Marc Márquez, o grande?

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Marc Márquez venceu o Grande Prêmio da Tailândia disputado domingo passado. Com a conquista faturou o título mundial da MotoGP com quatro etapas de antecipação.Trata-sedo sexto título do espanhol na categoria.No total o piloto nascido na Catalunha tem oito mundiais, tendo sido campeão da 125 em 2010 e Moto2 em 2012.

Não há outro campeão na F1 das motos que não seja Marc Márquez desde a temporada de 2016.Ter sido quatro vezes campeão consecutivamente é um dadomais do que indicativo de que estamos em plena “Era Márquez”, mas acho necessário contar sobre o modo com que MM93 (número de sua moto é o ano de seu nascimento…) vem dominando a cena da categoria nº1 do motociclismo mundial.

Premissa 1: no GPTotal o automobilismo, especialmente a F1, é o foco principal. Por conta disso você que me lê agora (obrigado!), talvez não seja um habituée dado motociclismo mundial, e nem sequer telespectador assíduo das corridas da MotoGP transmitidas aqui no Brasil emcanal por assinatura.

Imagino que, com sorte, o leitor médio do GPTotal tenha visto à uma ou outra corrida da MotoGP na vida. Talvez haja os que nem mesmo tenham visto ao menos uma delas. À todos um conselho: ainda é tempo de aproveitar o que atualmente há de melhor em termos de esporte a motor: a MotoGP, a Moto2 e a Moto3. Quatro horas de libidinagem motorizada em quase duas dezenas de domingos ao ano, poucas vezes concomitantes com a F1.

À título de reforço deste conselho, darei um panorama pretensiosamente didático e preciso do que o “Lewis Hamilton” espanhol de 26 anos de idade vem fazendo ao guidão mas, antes disso,mais uma premissa: ao contrário da F1, na MotoGP há maior variedade técnica, motos diferentes na essência (motores em V, motores em linha…) e na aparência, pelas diferentes soluções aerodinâmicas.

Especialmente neste campeonato de 2019, houve um equilíbrio bem interessante: não só a Honda de Márquez e a Ducati de seu mais ferrenho rival, o italiano Andrea Dovizioso, venceram corridas, mas também as Suzuki e Yamaha foram vitoriosas.

Colocada a pá de cal sobre a ideia de que Marc é dominador por estar na equipe mais poderosa do ambiente, a HRC – Honda Racing Co. , vamos a fatos imediatos, os deste ano, com muitos números e poucas letras. Ei-los: 2º, 1º, queda, 1º, 1º, 2º, 1º, 2º, 1º, 1º, 2º, 2º, 1º, 1º, 1º.

Estes são os quinze resultados de Marc nesta temporada, na qual aniquilou as pretensões de adversários. Notem bem, jamais um resultado pior do que segundo lugar. Ah, tem a queda no Texas, pista onde vencera TODOS os GP ali disputados anteriormente. Este ano caiu quando era líder desde a largada, na 9º de vinte voltas, com quatro enormes segundos de vantagem sobre o imediato perseguidor.

Estaríamos diante do melhor de todos os tempos? Talvez. O uso do condicional será explicado nas linhas abaixo, pois antes de murchar a bola de MM 93, me deixem inflá-laalgo mais.

Como outros campeões de épocas passadas – citarei Kenny Roberts, tricampeão da 500 (a categoria que antecedeu a MotoGP) em 1978, 1979, 1980 –  Márquez introduziu um novo estilo de pilotagem. Roberts foi o primeiro yankee nº 1 da motovelocidade,pioneiro deuma técnica onde o joelhão raspando no asfalto se constituía um terceiro ponto de apoio.

Já Márquez raspa… o cotovelo! Assume ângulos em curva impensáveis em outras épocas (66 graus!!!), ajudado pela evolução dos pneus, suspensões e chassi, mas principalmente por um feeling sobrenatural com a moto. Até mesmo seus rivais exaltam seu dom de equilibrista, sua capacidade de exceder limites.

Mais de uma vez Marc Márquez se salvou de acidentes certeiros, derrapando metros e metros esfregando o corpo no solo sem largar a montaria para, miraculosamente (modo de dizer…), retomar o controle. As imagens das “salvadas” de MM93 correram o mundo. Se não viu nenhuma, youtube-se, por favor.

Outra característica do campeoníssimo é a adaptabilidade – para ele qualquer pista é boa –  aliada a um arrojo que beira a insensatez. Na minha opinião o ponto alto da temporada foi em Brno, na República Tcheca, onde nos treinos classificatórios para a definição do grid Marc Márquez enfiou DOIS SEGUNDOS E MEIO sobre o 2º colocado, usando pneus slick em uma pista com seca com três curvas encharcadas.

Fenomenal demonstração de controle da motocicleta, mas também uma espetacular demonstração de selvageria competitiva. Para quê correr tal risco liderando a temporada (naquela altura na metade) com 58 pontos de vantagem sobre o 2º colocado, ousando em treino?

Márquez é assim, extremo, como extrema foi a ultrapassagem sobre o rookie Fabio Quartararo na Tailândia, na última curva da última volta. MM93 teria sido campeão também chegando em 2º mas achou melhor ser 1º, como quase sempre faz, aliás. Um canibal que não deixa nada para adversários.

Encerro meu discurso com a assinalada murchada na bola deste campeão, prometida linhas acima: será Marc Márquez o melhor de todos os tempos? Uhmmm…. considerando a idade, a estatística recente, somente um acidente ou incidente poderia quebrar a escalada do espanhol rumo ao recorde dos recordes absoluto em todos os quesitos: títulos, vitórias, poles e o escambau.

Porém, ser GRANDE vai além disso. Márquez precisaria se colocar à prova, sair da zona de conforto que é estar na equipe mais poderosa do planeta – a HRC – e fazer como Valentino Rossi, que depois de vencer três títulos seguidos na Honda teve a ousadia de pular para a equipe Yamaha e continuar dominando a cena.

Certamente tal movimento ronda a mente do espanhol, que se alimenta de desafios. Mas a nuvem escura que paira sobre o campeão da MotoGP de 2019, 2018, 2017, 2016, 2014 e 2013 não é a capacidade de ser ou não campeão com motos de marcas diferentes, mas sim seu gênio ruim. “Mala sangre” em espanhol.

Desde os tempos da 125 que Márquez coleciona inúmeras atitudes pouco esportivas em pista. Desde literalmente jogar adversários para fora como pilotar de maneira a atrapalhar os outros. Notória foi a polêmica disputa com Valentino Rossi no GP da Malásia de 2015, quando estando fora da disputa pelo título agiu de maneira questionável em um duelo com o italiano, que resultou em um favorecimento a Jorge Lorenzo, colega de Rossi na Yamaha naquela temporada, antagonista na disputa pelo título que acabou nas mãos de Lorenzo.

Tais episódios construíram uma imagem não unânime, e o fazem alvo de vaias quase tão intensas quanto os aplausos quando sobe no pódio, não apenas na Itália mas em tantas outras pistas do circuito.

O caráter de Marc Márquez, leão das pistas mas também muitas vezes hiena definitivamente se opõe ao estupendo domínio que tem da motocicleta. Isso seguramente condiciona sua grandeza e consequente capacidade de atrair fãs para o esporte das duas rodas, como fez e vem fazendo Rossi desde o fim dos anos 90, como fizeram antes dele campeões como Casey Stoner, Michael Doohan, Wayne Rainey, Eddie Lawson, Kevin Schwantz, Freddie Spencer, Kenny Roberts, Barry Sheene, Mike Hailwood e tantos outros heróis, todos sem nenhum traço de dick-vigaristismo…

Roberto Agresti
Roberto Agresti
"Rato" de Interlagos que, com sorte (e expediente), visitou profissionalmente Hockenheim, Mônaco, Monza, Suzuka e outras. Sempre com uma câmera na mão e uma caneta na outra.

3 Comments

  1. manuel disse:

    O Valentino tampouco é nenhum anjinho.
    Como diz um ditado popular espanhol ( traduzido ) :
    ” É melhor cair na graça do que ser engraçado ! “

  2. Fernando Marques disse:

    Roberto,

    “Márquez coleciona inúmeras atitudes pouco esportivas em pista.” … concordo plenamente …
    “O Vallentino Rossi atrai mais fãs” … concordo plenamente
    Mas alguém precisa vencer o Marc Marquez pois se continuar como está o recordo do G. Agostini corre o serio risco de ser pulverizado assim como o de Schumacher ao que tudo indica vai ser na Formula 1.

    Fernando Marques
    Niterói RJ

  3. Assisto MotoGP sempre que posso e avalizo totalmente sua opinião, Roberto. Do ponto de vista moral Marc segue o modelo Michael Schumacher. Muuuuuito distante de um Stirling Moss, por exemplo. Pelo meu critério, nota baixa nesse quesito impede qualquer competidor de ser considerado o melhor do mundo.

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