Massa não é louco

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Descobri, finalmente, o problema por trás do péssimo rendimento esportivo de Felipe Massa nas últimas temporadas.

Descobri, finalmente, o problema por trás do péssimo rendimento esportivo de Felipe Massa nas últimas temporadas: ele não é louco!

Não se iluda, amigo leitor: Emerson Fittipaldi, Nelson Piquet e Ayrton Senna eram loucos. Loucos mesmo, uns disfarçando melhor, outros pior, mas todos os três carecendo de medicamentos ou terapias potentes, que deveriam muito provavelmente ter sido ministradas já na infância.

Cada um a sua maneira, nossos campeões foram dominados por algum tipo de patologia que não sou capaz de definir mas que pode ser identificada em maior ou menor escala em todos os grandes esportistas. É algo insidioso e que deve trazer a eles uma grande angústia, pois se sentem compelidos a esforços sobre-humanos na busca da vitória ou superação, que os levam a se expor a riscos, privações e níveis de concentração e dedicação inimagináveis por pessoas sadias. Suponho que a loucura naturalmente presente em cada um deles seja potencializada pelas pressões mundanas e financeiras próprias do esporte contemporâneo, sendo esta uma importante diferença entre os campeões do presente e do passado.

Já Massa decididamente não é louco e por isso vimos a sua carreira na F1 agonizar. Olhando para trás, é possível ver que ele sempre esteve distante desta síndrome. Desde o começo da carreira, Massa dava sinais de ser menos focado e compromissado com resultados, como um garoto que teve a incrível sorte de ganhar acesso a um brinquedo que todos desejavam ter. Claro que ele contava com coragem e habilidades diferenciadas – o que demonstrou várias vezes, conquistando vitórias notáveis – e também a capacidade de atrair para si a atenção da Ferrari e de gente como Jean Todt e Michael Schumacher, que o ajudaram a chegar à condição de postulante ao título de campeão mundial.

Mas veio a dura realidade: o acidente na Hungria 2009 e a convivência com Fernando Alonso a partir do ano seguinte. A isso, somou-se a benção do nascimento do filho. Tudo devolveu Felipe à vida verdadeira, à percepção madura da finitude do ser, da autopreservação e também das responsabilidades familiares. Tais condições são próprias de pessoas normais, nunca de um piloto de ponta da F1. E Massa começou a pensar antes de ganhar aqueles metros extras nas freadas, deixou de contar com aquele milímetro extra de pista na busca da trajetória mais ousada e com a sorte ou com o medo do outro piloto na disputa por uma posição.

Tudo isso ficou claro logo na primeira freada na primeira volta do GP da Itália. Até 2009, Massa teria forçado mais Lewis Hamilton na disputa pela liderança em Monza, como fez em Hungaroring 2008. Mas agora, sendo um homem sadio, a prudência prevaleceu e ele deixou o inglês entrar na frente na chicane e rumar, tranquilo, para a vitória.

Ouso dizer que Massa já percebeu o seu problema há algum tempo, entende que ele não tem volta mas esgrime com a valentia possível a sua condição na Ferrari por um misto de interesse comercial (ele ganha muito dinheiro como piloto da equipe) e um restinho de orgulho pessoal que sopra eventualmente em seu ouvido: “você pode voltar a ganhar”.

Racionalmente, ele sabe que isso não é mais possível e que a aposentadoria é uma questão de tempo. E quando ela chegar, sentirá um enorme alívio.

Por falar em louco, Schumacher conseguirá chegar ao fim da sua carreira sem ferir ninguém com gravidade?

Até quando as autoridades esportivas vão esperar para enquadrar o alemão? Sua atitude, fechando Sebastian Vettel na entrada dos boxes, em Spa, foi das coisas mais perigosas que já vi nas pistas e me lembrou a loucura de Mike Hawthorn, que deu origem ao acidente que matou quase cem pessoas em Le Mans 55. (Leia mais sobre o mais terrível acidente da história do automobilismo aqui)

Todos já sabem do plano da Ferrari para 2014: trazer Sebastian Vettel para junto de Alonso, talvez com Christian Horner e Adrian Newey e, quem sabe, até o patrocínio da Red Bull.

O problema fica sendo o mandato tampão para o segundo piloto em 2013. É preciso achar alguém que tope pendurar a carreira em um contrato tão curto. Pela convivência pacífica com Alonso, Massa segue sendo bom candidato, mas isso só não basta. A Ferrari precisa pesar outro elemento importante: o segundo piloto tem de ser dócil, etc e tal, mas tem de produzir resultados pois, para a equipe, a diferença entre vencer o Mundial de Construtores ou terminá-lo em 4º lugar significa perder uns 20 milhões de dólares, segundo cálculos de AutoSprint.

Talvez se Massa arranjar um patrocinador que banque esta diferença…

A disputa pelo Mundial 2012 entra no seu momento decisivo: Alonso tem um pouco de folga na liderança, a McLaren impressiona com três vitórias em pistas bastante distintas entre si, que a credenciam a correr bem nas corridas que faltam, o enigma dos pneus parecendo finalmente resolvido pelos engenheiros da equipe.

Difícil apontar quem é o maior cheque sem fundo: o carro da Mercedes (21 pontos marcados nas últimas três corridas, ante 83 da McLaren), Nico Rosberg (7 pontos) ou Schumacher (14 pontos, uma enormidade para quem marcou só dois pontos nas setes provas iniciais).

Não creio que alguém sentiria falta do time e pilotos alemães se eles simplesmente ficassem em casa no ano que vem.

A lógica das punições na F1 só pode ser entendida sob a ótica da Nascar: o controle imperial de toda e qualquer ação pelos donos da categoria, com a finalidade de:

a) auferir o máximo de lucros para si próprios,

b) manter os diferentes atores da categoria – pilotos, equipes, proprietários de autódromos, fornecedores, emissoras de TV e patrocinadores – sob o mais rigoroso controle, matando no berço qualquer possibilidade de insubordinação, tudo em proveito do item a, e

c) retardar ao máximo a decisão do título da temporada entendendo que, dessa maneira, atrai o máximo de atenção do público.

Visto desta forma, fica mais fácil entender a base da punição a Sebastian Vettel em Monza. Junto com Hamilton, o alemão é o mais forte desafiante a Alonso. É grande a possibilidade de ele encostar no espanhol nas próximas corridas. Basta Adrian Newey sacar do seu aparente infinito arsenal de ideias alguma sacada que devolva a RBR os segundos que perdeu nos últimos tempos – alguns deles devidos a decisões dos organizadores.

Assim, vale a pena jogar o máximo de pedras no caminho de Vettel, deixando a sua tarefa mais e mais difícil. Ao mesmo tempo, os organizadores apertam a RBR, envolvida no momento em uma queda de braços com os organizadores em relação ao regulamento, principalmente sobre controle de custos na categoria.

Hamilton e a McLaren que se cuidem!

Bom final de semana

Eduardo Correa

Eduardo Correa
Eduardo Correa
Jornalista, autor do livro "Fórmula 1, Pela Glória e Pela Pátria", acompanha a categoria desde 1968

7 Comments

  1. EDUARDO GOO NAKASHIMA disse:

    Edu, concordo com você. Aliás, fiquei surpreso de que você tenha chegado a esta conclusão somente agora, já que tivemos casos similares antes. Rubinho não foi assim também? Após o seu acidente em Ímola 94? Até lá era considerado um piloto mais para maluco, do que o escudeiro do Shumacher que se tornou depois. Com relação ao Emerson e Piquet concordo plenamente. Foram loucos no ápice da carreira. No caso do Emerson ainda tentou uma 3a vida na Indy, já que a F1 teve 2 vidas, a primeira na fase Lotus/McLaren e a segunda tocando a Copersucar Fittipaldi. Emerson apesar dos acidentes graves que teve, considero que “parou” somente após cair com o planador com o filho pequeno dele e ter ficado muito tempo à espera de socorro, mas neste ponto já estava com mais de 50 anos, de longe o mais duradouro de nossos campeões. O Piquet foi “parar” naquela curva da Indy, onde tentou repetir o sucesso de Emerson, mas não deu, mas passou bem pela curva de Tamburello anos antes. E Senna nao passou…..
    Fico muito feliz que Emerson, 40 anos depois de Monza 72, esteja por aí promovendo corridas de carro esporte.

  2. Ricardo Tavares disse:

    Não concordo com relação a Massa
    Vocês queriam que ele fizesse o mesmo que o Grojean em Spa ou Maldonado em Valencia, o que o Massa ia conseguir não tirando o pé na largada de Monza era um acidente com Hamilton e ficar de fora da corrida, duvida que Prost ou Emerson não iam tirar o pé mesmo

  3. Rafael Carvalho disse:

    Existem os loucos campeões e loucos não campeões. Damon Hill foi o pior campeão da F1 dos anos 90 e não era louco! Gilles Villeneuve e Didier Pironi nunca foram campeões e eram loucos ao extremo, principalmente o pai do Jacques! Alias, o Gilles pode ser considerado o pai de todos os loucos que ja passaram na F1.

    Abraço Edu.

  4. Lucas disse:

    Pra ser sincero, acho que ele nunca foi nada disso antes mesmo do acidente de 2009. Suas vitórias e poles se resumem ao período de 2006 a 2008, em que a Ferrari fez carros excelentes. Vale lembrar também que absolutamente *todas* as vitórias de Massa foram em corridas em que largou da primeira fila. Já ouvi muita gente dizendo que Massa “não é mais o mesmo” desde que o mandaram ceder posição ao Alonso na Alemanha em 2010, outros dizendo que ele “não é mais o mesmo” desde que teve o acidente, e alguns outros dizendo que ele “não é mais o mesmo” depois de perder o título em 2008. A minha opinião é que ele sempre foi o mesmo. O que “não é mais o mesmo” é o carro que ele dirige: não fosse o fato dele ter corrido na Ferrari no excelente período de 2006 a 2008, teria passado completamente batido pela F1. Basta lembrar que ele nunca fez grande coisa na Sauber. É só um piloto mediano, que teve carros excelentes por algumas temporadas, e numa delas foi alçado à condição de primeiro piloto graças ao fato de seu companheiro de equipe se dar mal. Mais ou menos como o Eddie Irvine em 1999.

  5. Mauro Santana disse:

    Grande texto Edu, Parabéns!

    Eu e meu pai pensamos o mesmo a respeito do Massa.

    E já que o assunto envolveu nossos três campeões mundiais, segue um trecho do livro de Ernesto Rodrigues “Ayrton, o herói revelado”.

    (Em Hungaroring, no dia 16 de agosto, uma vitória de Ayrton emoldurou o desfecho de um dos campeonatos mais fáceis e previsíveis da história da Fórmula 1. Mansell, campeão por antecipação com o segundo lugar, é claro, jamais concordou. Mas também não esqueceu, como revela em sua autobiografia, o gesto e as palavras de Senna naquele pódio de Hungaroring. Ayrton abraçou-o afetuosamente e disse:”bom trabalho, Nigel! Que sensação, hein? Agora você sabe por que sou tão filho-da-puta na pista. Eu não gosto de ficar sem essa sensação. E nem de deixar que outros a experimentem.”)

    Não é por nada, mas acho que o Massa só vai vencer outro GP, ou até mesmo subir ao pódio, se os principais pilotos a sua frente quebrarem.

    Hoje, infelizmente, Massa se tornou um “Zebrão” nas pistas.

    Isso, para nós brasileiros, tão mal acostumados as vitórias, é muito difícil de digerir.

    Abraço!

    Mauro Santana
    Curitiba-PR

  6. Fernando Marques disse:

    Eduardo,

    gostei muito dessa sua teoria do Massa não ser um louco … partindo daí entende-se que todo campeão é louco, que nem todo louco é campeão e que jamais um não louco será campeão …
    Eu entendo que enquanto perdurar comercialmente a boa relação Schumacher/Formula 1 ele continuará nas pistas … uma vitoria do Schumacher renderia muitos frutos para Formula 1 neste momento …
    Creio eu que a Ferrari deverá manter o Massa na equipe. Não vejo, alem dele e do Webber, alguem na Formula 1 com algum naipe de prestigio que queira ser 2º piloto numa equipe com Alonso. Como o Webber já renovou com a Red Bull …
    Assim tambem que penso que o dia em que Sebastian Vettel for para a Ferrari, certamente o Alonso estará aposentado ou correndo em outra equipe.

    Fernando Marques
    Niterói RJ

    • Carlos Chiesa disse:

      Hehehe!
      É isso aí, Fernando. Para ser campeão, tem de ser bem louco, mas vale discutir caso a caso. Uns disfarçarão melhor do que outros, como disse. Geralmente aqueles que se contentam com um único título – Kimi Raikkonen, Alan Jones e Keke Rosberg, por exemplo – eu acho que são quase normais.

      Abração

      Edu

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