Mistério

GP da Inglaterra a perigo
19/11/2001
Interlagos
23/11/2001

Edu,

Sinceramente, acho que essa ameaça de levar o GP da Inglaterra para a Alemanha é outra daquelas notícias que só foram lançadas ao ar para fazer barulho. O orgulho britânico e o fato de quase todas as equipes terem sede na Inglaterra jamais deixariam acontecer uma coisa dessas. Pode relaxar, homem…

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Você se lembra que na minha carta de sexta-feira eu mencionava a ida de Piquet para a Lotus, em 1988, como marco do início de seu declínio? Bem, quero retomar esse assunto, pois o péssimo desempenho da Lotus naquele ano continua sendo um dos grandes mistérios da história da Fórmula 1.

Quem acompanhava na época se lembra: as equipes que tivessem motor Honda largavam com uma bela vantagem sobre as outras na luta pela vitória. Em 1987, a Honda forneceu motores à Lotus e à Williams – que, com Piquet, conquistou o primeiro título de pilotos da marca japonesa na F 1.

Em 1988, último ano dos motores turbo na F 1, a Honda acompanhou os dois pilotos brasileiros: Piquet deixou a Williams e foi para a Lotus, enquanto Senna saiu desta e foi para a McLaren. A Williams foi abandonada pela Honda e, por pura falta de opção, contentou-se com os fracos motores aspirados Judd. A Ferrari, portanto, seria a única outra equipe de ponta a ter motores turbo, indispensáveis para lutar por vitórias ou, pelo menos, oferecer algum combate aos Honda. Em suma, apostava-se em uma disputa mais ou menos equilibrada entre McLaren, Ferrari e Lotus.

Todos os prognósticos furaram. Em 16 corridas, a McLaren venceu 15 e a Ferrari ganhou a restante. Quanto à Lotus, teve como melhores resultados três terceiros lugares e terminou o campeonato de construtores em 4º lugar – atrás da Benetton, que usava motores aspirados, empatada com a Arrows e por pouco não sendo superada pela Williams e pela March (outra equipe que usava motores Judd). Piquet foi o 6º colocado entre os pilotos e seu companheiro de equipe, Satoru Nakajima, só conseguiu marcar um ponto no campeonato (contra os 7 de sua temporada de estréia no ano anterior).

Como pode? Teria Piquet desaprendido sua arte ou perdido a motivação em apenas um intervalo de temporada? É claro que não. A explicação óbvia para um desempenho tão apagado (para dizer o mínimo) é que o Lotus 100T da temporada de 1988 era incrivelmente ruim. Reconhecido por todos era o fato de que o carro tinha um chassi cuja rigidez torcional podia ser comparada à de um colchão de água. Era impossível torná-lo competitivo: tratava-se de um projeto totalmente errado – assinado por um projetista considerado um dos gênios da época, o francês Gerard Ducarouge.

Pouco depois daquela temporada infeliz, Piquet afirmou ter identificado seis erros de projeto tão logo o 100T foi apresentado. O carro contrariava todas as diretrizes e orientações passadas pela Honda às equipes que usariam seus motores: enquanto os McLaren eram baixos, estreitos e compactos, os Lotus eram horrivelmente altos e largos – basta comparar as fotos de um e de outro. Piquet, recém-chegado à equipe, quis evitar atritos imediatos e preferiu adotar uma postura cautelosa, apontando os erros aos poucos em vez de sair dizendo logo de cara que estava tudo errado e precisava ser corrigido. Não adiantou muito, pois o ambiente na equipe já era péssimo logo na primeira corrida, no Rio de Janeiro. Piquet também confiava em sua capacidade de acerto (que sempre foi imensa) para corrigir aquela aberração e transformá-la em um carro minimamente competitivo. Em vão: não havia modificação que surtisse algum efeito. Era como injetar medicamentos em um doente terminal, que simplesmente não reage mais ao tratamento.

Repito: permanece um mistério a razão de Ducarouge ter criado um carro tão ruim. Nos anos anteriores, seus projetos levantaram rapidamente a Ligier (1979 e 1980), a Alfa Romeo (1981 e 1982) e a própria Lotus (a partir de 1983), todas vindo de fases difíceis, com carros pouco competitivos. Já ouvi até mesmo a hipótese de Ducarouge ter recebido dinheiro “por fora” para projetar um carro ruim (algo na casa dos US$ 2 milhões; parece pouco hoje, mas era um bom dinheiro para a época. Piquet, então o piloto mais bem pago, ganhava cerca de US$ 6,5 milhões) e, assim, afastar a Lotus da disputa pelo título. Nesse caso, fica mais uma pergunta: quem teria interesse tão grande na queda da Lotus a ponto de pagar tal soma a Ducarouge?

Nada disso jamais foi comprovado – e, mesmo que realmente tenha acontecido, duvido que a verdade venha à tona um dia. Verdade ou mentira, o fato é que Ducarouge saiu da Lotus antes do final do ano e, ao contrário de outros bons projetistas que também assinaram projetos infelizes, nunca mais teve credibilidade na F 1. O máximo que fez foi dar consultoria a equipes pequenas antes de sumir do cenário. Outro fato é que seu projeto errado colocou a Lotus no corredor da morte. Ela perdeu a Honda no final de 1988, perdeu Piquet no final de 1989, perdeu o milionário patrocínio da Camel no final de 1990 e disputou sua última temporada em 1994. A injeção letal seria dada em janeiro de 1995, na forma de um anúncio oficial do encerramento das atividades do Team Lotus.

Lembro-me de ter ficado deprimido ao ver o box da Lotus no GP do Brasil de 1991, o primeiro que cobri como jornalista. A outrora poderosa equipe de Colin Chapman era uma das duas únicas (a outra era, se não me engano, a medíocre Coloni) que não possuíam carro reserva. A pintura dos carros, ponto de honra para Chapman nos bons tempos, era feia, malfeita e com adesivos de patrocinadores colados a esmo, sem uma programação visual. O ambiente nos boxes da Lotus era idêntico ao de uma mansão pertencente a quatrocentões falidos. O único sinal de futuro que havia ali estava na figura de um de seus pilotos: o estreante finlandês Mika Hakkinen.

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Já que falamos de Piquet, segue o registro com um certo atraso: seu filho Nelson Ângelo Piquet ganhou (debaixo de chuva) em Cascavel, no Paraná, sua primeira corrida na F 3 sul-americana.

Foi nessa mesma pista que Piquet venceu em 1974 sua primeira corrida de Fórmula Super-Vê, categoria que tinha na época (aqui no Brasil, bem entendido) status semelhante ao que a F 3 tem hoje. Foi uma vitória engraçada: na última volta, Piquet era o 2º, pressionando fortemente o líder Júlio Caio de Azevedo Marques. Na última curva, Júlio Caio deu uma vacilada e Piquet tentou uma manobra arrojada para vencer. Júlio Caio resistiu e os dois acabaram batendo. Piquet recebeu a bandeirada rodando na terra, com a suspensão traseira direita quebrada. Júlio Caio, com o carro destruído, ficou a metros da linha de chegada.

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Uma dica para nossos leitores que pedem endereços de sites que contenham fotos variadas: entrem em www.motorracingretro.i12.com/home.htm. Garanto que vocês não vão se decepcionar.

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O que vem a seguir não tem nada a ver com automobilismo – cito apenas porque achei interessante. Achei entre minhas leituras atrasadas um artigo de página inteira do jornalista Sérgio Augusto, publicado em “O Estado de S. Paulo” no dia 22 de setembro.

No final, Sérgio fala das torres do World Trade Center. Reproduzo alguns trechos: “Em outras circunstâncias, milhares de novaiorquinos e adventícios teriam aplaudido sua implosão. (…) Eram duas excrescências arquitetônicas (…)”. Mais adiante, uma citação de um livro chamado “Architectural Guide to New York”, escrito em 1998 por Francis Morrone: “A melhor coisa do WTC não é oferecer a mais ampla vista de Nova York, mas ser o único ponto da cidade de onde não se vê o WTC”.

Finalizando, Sérgio Augusto comenta: “Quem o desenhou (o WTC) foi Minuro Yamasaki, japonês como a palavra camicase (…). Morto há 15 anos, Yamasaki, ironicamente, sofria de acrofobia. Seus arranha-céus eram, pois, uma projeção de sua morbidez. Bom carma não podiam ter”.

Dá o que pensar, não é?

Abraços,

Panda

GPTotal
GPTotal
A nossa versão automobílistica do famoso "Carta ao Leitor"

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