Namastê, Vettel!

Bem-vindos a Índia!
28/10/2011
Nelson e Ayrton I
03/11/2011

Vettel fez a pole de sempre, liderou como sempre e venceu como sempre, em corrida com poucas ultrapassagens como sempre, em que os brasileiros se lascaram como sempre e Hamilton se meteu em esfregação de tinta como sempre.

 
Há basicamente duas formas de encararmos essa primeira visita da F1 à Índia.

A primeira forma é o viés da mesmice, bastante fácil de discorrer. Vettel fez a pole de sempre, liderou como sempre e venceu como sempre, em corrida com poucas ultrapassagens como sempre, em que os brasileiros se lascaram como sempre e Hamilton se meteu em esfregação de tinta como sempre. Também foi uma corrida que não mudou uma posição sequer no campeonato de pilotos, que já está definido, tampouco no de construtores, em condição idem.

Portanto, a corrida foi inútil e o espectador já pode partir para a próxima notícia ou atração que rolou no domingão. E vamos falar a verdade: esse normalmente é o roteiro informativo que é oferecido ao público que acompanha a F1 ocasionalmente, e que desta forma é induzido a achar que tudo é uma chatice com o tal Vettel ganhando tudo.

Sou, evidentemente, mais apto à segunda forma, com viés centrado em explorar as minúcias de tudo o que não foi mesmice – ainda que muitos fatos não sejam lá que muito positivos. Sim, Vettel dominou a corrida toda. Contudo, foi apenas a primeira vez que ele e sua Kinky Kylie (ele sempre batiza seus carros com um nome sexy) fizeram um Grand Slam, conjunto da pole, melhor volta e vitória de ponta a ponta.

Diante de uma hegemonia tão grande (que como gosta de lembrar o Edu, é parte inerente da F1, e eu complemento dizendo que vários vencedores é coisa de Nascar, muito mais um show do que um esporte), apenas nesta corrida tal supremacia se mostrou de forma plena.

A carreira meteórica e extremamente bem sucedida de Vettel sempre lhe garantiu recordes ligados à precocidade: mais jovem a pontuar, a marcar pole, a vencer, ser campeão, a ser bicampeão etc. A conquista da 13º pole no ano, igualando o feito de Senna em 1988 e 1989 e Prost em 1993 – pode chegar a 15 até o fim do ano! -, além da quebra do recorde de voltas na liderança em uma temporada (711, contra 692 de Mansell em 1992) mostram que Seb definitivamente partiu para outros recordes e que não é apenas um jovem de muito sucesso. Não há dúvida alguma que ele já é um campeão amadurecido, apesar de seus 24 anos. Levando em conta que certamente tem mais de 10 anos pela frente sendo competitivo e refinando ainda mais a sua arte, sai debaixo…

Tendo esse recorde sido quebrado na Índia, nada mais apropriado que usar o termo namastê, de origem sânscrita: significa literalmente curvar-se perante outro para reverenciá-lo, gesto que é feito com as palmas das mãos juntas, com punhos dobrados na altura do peito.

Namastê, meu caro Vettel!

 

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Button, em outra ótima exibição e merecido 2º lugar, acertou ao dizer que Sebastian estava inalcançável. Se matando para manter a distância em menos de 5s, o britânico viu o rival dinamitar o recorde de volta nas duas últimas passagens de uma maneira até constrangedora. Sempre forte nos fins de prova, como manda a cartilha dos ascendentes, Jenson cravou como seu melhor 1:27.967, justamente quando recebeu a bandeira quadriculada. Vettel, por seu lado, já havia feito 1:27.457 na penúltima passagem e, não satisfeito, ainda baixou para 1:27.249 na última.

Grosso modo, podemos dizer que, se Seb quisesse, poderia ser sempre meio segundo mais rápido que Button. Esta tática de abrir grande distância, no entanto, não seria recomendável, uma vez que os preciosos segundos conseguidos poderiam ser pulverizados no caso de um Safety Car, com efeito ainda pior depois, já que deste modo estaria com o carro mais desgastado, mais vulnerável a um ataque. O alemão simplesmente manteve-se à frente e fez marcação homem-a-homem nos pits: toda vez que Jenson trocava pneus, lá ia ele para também trocar os seus. Deste modo, não repetiria o erro na China, quando perdeu para um Hamilton que acertou em fazer um pit a mais.

 

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Já que mencionamos Hamilton, vamos a ele. Não sei se o amigo leitor já chegou ao mesmo nível de esgotamento que eu cheguei na questão das picuinhas (a gente trata assim o verbete ‘desavença’ aqui pelo interior paulista) entre ele e Massa. Eles conseguiram elevar essa disputa, que foi tão frenética e emocionante em 2008, ao nível do ridículo. Sobre esse novo choque entre ambos, penso que os dois deveriam ser punidos. Massa, por simplesmente ignorar a presença do rival na entrada da curva, quando já tinha meio carro, e Hamilton por ser o único que poderia ter evitado o choque, recolhendo o carro – coisa que ele nunca faz, nem quando tal atitude é a mais inteligente a se fazer.

Na pista, Hamilton insiste em sobrepor audácia e combatividade acima de qualquer outro atributo necessário a um piloto – entre eles a mencionada inteligência. Fora das pistas, parece que a falta da tutela de Ron Dennis, e não de seu pai Anthony, é que está lhe fazendo falta. O inglês tem se comportado como um irresponsável superstar do Jet Set, não como um cara que já é campeão mundial que conseguiu tudo o que queria dentro da pista e deveria continuar a valorizá-la sempre. Apenas muito tempo depois é que soubemos do titânico esporro que ele levou de Dennis após sua conduta suicida no Canadá[¹]. Lewis, que gosta tanto de dizer que se inspira em Ayrton Senna, deveria estudar pesadamente a determinação e compromisso que o mestre tinha.

Lewis já disse que terá um 2012 mais focado e concentrado. Entretanto, isso não passa de promessa política, ao menos por enquanto.

 

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O 3º lugar de Alonso e o 4º lugar de Webber são apenas um reflexo exato do que é o campeonato, com esse quarteto repetindo no Buddh International Circuit a tabela de pontuação. Diferentemente de 2010, quando teve um carro para conquistar vitórias – no plural –, o asturiano nem ao menos se interessou em entrar em uma disputa pelo vice-campeonato, jogando antecipadamente a toalha. Essa posição deverá ficar mesmo com Jenson, que teve um carro melhor e uma temporada realmente ótima.

Por um lado, agrada-me saber que a Ferrari desta vez promete para 2012 um modelo revolucionário, pois vejo que o automobilismo também é feito por riscos de mudar os conceitos aplicados até então – uma espécie de “doutrina Chapman”. O que me desagrada é ouvir que, nos bastidores, classificam esse novo carro como uma Red Bull pintada de vermelho. Tomara que não seja esse engodo.

Quanto a Webber, lamento muito a decaída motivacional que ele teve, proporcional ao crescimento de Vettel. Admiro muito o Mark, e a coerência que ele mostrou ao negar ser ajudado pela equipe para tentar ser vice apenas aumenta minha consideração. Ano passado, vale lembrar, ele não apenas ficou sem ajuda, como foi algumas vezes prejudicado pelo próprio time, que depositava suas fichas em Vettel.

 

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Michael Schumacher, 11º do grid, chegando à frente de Nico Rosberg, 7º, apenas reforça o quão boçal é a regra de pneus deste ano. Não, não estou tirando o mérito do bom 5º lugar de Michael. Apenas quero mostrar que é urgente a modificação da regra em que vale mais a pena poupar pneus do que conquistar posições no grid. E que a inclusão dos pneus de qualificação faria um bem danado para a F1, com as poles-canhão do passado e um natural e agradável embaralhamento do grid.

 

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Ao assunto “os brasileiros se lascaram como sempre”. Bruno Senna fez boa largada e até podia sonhar em ficar nos pontos, não fosse a quebra do Kers ainda nas primeiras voltas. Com ritmo pior sem a cavalaria extra e sem defesa contra ultrapassagens, foi caindo até o 12º lugar, atrás do companheiro Petrov, o maior levantador de poeira do fim de semana. Rubinho bateu logo na largada, vítima da pista muito, muito, muito suja fora da linha ideal e dos toques que quase sempre acontecem no fundão do grid. Com uma Williams cada vez mais sofrível, não tinha o que fazer senão simplesmente terminar a corrida.

Massa nem ao menos conseguiu isso. Depois do enrosco com Hamilton, quebrou outra suspensão dianteira, do mesmo modo como havia feito nos treinos, na temível orange kerb. Um dos modos mais seguros de se conseguir ganhar tempo nas curvas é jogar-se nas zebras, mirando um ponto de tangência mais adentro possível – até no vídeo-game nos damos conta disso. Vejo essas duas quebras como uma mostra de que Felipe realmente está tentando tirar tempo em relação a Alonso – mas talvez de simples e equivocado.

 

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Apesar de ser do mesmo infame Hermann Tilke de costume, o Buddh International Circuit parece ter agradado aos pilotos, os mesmos que sempre falaram que pistas como a do Bahrein são chatas de doer. O traçado é de alta, e o curvão 10-11-12 parece ser divertido. O único problema é que exige muita carga aerodinâmica, como as demais pistas deste alemão picareta, o que parcialmente explica a melhor adaptação da Red Bull.

A Índia agora pode gabar-se de ter corrida, equipe e pilotos no circo da F1, coisa que países como França e Brasil não podem falar. O preço dessa conquista é que parece ser alto demais. Recebi no meu Facebook um post do grande fotógrafo Paul-Henri Cahier (tremenda honra tê-lo no meu Face!), sobre uma matéria do jornal inglês The Guardian[²], mostrando que ao menos 50 trabalhadores do circuito e suas famílias estão há meses sem salário prometido, vivendo na mais completa miséria nos arredores do complexo, sem abrigo ou saneamento básico.

Na matéria também estão presentes denúncias de trabalho infantil, baixos salários e expulsão de famílias que habitavam o terreno antes da construção, sem qualquer tipo de reparação ou ajuda. Por outras fontes, li alguns relatos preocupantes sobre a extrema miséria local e a falta de estrutura para os trabalhadores, a ponto da base da torre de controle ter se tornado banheiro a céu aberto dos empregados da obra, com o esperado resultado de um cheiro insuportável quando o circo da F1 chegou. A poluição do ar também ficou evidente na névoa mostrada pelas câmeras aéreas, e pilotos carregavam água mineral até para escovar os dentes.

Para quem gastou o sabido montante de 130 milhões de libras esterlinas na obra, o preço desta globalização parece ser cada vez mais inaceitável. Bernie Ecclestone, daqui em diante, não é apenas classificado como uma raposa senil ávida por dinheiro: é um patrocinador unilateral da degradação dos direitos humanos.

Isso é triste demais. E tão ou mais revoltante que as mortes de Wheldon e Simoncelli.

Lucas Giavoni

[1]: https://gptotal.com.br/2005/Leitores/Help/20110614.asp
[2]: http://www.guardian.co.uk/world/2011/oct/28/indian-grand-prix-f1-workers

Lucas Giavoni
Lucas Giavoni
Mestre em Comunicação e Cultura, é jornalista e pesquisador acadêmico do esporte a motor. É entusiasta da Era Turbo da F1, da Indy 500 e de Le Mans.

3 Comments

  1. Posso falar? Perdi o tesão na F1 e por mais q seu post a defenda, estou a ponto de preferir a Nascar! Aliás, pra achar aldo diferente do Namastê da F1 tem que falar muito e aí fica até cansativo, feito a categoria e a narração do Bueno. P.S.: Não consegui ler o post até o fim. Coisas da voluptosa internet!

  2. Fernando Marques disse:

    O texto está muito bom e penso que em 2011 a temporada foi bastante movimentada apesar do poderio imbativel do Vettel/RBR …

    Fernando Marques
    Niterói – RJ

  3. Mauro Santana disse:

    Olha, na minha opinião, a única pista tesão que o Tilke já fez, foi a da Turquia, e infelizmente vai sair do calendário.

    Pra mim chega, não vou mais perder tempo assistindo a F1.

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