Medo à liberdade 1

Fórmula 1 LXX
20/02/2020
Medo à liberdade 2
03/03/2020

Conforme se aproxima o fim do atual Concorde Agreement, que definiu a Fórmula 1 com seu regulamento tal como a conhecemos até hoje, temos visto como aparecem propostas com o fim de conseguir um maior equilíbrio entre as equipes e, desse modo, lograr melhorar o espetáculo na base de uma maior competitividade entre elas para a temporada de 2021.

Uma das maiores preocupações é conseguir que os carros sejam capazes de correr mais juntos uns dos outros, de modo a facilitar as ultrapassagens. Para resolver isso, foi introduzido em 2011 o ridículo e antiesportivo DRS.

Ao ler as informações e comentários a respeito dessas mudanças, me vem à memória o livro do insigne psicoanalista Erich Fromm  “O medo à liberdade”. No livro, ele faz uma detalhada análise da relação do homem com a liberdade, que tanto anseia, mas que, de igual maneira, tanto lhe aflige.

Assim, uma vez se consegue essa almejada liberdade, chegamos a desenvolver um verdadeiro medo a ela e, quanto mais poder se tenha, mais se procura limitar essa liberdade, numa tentativa de nos livrarmos da ansiedade que nos provoca, como se não soubéssemos o que fazer com ela.

Segundo tenho lido, há algumas áreas básicas que se pretendem “atacar” para conseguir essa igualdade entre as equipes e Ross Brawn, Pat Symonds e Nicholas Tombazis, são os encarregados pelo FIA de apresentar as propostas pertinentes, que tratam dos seguintes aspectos :

– conseguir que os carros perseguidores não sofram os adversos efeitos da enorme perda de downforce que, atualmente, se calcula em cerca de 50%. Nessas condições, correr na esteira do carro da frente resulta numa quase impossibilidade de ultrapassá-lo. Para isso, se pretende a volta do efeito solo por meio dos venturis laterais (como na era do carro asa dos anos 70s). Com isso, se espera uma drástica redução das turbulências que os atuais carros geram, para deixar a perda de downforce a níveis muito mais manejáveis e menos perturbadores. Como disse Tombazis: “O que nos interessa é o que acontece no carro de atrás!”.

Resulta curioso que se pretenda, assim, facilitar as ultrapassagens, mas, ao mesmo tempo, se mantenha o DRS. Se, com isso, os carros podem correr juntos, sem problemas, para que diabos se mantém o DRS?

– Outra das propostas diz respeito aos pneus e à eliminação da exigência de sua alta degradação, que aumentava ainda mais no carro perseguidor. Assim mesmo, se pretende a introdução de rodas de 18 polegadas de diâmetro, em lugar das atuais de 13 polegadas. Com isto se busca que as suspensões recuperem o protagonismo perdido, pois eram os pneus, com seus altos ombros, os que vinham fazendo boa parte do trabalho daquelas. Também se proíbem os aquecedores de pneus.

– De capital importância e outro objetivo no ponto de mira é o de conseguir encurtar a enorme distância entre as equipes de ponta e o resto delas. Segundo Brawn, isso se conseguiria com especificações aerodinâmicas bem definidas, reduzindo assim o campo de trabalho nessa área. Deste modo, continua Brawn, se a importância da aerodinâmica como elemento diferenciador no rendimento do carro é muito menor do que a atual, haverá muitas menos oportunidades de encontrar vantagem nesse campo, que é precisamente onde as grandes equipes dedicam enormes recursos que as outras não têm. Contudo, temo que uma redução nas oportunidades de encontrar alguma vantagem nesse campo, apenas fará que resulte mais caro encontrá-la, pois não creio que as equipes renunciem à sua busca.

– A última proposta se refere à limitação dos orçamentos. Algo nada novo e que, até agora, nunca foi levado a sério (mas este é um assunto que merece um debate em si mesmo e, de fato, aqui no GPTotal já o tivemos em alguma ocasião).

Por agora, se pretende limitar os custos por meio de uma maior estandardização de componentes do carro, como radiadores, rodas, freios etc., algo ao que as equipes se opõem, pois, além de ir a contra da filosofia da Fórmula 1, limitaria, uma vez mais, sua liberdade de ação, ao requerer que as equipes investissem em se adaptar ao que se lhes fornecesse (o que não resultaria em poupança nenhuma).

Como passo prévio à promulgação do novo regulamento, e como Jean Todt diz não querer que este seja uma imposição da FIA (ainda que tenham poder para isso), as propostas foram enviadas às equipes e a maioria delas disse não estar de acordo, arguindo que representavam uma séria limitação na sua liberdade de desenho dos carros.

Apenas quatro equipes se mostraram favoráveis às propostas – Alfa-Romeo, McLaren, Williams e Renault, ainda que as duas primeiras tenham sugerido algumas mudanças. Zak Brown, chefe da McLaren concretamente disse: “Se as regras fossem mantidas um pouco mais abertas, você poderia tomar mais algumas decisões”.

Dentre os opositores, temos a Toto Wolff, da Mercedes, que ainda acha que a melhor opção é manter as regras atuais, uma vez que a estabilidade dos regulamentos pode ajudar a um reagrupamento das equipes. Ele disse: “Nossa opinião é deixar as regras como estão, porque com a estabilidade sempre houve uma convergência de valores na pista”. Neste caso, temo que Wolff apenas trate de manter a vantagem que possui com o atual regulamento. Isso é extensivo assim mesmo à Ferrari e Red Bull, que também se mostram opostas às novas propostas. Já as outras três equipes reticentes, curiosamente, são as suas satélites, Racing Point, Hass e Alpha Tauri, respectivamente. No seu caso, não sabemos se por convicção ou simples submissão à equipe “nutriz”.

Porém, as palavras de Wolff me suscitaram a curiosidade de comprovar se havia algum fundamento no que dizia, pois logo achei que havia sido justo o contrário o que havia acontecido ao longo da história. Assim, tratei de fazer um análise dos campeonatos de construtores para ver se havia alguma relação entre a tal convergência que defendia Wolff e a estabilidade no regulamento.

Me concentrei no período que começa com a temporada de 1970 até 2019, a última. Desde 1970 a 1999, analisei as temporadas de cinco em cinco anos, além de algumas que me pareciam especialmente significativas por algum evento especial, como a de 1978, ano do primeiro título conseguido por um carro asa com a Lotus; a de 1988, com o domínio da McLaren-Honda ou a de 1993, último ano antes de que se proibisse toda a eletrônica embarcada que fazia gala à equipe Williams, lhe permitindo dominar a categoria. A partir da temporada de 2000, todos os campeonatos foram analisados.

Concluo em nosso próximo encontro, na próxima semana

Abraços

Manuel Blanco

Manuel Blanco
Manuel Blanco
Desenhista/Projetista, acompanha a formula 1 desde os tempos de Fittipaldi É um saudoso da categoria em seus anos 70 e 80. Atualmente mora em Valência (ESP)

1 Comment

  1. Fernando marques disse:

    Manuel,

    Outro bom tema no Gepeto.
    Que venha a segunda parte.

    Fernando Marques
    Niterói RJ

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