunfos) numa disputa que foi até o encerramento da temporada, na Grã-Bretanha.

Em 2009, o ano mais difícil. Após emendar cinco vitórias seguidas na abertura da temporada, Loeb viu a Ford devolver o feito (uma vez com Latvala e quatro com Hirvonen), e teve que mostrar muita liderança e sangue frio para vencer as duas últimas provas do ano, revertendo uma desvantagem improvável nos últimos instantes da disputa. Vale dizer que o título teria ficado com Hirvonen, caso a Ford tivesse lançado mão do jogo de equipe no Rali da Sardenha, numa altura em que nenhum de seus pilotos havia vencido. Dois anos mais tarde o campeão enfrentou um embate duríssimo dentro da própria equipe, contra o xará e compatriota Sébastien Ogier, que é nome certo para vencer o mundial num futuro próximo.

E, por fim, em 2012 Loeb dominou completamente seu novo companheiro de equipe, o finlandês Mikko Hirvonen, que tantas vezes havia disputado seriamente o título em anos anteriores, enquanto guiava pela Ford. O equipamento americano, portanto, não podia ser tão inferior assim…

Nascido no dia 26 de fevereiro de 1974 na pequena Haguenau, nordeste da França, Loeb começou a carreira esportiva dedicando-se à ginástica artística (sagrando-se por quatro vezes campeão da Alsácia e chegando a figurar no top-5 nacional). E isso deve nos dizer muito sobre as aptidões atléticas do menino, bem como a forma como ele as desenvolveu desde cedo. Força, precisão, memória muscular, disciplina… Um conjunto de valores cuidadosamente desenvolvidos e lapidados que, no momento devido, iriam dar ao seu enorme talento a plataforma física necessária para dominar as pistas do mundo.

A partir de 1994, decidido a ganhar a vida como engenheiro elétrico, Loeb começou a se dar conta do amor recíproco pela velocidade ao voar pelas estradas de sua região natal, visando compensar os constantes atrasos à empresa onde trabalhava como eletricista. Apenas um ano mais tarde estas estradas já haviam deixado de ser um meio para se tornarem um fim em si mesmas, com Seb convencido a dedicar-se aos ralis. Curiosamente, em 2010, o campeão viveria a experiência mágica de conquistar seu sétimo título mundial justamente nestas mesmas estradas no entorno de sua cidade natal.

Em 1998 ele começa a se inscrever em etapas do Troféu Francês Citroën Saxo, conquistando o título no ano seguinte. A partir de então, tendo chamado a atenção de Guy Fréquelin, ex-piloto e chefe da divisão esportiva da montadora francesa, Loeb passa a ser uma das apostas da montadora. Em 2001 o piloto disputa e vence o primeiro Campeonato Mundial Júnior de Rali, vencendo as cinco etapas em que foi inscrito. No mesmo ano faz sua estreia no WRC, obtendo uma 2ª colocação logo em sua terceira participação, na Alemanha.

No ano seguinte Loeb continua a assombrar o mundo, começando a temporada com uma surpreendente vitória em Monte Carlo. Mais tarde esta seria transformada numa 2ª colocação, graças a uma troca de pneus irregular, punida severamente com o acréscimo de dois minutos em seu tempo final. A vitória, no entanto, viria no mesmo ano, novamente na Alemanha. E ele nem tinha começado a fazer todas as etapas do ano..,

Paralelamente ao mundial de rali, Loeb também fez aparições esporádicas em Le Mans, na Corrida dos Campeões, e até mesmo nos X-Games. E foi magnífico em todas estas diferentes formas de competição.

Sendo um especialista em provas de asfalto, não seria difícil imaginá-lo obtendo sucesso em qualquer categoria automobilística disputada sobre essa superfície. Seus tempos nos poucos testes que realizou na F-1 e na GP2 corroboram plenamente essa afirmativa, bem como seus desempenhos na prova mais fantástica e desafiadora do mundo.

Correndo pela privada equipe Pescarolo contra todo o poderio da Audi, Loeb trabalhou com Ricardo Divila e conquistou uma brilhante 2ª colocação em 2006, se infiltrando entre os carros da equipe rival. Mais de uma vez o próprio Ricardo já me disse que, fazendo apenas sua 2ª participação em La Sarthe, Loeb já era seu melhor piloto na pista.

Já na Corrida dos Campeões, na qual os pilotos convidados enfrentam-se dois a dois nos mais diversos tipos e carro, Loeb conquistou de forma espetacular os títulos em 2003, 2005 e 2008, além do título por nações em 2004, em parceria com Jean Alesi. Vale notar que Seb esteve presente em apenas outras três edições do evento, tendo sido finalista em 2002 e 2010.

Por fim, este ano Loeb ainda foi convidado a participar de uma prova de rali dentro dos X-Games, e novamente venceu com grande folga.

A partir de agora, o destino de Sébastien Loeb é incerto. Há quem diga que ele possa fazer uma ou mais temporadas no WTCC (que corre em Curitiba, atenção!), e é bem provável que ele apareça no WRC de vez em quando também.

Definitivamente o mundo da velocidade fica muito mais pobre sem sua presença constante, e todos nós devemos lamentar a atitude risível da FIA de negar-lhe uma superlicença ao fim de 2009, quando tudo parecia em ordem para que o piloto corresse pela Toro Rosso no GP de Abu Dhabi.

Diante de tudo que o homem fez nos últimos anos, podemos dizer sem medo que a F1 perdeu muito mais do que ele.

Abraços a todos, e uma ótima semana.

Márcio Madeira
Márcio Madeira
Jornalista, nasceu no exato momento em que Nelson Piquet entrava pela primeira vez em um F-1. Sempre foi um apaixonado por carros e corridas.

3 Comments

  1. Carlos Chiesa disse:

    Uma coluna à altura desse campeão.

  2. “Sébastien Loeb não deixou claro quais as condições capazes de derrotá-lo.” Esta frase é de uma precisão cirúrgica. Vou mandar fazer uma camiseta de Loeb escrever a frase perfeita do Márcio Madeira. Além disso, é hora mesmo de falar de um piloto pouco conhecido por aqui. Se há uma lenda é este francês – humilde, o que ainda lhe dá mais grandeza.

  3. Stephano disse:

    Mais uma vez, uma coluna sensacional, Márcio!

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