No tempo da Indy mortífera

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Assistimos neste mês de maio de 2017 Fernando Alonso fazer sua estreia em Indianapolis com um carro da Indy, uma marcante participação do espanhol no solo sagrado de Indiana que resultou em liderança provisória da prova, combatividade e o troféu de melhor novato do ano.

Vinte e cinco anos atrás, um piloto tão genial quanto Alonso também estreava em Indianapolis, mas da pior forma possível. Sem conseguir um cockpit competitivo na F1 para 1992, Nelson Piquet aceitou um convite de John Menard para experimentar a Indy, naquele momento vivendo um ótimo momento em termos de crítica e público.

Nelson Piquet rapidamente se adaptou ao Lola-Buick e era um dos mais rápidos nos primeiros testes. O brasileiro chegou a declarar que era fácil ser rápido contra os pilotos da Indy. No dia 7 de maio Piquet perdeu o controle do seu carro na curva 4 e bateu de frente a quase 350 km/h, num dos acidentes mais brutais da história recente de Indianápolis.

[su_youtube url=”httpv://youtu.be/fJjTfk29nME”]

Com os membros inferiores duramente afetados, a carreira de Piquet praticamente terminou ali, mas o acidente de Nelson apenas iniciou um dos mais conturbados meses de maio em Indianápolis. Além de Piquet, Pancho Carter e Hiro Matsushita também quebraram as pernas durantes os treinos. Pior sorte teve o jovem filipino Jovy Marcelo, que faleceu no dia 15 durante um dos treinos. Marcelo era estreante em Indianápolis.

[su_youtube url=”httpv://youtu.be/CcuEQda4JXc”]

A corrida também foi muito conturbada. Os pneus Goodyear distribuídos naquele ano eram muito manhosos, e pra piorar, o dia da corrida estava absurdamente frio, como jamais havia acontecido na história: 11ºC, com sensação térmica de 3ºC devido aos ventos que sopravam a até 37 km/h! Essa terrível condição meteorológica afetava em muito o aquecimento da borracha e a estabilidade dos carros, mesmo em reta. E eis que a bandeira verde nem foi agitada e o pole position Roberto Guerrero rodou bisonhamente na volta de apresentação. Era o prenúncio de um dia difícil para os competidores.

[su_youtube url=”httpv://youtu.be/WKX2n1DmNbY”]

Foram vários acidentes durante a prova, incluindo o segundo acidente grave de Rick Mears no mês, fazendo o ‘Rei dos Ovais’ anunciar sua aposentadoria no final da temporada. A edição de 1992 marcaria as últimas 500 Milhas não apenas de Mears, mas também de AJ Foyt, Tom Sneva e Gordon Johncock – todos grandes vencedores.

Jeff Andretti sofreria um acidente muito parecido com o de Piquet durante a corrida e sua carreira praticamente terminada naquele dia. Foram treze carros acidentados seriamente ao longo do mês, enquanto Al Unser Jr. vencia de forma emocionante uma disputa no final da prova contra Scott Goodyear, amenizando um pouco o clima pesado e de muita dor daqueles dias. Até hoje, a edição de 1992 foi a de final mais apertado.

[su_youtube url=”httpv://youtu.be/D6z5m_MKj3E”]

Dezenove anos antes, Indianápolis teve outro maio ainda mais tumultuado, que marcou a categoria fortemente. Foram três mortes e doze feridos gravemente em 1973.

A USAC, que ditava as regras da corrida, havia liberado o uso de aerofólios apenas um ano antes, e as velocidades médias aumentaram vertiginosamente, sem que a segurança conseguisse acompanhar essa crescente. Era uma época em que os pilotos enfrentavam o solo sagrado de Indianápolis com carros rapidíssimos, mas com combustível até o talo no tanque e a segurança beirando a precariedade, naqueles monocoques feitos de alumínio. Porém, a época permitia e até incentivava esse tipo de loucura.

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Grandes pilotos como Johnny Rutherford, Bobby e Al Unser, Mark Donohue, Mario Andretti e AJ Foyt arriscavam seus pescoços pela vitória, além do gordo prêmio em dinheiro do qual o vencedor tinha direito. Naquela época já se distribuía um total de 1 milhão de dólares, e o vencedor ficava com quase um quarto disso.

Assim como em 1992, o clima sinistro começou ainda nos treinos com a morte de veterano Art Pollard, que se tornava a 47º vítima fatal de Indianápolis. Piloto mais velho do grid na época, com 46 anos, Pollard morreu na hora quando estampou seu carro na curva 1, capotou logo em seguida e seu carro incendiou-se.

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Johnny Rutheford ficou com a pole em seu McLaren-Offenhauser, mas os grandes favoritos eram os carros Eagle. No dia 28 de maio, a segunda-feira da semana do Memorial Day, estava muito nublado e a largada já havia sido atrasada pela insistente chuva. Para piorar, havia perspectiva real de mais chuva naquele restante de tarde. Dada a largada, um enorme acidente fez com que a programação atrasasse e a esperada chuva deu finalmente as caras logo depois, adiando a corrida em um dia.

O americano Salt Walther largava em 17º, na coluna do meio, quando foi tocado por Jerry Grant. O McLaren de Walther foi jogado de cabeça pra baixo contra a cerca de segurança em plena reta e, com tanques cheios, espalhou combustível para o público que estava próximo do local do acidente, ferindo seriamente onze pessoas. Com a pista encharcada de combustível e óleo e vários detritos, vários pilotos derraparam e bateram, totalizando nove carros acidentados.

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O caso mais sério, porém, era mesmo de Walther, que para deixar a sua situação mais dramática, além do fogo, a frente do seu carro foi arrancada e seus pés ficaram expostos. Com a pista cheia de detritos e a chuva caindo forte, a corrida foi adiada para terça-feira, mas o clima em Indianápolis estava ainda pior naquele dia, incluindo nevoeiro. A prova só seria reiniciada na quarta-feira.

Os pilotos já estavam apreensivos e os torcedores, em muito menor número nas arquibancadas, cansados. A corrida já era conhecida como as ‘72 Horas de Indianápolis’. E para piorar, a quarta-feira amanheceu chovendo novamente, mas por volta do meio dia a chuva parou e a segunda largada foi dada às duas horas de tarde.

Bobby Unser dominou o início da prova até seu Eagle quebrar. Quem assumiu a liderança foi a nova promessa do automobilismo americano e discípulo de Dan Gurney, o jovem Swede Savage, de 26 anos. Com um estilo James Hunt de ser, o californiano Savage era um piloto bastante promissor e tinha tudo para seguir os passos do seu tutor.

Na volta 57, Savage fez seu pit-stop normalmente e encheu seu tanque de combustível. Porém, duas voltas mais tarde, ele perdeu o controle do seu carro na saída da curva quatro e foi em direção ao muro interno. O acidente foi violentíssimo, com o Eagle se desintegrando e explodindo em chamas.

[su_youtube url=”httpv://youtu.be/mzYUZFQr-K4″]

Imediatamente os pilotos que vinham atrás pararam seus carros, enquanto o socorro era feito. Apesar da severidade do acidente, Savage estava consciente e tentou sair do carro sozinho, mas seu estado era crítico, com várias queimaduras pelo seu corpo. Para completar a tragédia, o jovem Armando Teran, mecânico da equipe Patrick, de Savage, vendo a violência do acidente, correu em direção ao local do acidente, mas acabou atingido por um dos carros dos bombeiros, tendo morte instantânea.

A corrida foi interrompida para a pista ser limpa e quando a terceira largada foi dada, Gordon Johncock, companheiro de equipe de Savage, foi o vencedor da prova, que não teve suas 500 Milhas completadas por causa de outra pancada de chuva – foram dadas apenas 133 de 200 voltas. Essa nova chuva foi até um alívio, pra que tudo acabasse logo de uma vez.

Cansados e horrorizados, a Indy juntou os cacos de uma edição histórica e aprendeu várias lições. Os tanques de combustíveis foram diminuídos na tentativa de diminuir os incêndios que caracterizaram a Indy 500 de 1973. Os carros foram alterados em sua aerodinâmica para que fossem mais lentos, com aerofólios menores.

Outra modificação se deu no muro interno da curva 4, que teve seu ângulo mudado para evitar outro acidente como o de Savage. Suspeitou-se de um problema no pneu Firestone dele na época e, com isso, a fabricante americana abandonou a Indy por mais de vinte anos. Porém, a tragédia daquela edição não havia terminado. Swede Savage ficou vários dias internado no hospital Metodista em estado grave e acabaria falecendo 33 dias por problemas em seu tratamento.

A Indy aprendeu duras lições em 1973 e 1992, tornando os carros mais seguros a ponto de Fernando Alonso sair da F1 sabendo dos riscos que uma corrida em oval traz, mas tendo certeza de que a segurança de hoje é muito maior comparada a outros tempos, quando as 500 Milhas de Indianápolis eram também conhecidas como um das mais mortíferas do automobilismo.

Abraços,
JC Viana

JC Viana
JC Viana
Engenheiro Mecânico, vê corridas desde que se entende por gente. Escreve sobre F1 no tempo livre e torce pelo Ceará Sporting Club em tempo integral.

2 Comments

  1. Mauro Santana disse:

    Belíssimo texto JC!

    Realmente foram dois anos bem marcantes para a Indy, mas que soube aprender com as tragédias que ocorreram.

    Foram barras pesadas!

    Abraço!

    Mauro Santana
    Curitiba PR

  2. Rubergil Jr. disse:

    Essa coluna foi de matar. OK, perdoe pelo trocadilho de humor negro. Um pouco de leveza num assunto tão trágico…

    Belíssima coluna e ótimo trabalho de pesquisa, JC. É impressionante lembrar como era mortífero o automobilismo naqueles tempos selvagens.

    Mas pra mim, o acidente do Gordon Smiley em 1982 ainda foi O MAIS horripilante que eu já vi. Fico imaginando o que deve ter se passado na cabeça dos demais pilotos quando viram o acidente. Mas piloto é marrento sempre: com certeza todos pensaram “ah, foi falha do Gordon de tentar corrigir o carro, comigo isso não vai acontecer”.

    E impressiona saber que o Gordon Johncock venceu essas 2 edições malditas de Indy, 1973 e 1982. Que fibra tinha esse homem.

    Coluna do Julio Slayer sobre Indy 1982: http://gptotal.com.br/?p=11040

    Abraço!

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