Momentum

Preocupações
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Engenheiro da vitória
30/05/2014

A análise de mais uma grande edição das 500 milhas de Indianápolis.

Domingo, aproximadamente 10h30, hora de Brasília. Lewis Hamilton segue caçando implacavelmente seu companheiro de Mercedes e líder Nico Rosberg. Mas é Mônaco, uma das mais tradicionais e importantes corridas do mundo, e onde a ultrapassagem está no limite entre o possível e o impossível. Assisto a tudo isso calmamente e relaxado, em posição confortável, ora olhando a cronometragem, ora olhando para a TV. Nem mesmo o incrível feito de Jules Bianchi de pontuar com a Marussia altera o quadro de calmaria, a não ser por sorrisos pelo inusitado.

Mesmo dia, aproximadamente 15h40, hora de Brasília. A Indianápolis 500 entra em seu quarto final. Depois de um longo período de acompanhamento de ritmo dos mais fortes, surpreendentemente sem bandeira amarela alguma, era hora do sprint final. Desde a largada, sou tomado por uma sensação diferente. Não há mais o relaxamento da manhã. O corpo está retesado. As pernas, nervosas, não param. Um olho na cronometragem, outro na televisão, em ritmo frenético. A pulsação também se altera, e o ritmo cardíaco está nitidamente mais elevado. Seria assim até a quadriculada, que me arranca aplausos.

Por mais que Mônaco seja Mônaco, e que a F1 seja o pináculo do esporte a motor, quem me fez ficar de beat acelerado foi a Indy 500. Que grandiosidade, que corrida. As edições dos últimos anos têm sido realmente especiais, e passar todo o mês maio revisitando sua História foi atividade pra lá de prazerosa.

A luta final pela vitória entre os carros amarelos, de Ryan Hunter-Reay e Hélio Castroneves, foi empolgante. Quatro mudanças de liderança nas última cinco voltas. Ultrapassagens por dentro, por fora, perseguição em trecho sujo, tentativa de fuga… No fim, apenas 60 milésimos (0.060s) de diferença entre os dois – pouco mais de um carro. Foi a segunda final mais apertada em 98 edições, perdendo apenas para a batalha de 1992 entre Al Unser Jr. e um surpreendente Scott Goodyear. Apenas 43 milésimos deram a vitória a Little Al.

Toda a batalha de vácuo tinha como componente fundamental o momentum. Não é possível liderar Indianápolis o tempo inteiro. E tão importante quanto ultrapassar é saber ser ultrapassado. Diante disso, ao atacar e ser atacado, era fundamental manter-se próximo ao seu rival, para conseguir ficar na linha de vácuo e superá-lo na próxima oportunidade. Há quem perca totalmente o momentum. James Hinchcliffe, Ed Carpenter e Townsend Bell – conjuntos muito fortes da corrida – mergulharam juntos na curva 1 após a relargada do giro 176. Acidente de prova que levou Hinch e Ed ao muro. Evitável, bastaria um dos três ter um pouquinho de bom senso.

Por mais que Marco Andretti tivesse um excelente carro em mãos, não conseguiu fazer melhor do que um terceiro lugar. Ele trabalhou o momentum de maneira pobre, atacando sempre de maneira agressiva demais. Helinho foi muito melhor no quesito, mas não melhor que Hunter, que sempre que era superado, já estava embutido na caixa de câmbio do oponente. Foi assim na abertura da última volta, quando passou lindamente por fora e não perdeu mais a liderança.

Marco Andretti, por sinal, mantém viva a Andretti Curse. Agora são 45 edições seguidas em que a família Ítalo-Americana participa da Indy 500 sem vencer, desde que o velho Mario venceu por lá no distante ano de 1969.

Lamento por Helinho. A bordo de um Penske com clássico layout Pennzoil, e com capacete igual ao de Rick Mears – meu piloto favorito de Indy -, o brasileiro tentava o tetra, que o colocaria em igualdade com AJ Foyt, Al Unser e o próprio Mears – os maiores de Indianápolis. Mas Hunter-Reay, claro, foi merecedor. Para quem não lembra, foi ele quem lutou pela vitória contra Tony Kanaan no ano passado, sendo ultrapassado pelo brasileiro momentos antes que uma última bandeira amarela determinasse o desfecho da corrida.

Com uma drástica redução de 68 (recorde) em 2013 para a exata metade de 34 mudanças de líderes em 2014, este ano ficou bastante destacado o caráter ‘fundista’ da corrida. Todos foram muito táticos durante os primeiros três quartos, em que o Pace Car, pilotado por Dario Franchitti, não foi requisitado. Mas tal característica não significou, de maneira alguma, que a corrida tenha sido enfadonha. Isso porque a própria corrida foi apurando os melhores conjuntos, que brigariam pela vitória no fim. A trama ia ficando cada vez mais interessante, volta a volta. Pit a pit.

Andar na frente, de cara pro vento, significava uma, ou duas voltas a menos de combustível, e não havia confirmação tática de pits, podendo até ser necessário o splash-and-go – que acabou não sendo necessário. Hunter-Reay e Helinho experimentaram andar na frente durante esse tempo, para compreenderem o contexto. De qualquer forma, todo e qualquer erro revelava-se fatal. Como os drive-thru por velocidade nos pits que tiraram Will Power, 8º, e Juan Pablo Montoya, 5º, da disputa pela vitória. Justo Montoya, que na Nascar, perdeu anos atrás a etapa de Indianápolis pelo mesmíssimo motivo quando era franco favorito…

Mas ninguém acumulou mais erros e infortúnios que a Chip Ganassi. O fim de semana foi dos carros da Andretti, da Penske, e do solitário pole Carpenter. Eram as equipes com melhor acerto, num ano em que os motores (Honda e Chevy) não influenciaram no desempenho dos conjuntos. A Ganassi, apesar de ter liderado o último treino livre, o famoso Carburetion Day, estava num patamar abaixo – mas não muito distante. Tiveram, porém, um fim de semana difícil.

Ryan Briscoe se atrasou logo no começo, estragando seus pneus para evitar uma batida nas voltas iniciais. Tony Kanaan foi vítima da constrangedora pane seca no 2º pit. Charlie Kimball, de quem não se espera muito em ovais, inaugurou as bandeiras amarelas. E Scott Dixon, que vinha como o melhor dos quatro, forçou demais e também assinou o muro, já nas voltas finais. Mas, para quem puxar pela memória, vai lembrar que o atual campeão da Indy estava à frente de Helinho quando rodou.

Ainda assim, tem sido um ano ruim para a equipe de Chip.

Dois pilotos a serem elogiados – ambos da Andretti. Carlos Muñoz, que ano passado chegou em 2º, provou que o bom resultado não foi obra do acaso e emplacou uma 4ª posição este ano. Mesmo sendo tão jovem (22 anos), andou como um veterano em Indy novamente.

E Kurt Busch, campeão 2004 da Nascar, que foi o melhor estreante, com a 6ª posição. Conhecido por seu temperamento explosivo que lhe rendeu de inimizades a demissões, Busch foi completamente outro em Indianápolis. Encarou a corrida como aprendizado e foi muito franco, muito humano, quando se acidentou em treinos e confessou que, após o choque, ficou inseguro ao volante. Fez uma corrida absolutamente limpa e focada, subindo aos poucos, se reacostumando a andar mais forte. Mandou muito bem já em seu primeiro ano. Certamente vai querer mais.

Por fim, presto reverências ao veterano cantor Jim Nabors. Diante de tantas tradições que acontecem nas 500 Milhas de Indianápolis, como o troféu, a garrafa de leite e o prêmio milionário, Jim é a tradição em pessoa. É ele quem canta desde 1972 Back Home Again in Indiana, o ‘hino’ do estado de Indiana, na cerimônia de abertura. Este ano, aos 83 anos, ele cantou pela última vez, aposentando-se da função. Boa aposentadoria, Jim!

Em três semanas, viveremos a terceira grande prova deste planeta. As 24 Horas de Le Mans, que promete dura batalha entre Audi, Toyota e Porsche. Mal posso esperar.

Aquele abraço!

Lucas Giavoni

Lucas Giavoni
Lucas Giavoni
Mestre em Comunicação e Cultura, é jornalista e pesquisador acadêmico do esporte a motor. É entusiasta da Era Turbo da F1, da Indy 500 e de Le Mans.

10 Comments

  1. Allan disse:

    Lucas, particularmente achei que desde a metade da prova RHR era o franco favorito, uma vez que aparentemente sua liderança ocasional era conquistada sem esforço. Pareceu-se que tinha mais velocidade final, pois ao meu ver – analisando-se as voltas finais – a distancia que separava ele do Helio era sempre a mesma quando um ultrapassava o outro, mas o piloto da Andretti rapidamente alcançava o oponente ainda no meio da reta, e o brasileiro apenas conseguia o troco no final da reta, com muito risco… Aí o Helio vem e diz que o Hunter-Ray tinha uma relação mais curta! Seria da última marcha? Mais curta não significaria menos velocidade final? O que achas?

    • Fernando Marques disse:

      Caro Allan,

      nas voltas finais as ultrapassagens do Helinho sobre o Hunter Heay e vice versa sempre deram-se na entrada da curva 1 … e em todas saber fazer o uso do vacuo foi predominante … acho que ali os equipamentos estavam bem semelhantes em termos de rendimento …

      Fernando Marques

      • Allan disse:

        Fernando, lembre-se que a penúltima ultrapassagem do RHR (volta 196) foi na reta oposta, ou seja, na entrada da curva 3! Baixei o vídeo do final da prova e realmente impressiona como o RHR se aproximava falcilmente do Helio, a ponto de passar dezenas de metros antes na reta dos boxes…

  2. Fernando Marques disse:

    Lucas,

    o texto diz tudo da corrida.
    A Indy 500 de 2014 foi de poucas bandeiras amarelas … tenho acompanhado as corridas e nos circuitos mistos o numero de bandeiras amarelas estavam bem alto … tornando-as monótonas e em muitas vezes dignas de dar sono … em Indianápolis pensei que ia chover bandeiras amarelas, até pela tradição do circuito em provocar muitos acidentes, que geralmente fazem parte do show e levantam a galera nas arquibancadas … este ano foi diferente neste quesito … a corrida foi em ritmo forte do inicio ao fim … exceto faltando 10 voltas quando aconteceu o acidente mais complicado e a corrida foi momentaneamente interrompida para limpeza da pista … aquela bandeira vermelha salvou a corrida, ou melhor, o final da dela que foi sensacional … caso contrário teríamos um final idêntico a de 2013 com bandeira amarela …
    O Helinho perdeu a corrida por detalhes … desde o inicio da prova seu conjunto mostrava que era forte e brigaria pela vitoria … o detalhe a meu ver é que se por acaso ele começasse a atacar o Hunter-Reay faltando 3 voltas para o fim e não 4 ele seria o vencedor … Helinho passou o Hunter no inicio da volta 197 e completou a volta na frente … Hunter só conseguiu dar o troco no inicio da 198 … liderou a volta e perdeu novamente a liderança para Helinho no inicio da volta 199 retornando a ponta no inicio da ultima volta … pegar o vácuo para ultrapassar só era possível na entrada da curva 1 … quem perdia a liderança só conseguia de novo encostar no líder na volta seguinte … Hunter Heay foi mais feliz por este detalhe … venceu merecidamente … mas se fosse Helinho o vencedor seus méritos seriam os mesmos do australiano …
    Fora isso vale destacar que como corrida as 500 Milhas deu um banho no GP de Mônaco.

    Fernando Marques
    Niterói RJ

    • Mauro Santana disse:

      Concordo contigo Fernando, mas até que o GP de Mônaco deste anos foi bom, em comparado com o GP de Mônaco de 2009, que foi vencido pelo Button de Brawn GP num GP monótono e sonolento.

      Naquele mesmo domingo de 2009, também foi realizada a Indy 500, que foi fantástica, e que foi vencida pelo Helio, à qual seria sua terceira conquista no Templo de Indianápolis.

      Abraço!!!

      • Fernando Marques disse:

        Mauro,

        não existe GP de Mônaco chato ou monótono … Mônaco tem características tão especiais que tudo pode acontecer … é o tipo da corrida que te prende do inicio ao fim … este ano não foi diferente … até por que o Hamilton correu um certo risco de perder a sua 2ª colocação no final da corrida, o que prendeu certamente a atenção de todos na frente da TV … foi uma boa corrida …
        mas a Indy desse ano já fazia tempo que não via uma igual … poucos acidentes, poucas bandeiras amarelas, todo mundo pisando fundo o tempo inteiro, aquele final de arrepiar …

        Fernando Marques

  3. Flaviz Guerra disse:

    Giavoni sempre preciso!
    E que tradução de sentimentos, não? Nas últimas voltas acho q assistimos juntos! rs

    E lá vamos nós para Le mans!!!

  4. Mauro Santana disse:

    Belo texto Lucas!

    Um tesão de prova as 500 Milhas, e com um final mais que eletrizante, pois foi de levantar do sofá e vibrar com um quase “gol” do Helinho, mas que mesmo assim, não deixou de ser uma corrida fantástica.

    Quero aproveitar o espaço pra comentar da TV bandeirantes, que este ano não interrompeu o final da prova(também puderá, né), mas eu estava assistindo a corrida e a todo o momento ficava olhando no relógio e com medo do horário do futebol chegar e a corrida ser interrompida para uma partida valendo nada com coisa nenhuma, pois convenhamos, o campeonato brasileiro ainda esta nas primeiras rodadas, e a turma que quiser assistir a pelada, que mude pra globo, pois a band não vai perder audiência com as 500 milhas.

    Enfim, fica aqui meu registro meio que traumático por causa das “CAGADAS” que a band vem cometendo nos últimos anos com uma prova tão tradicional como é a Indy 500.

    Saudades da Indy nos tempos da Manchete e do SBT, pois paravam até o Silvio Santos pra mostrar o Emerson e Cia.

    Abraço a todos!!

    Mauro Santana
    Curitiba-PR

    • A disse:

      Cara quanto a esperar o jogo começar e não ver o final da prova eu tive o mesmo medo. E dessa vez nem o canal fechado Bandsports estava transmitindo. Os bons tempos da transmissão no SBT foram antes da “brilhante idéia” de exibir as provas da Cart em VTs editados lá pela meia noite dos Domingos.

      • Mauro Santana disse:

        Verdade, e eu acho que o auge das transmissões do SBT foram nos anos de 95 e 96, pois era um verdadeiro ESQUADRÃO de Brasileiros alinhando no Grid.

        Depois, a coisa azedou mesmo.

        Abraço!!

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