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Corridas históricas em que até o último momento não se sabia quem seria o vencedor...

Existe uma expressão que é muito interessante e nos ajuda a refletir nas diversas situações ao qual estamos expostos na vida: “A vitória não é eterna e o fracasso não é definitivo”.

E olha, são muitas as situações que temos a nossa frente diariamente para enfrentar. A luta é constante e, sejamos bem sucedidos ou não, o dito acima acaba servindo para nos mostrar que não podemos ficar indefinidamente presos a um determinado modo de encarar o que nos acontece. Não devemos esmorecer nas dificuldades ou achar que o sucesso nos faz mais, ou melhor, que outras pessoas.

Recentemente, um questionamento me aflorou e me senti estimulado a buscar a resposta. Minha curiosidade foi acerca de qual piloto na F1 ganhou uma corrida percorrendo o menor espaço já realizado como líder de uma prova.

Encontrei em minha pesquisa 12 GPs decididos de maneira em que o vencedor só foi registrado como líder na última volta. Vamos a elas:

1 – 1959, EUA: Bruce McLaren (Cooper T51)
2 – 1964, Bélgica: Jim Clark (Lotus 25)
3 – 1967, Itália: John Surtees (Honda RA 300)
4 – 1968, Bélgica: Bruce McLaren (McLaren M7A)
5 – 1970, Mônaco: Jochen Rindt (Lotus 49C)
6 – 1977, França: Mario Andretti (Lotus 78)
7 – 1878, África do Sul: Ronnie Peterson (Lotus 78)
8 – 1991, Canadá: Nelson Piquet (Benetton B191)
9 – 1997, Hungria: Jacques Villeneuve (Williams FW19)
10 – 1997, Europa: Mika Häkkinen (McLaren MP4/12)
11 – 2003, Brasil: Giancarlo Fisichella (Jordan EJ13)
12 – 2011, Canadá: Jenson Button (McLaren MP4/26)

O GP dos Estados Unidos de 1959 é o primeiro da lista. Foi uma prova realizada no circuito de Sebring e decidia o título daquele ano. Foram 42 voltas disputadas, e a princípio parecia que Jack Brabham levaria facilmente o título, uma vez que ele assume a ponta na volta 6 e lá permanece até o inicio da última volta. Porém, para desespero do piloto e excitação do público, na metade da volta seu carro fica sem combustível.

Seu companheiro Bruce McLaren o seguia de perto e rapidamente desacelera quando percebe a diminuição de Brabham, mas vendo Maurice Trintignant se aproximando, ele volta a acelerar e ganha a corrida. Jack Brabham desce do carro e, numa cena dramática, empurra o carro até a linha de chegada marcando o quarto lugar, essa posição lhe garante o título. Mas o que chama a atenção é que Bruce McLaren se tornava o mais jovem piloto a vencer uma corrida – essa marca perdurou por mais de 43 anos – e é o primeiro piloto na história a vencer uma corrida tendo liderado apenas na volta final.

httpv://youtu.be/5FXgBbxsE6Q

A corrida seguinte da pesquisa é o GP da Bélgica de 1964, disputado em Spa em 32 voltas. Para essa corrida, a Lotus prepara a estreia do modelo 33, uma versão melhorada do modelo 25, campeão do ano anterior. Mas uma pane pouco antes da largada obriga Clark a correr com o 25. Na largada, um bloco composto por Dan Gurney, Jim Clark, Graham Hill, John Surtees e Peter Arundell se destaca na frente dos demais competidores. A partir da quarta volta, Gurney vai para a liderança da prova e começa a se afastar do pelotão, abrindo boa vantagem dos demais

Faltando quatro voltas, a situação toma contornos dramáticos e fica incerto quem vai vencer, pois começa a aparecer uma série de problemas, que atinge a todos os candidatos à vitória.

O primeiro a parar foi Jim Clark. Ele vai aos boxes com problema de superaquecimento do motor. Os mecânicos levam pouco mais de um minuto para reabastecer seu radiador e, quando ele volta, está bem atrasado, mas mantém a quarta posição

Na volta seguinte, subitamente, o líder Gurney tem de abrandar o ritmo para poupar combustível e nem sabe se tem suficiente para chegar aos boxes. Ele consegue chegar, mas numa situação improvável para os dias de hoje, os mecânicos não estão preparados e a equipe sequer tem combustível para reabastecer o carro. Gurney sai dos boxes furioso e seu carro logo para com pane seca.

Entrando na volta 32, o novo líder é Graham Hill. E não é que a bomba de gasolina do inglês quebra a meia volta do fim? Bruce Mclaren assume a ponta e parece caminhar firme para a vitória. Só falta meia volta para ele percorrer, mas corrida só é ganha na bandeirada e seu carro já apresentava falhas de funcionamento, pois o combustível estava acabando.  O golpe vem no contorno da curva Source e o motor morre de vez. Ele segue no embalo, vendo a meta a sua frente. Só que com apenas 100 metros da linha de chegada, Jim Clark aparece em velocidade e ultrapassa Bruce para vencer.

Essa foi a corrida da história, segundo a pesquisa que fiz, em que o vencedor percorreu a menor distância em um GP como líder para obter a vitória. Foram apenas 100 metros.

Na sequência, aconteceram em todos esses anos mais corridas com o vencedor liderando apenas a última volta. As situações variam, desde a falta de sorte de alguns, avarias mecânicas ou erros em momentos sob pressão.

Tendo o elemento da falta de combustível como motivo, posso citar o GP da Bélgica de 1968, onde um Jackie Stewart liderou com muita tranquilidade até abrir a última volta e seu carro ficou sem combustível, com a vitória a cair no colo de Bruce McLaren – o mesmo que perdeu em Spa quatro anos antes. Duas marcas interessantes aconteceram na corrida. O primeiro é que Bruce passou à história como terceiro vencedor com um carro construído pelo piloto (o primeiro foi Jack Brabham e o segundo Dan Gurney) e, repetindo Sebring 59, essa foi a segunda vez que ele vencia uma corrida liderando apenas a última volta.

Nesse mesmo cenário, o GP da França 1977 pode ser apontado. John Watson com a Brabham BT45 liderou com muita personalidade a corrida por 75 voltas, sendo bastante pressionado por Mario Andretti. Na metade da última volta, seu carro começa a falhar por estar com pouco combustível e Andretti aproveita a oportunidade para passar Watson, faltando 800 metros para a chegada. Watson consegue usar as últimas gotas do tanque para ficar em contato com a Lotus, mas é tarde demais. A Brabham perde a oportunidade para encontrar o caminho para a vitória e seus membros ficam atônitos com essa derrota.

httpv://youtu.be/ogiKXG9SYQ8

Houve duas ocasiões em que um erro de um piloto próximo a chegada decidiu a corrida em favor de outro.

A primeira foi o GP da Itália de 1967, uma das corridas mais lembradas da história, primeiro por conta de um problema com Jim Clark e a Lotus 49, nessa que muitos consideram uma das maiores corridas do escocês, e claro, pela acirrada disputa entre Jack Brabham e John Surtees pela liderança. Brabham torna-se líder no giro final com a pane seca de Clark, mas erra a aproximação da Parabólica. O australiano abre em excesso e escorrega, dando a Surtees a oportunidade de ultrapassar. Surtees percorre cerca de 300 metros com um Brabham na sua cola, mas o Inglês vence com seu Honda.

A segunda foi em Mônaco 1970, novamente com Jack Brabham. Ele liderava há mais de 50 voltas, num circuito de difícil ultrapassagem. Com um Jack tão experiente naquela altura da vida, ninguém imaginaria um dos erros mais crassos da história: ao abrir a última volta ele tem mais de 2 segundos de vantagem para Jochen Rindt. O austríaco vem mais rápido, mas não o suficiente para passar. Entretanto, ao se aproximar do gasômetro (na época não existia a Rascasse), Jack erra a freada e passa reto, dando a Rindt a oportunidade de vencer. Este resultado é muito cruel para Jack Brabham: pela terceira vez em sua carreira, ele perde um primeiro lugar na rodada final. Aos 44 anos, apesar de várias temporadas e de seus três títulos mundiais de F1, ele erra como um novato.

Há ainda mais dois GPs em particular dessa pesquisa que assisti como torcedor, que me marcaram e que lembro muito bem até hoje.

O GP da Hungria em 1997 é um deles. Tendo sido campeão no ano anterior, Damon Hill foi dispensado pela equipe Williams e acabou acertando contrato com a pequena Arrows, que em 1997 utilizava o motor Yamaha de pouca potência e confiabilidade, muito pouco para um campeão do mundo. Durante a temporada, os resultados de Hill eram pífios, a Hungria era a 11° primeira prova daquela temporada e o inglês só havia feito 1 ponto até então. Nos treinos, ele surpreende e marca o terceiro tempo.

Vem a corrida e, de forma inesperada e surpreendente, Damon Hill assume a ponta na volta 11. Faz seu pit na volta 25, e na 30, retoma a ponta, abrindo uma vantagem de 30 segundos para Jacques Villeneuve. Na volta 74, faltavam apenas 3 para o fim quando o carro de Hill começa a apresentar falhas no acelerador e câmbio. Sua vantagem diminui de maneira assustadora, mas ele abre a volta final na frente. Com um ritmo muito mais lento, porém, ele perde a vitória, sendo ultrapassado a meio circuito da bandeirada.

Confesso que nesse dia como, milhares de fãs, fiquei frustrado com esse resultado. Mas Hill sempre teve um espirito muito esportivo e comemora o segundo lugar com euforia.

httpv://youtu.be/6bjhLCwMSY4

O GP da África do Sul em 1978 é o outro memorável. Patrick Depailler correndo no Tyrrell 008 assume a ponta na volta 64 e lidera até a volta 77. Ronnie Peterson, que corria na Lotus, vem descontando a vantagem de Depailler, que não se rende e não deixa brecha para a ultrapassagem do sueco. Vem a última volta e os dois protagonizam uma luta acirrada pelo primeiro lugar. O sueco leva a melhor, assumindo a ponta na metade da volta, ganhando a corrida por uma pequena margem.

Patrick Depailler está muito desapontado ao retornar aos boxes, afinal, ele termina em segundo lugar pela oitava vez na carreira e acaba desabafando a sua insatisfação a Ken Tyrrell, que por outro, lado está muito feliz com o resultado, porque pela primeira vez em dois anos, a sua equipe volta a ser competitiva nas disputas por vitórias. O velho Ken estava mais do que certo: alguns dias depois, Depailler vence em Mônaco e finalmente obtém a sua tão sonhada primeira vitória.

Em todas as histórias que envolvem esses GPs, é perceptível  que a vitória às vezes nos chega quando estamos muito próximos do final de uma etapa. É preciso acreditar e trabalhar duro até o último momento. E o contraponto é que muitos tiveram uma vitória certa tirada a muito pouco da meta: alguns até enxergaram o diretor de prova com a bandeira quadriculada na mão e foram obrigados a assistir, incrédulos, seus adversários levarem a bandeirada em primeiro, o que nos lembra que não se deve tirar o pé antes da hora, ou contar com um resultado antes que este aconteça. A glória da vitória não é eterna e o fracasso é não definitivo.

Como essa é minha última coluna do ano, desejo a todos que fiquem atentos às oportunidades que o novo ano vai trazer. Quer vencendo ou errando, não percam o entusiasmo por lutar sempre, independente do resultado.

Um bom final de ano e fiquem bem em 2015

Mário Salustiano
Mário Salustiano
Entusiasta de automobilismo desde 1972, possui especial interesse pelas histórias pessoais e como os pilotos desenvolvem suas carreiras. Gosta de paralelos entre a F1 e o cotidiano.

8 Comments

  1. A. Maria disse:

    O mundo da F1 é interessante. Tenho acompanhado os textos publicados e vou me expressar, de forma escrita, a satisfação ao acompanhar o desenvolvimento dos fatos pelo seu ponto de vista. Neste, em especial, observo uma lição importante que se ajusta e se aplica à vida de hoje, do cidadão comum. “É preciso acreditar e trabalhar duro até o último momento”. Cada dia, uma prova; cada momento, um resultado. O que noto nos exemplos citados é que a vitória não foi um acaso. O vencedor também estava lá. Parabéns, Mário.

  2. Mário Salustiano disse:

    amigos

    obrigado pelo apoio e incentivo, ao ler o que escrevo e comentar aqui me traz aquela sensação de estar indo por um bom caminho, esse é o espirito que trazemos aqui no gepeto, manter acesa as boas histórias e com isso por tabela termos essa interação.

    Amigo Wladimir, muito boa suas colocações e sem dúvida alguma concordo contigo que a Brabham viveu seus momentos de maior glória quando Bernie deixou nas mãos de Piquet e Murray o dia a dia da equipe, só retificando uma informação que voce nos traz, o erro de Ron Dennis quando mecânico foi de fato na Brabham, mas no carro de velho Jack no GP da Inglaterra de 1970, em 1977 Denis já estava no comando da equipe Project Four na Fórmula 2 e com intenções de entrar na F1, o erro de calculo em Dijon em 77 foi de Herbie Blusch.

    Valeu e continua nos trazendo seus comentários que junto com os demais amigos são bem pertinentes

    abração

    Mário

  3. wladimir duarte sales disse:

    Uma das muitas histórias da F1 sobre a derrota de Watson na França/1977 foi um erro de cálculo da quantidade de combustível cometido por um dos mecânicos, um certo Ron Dennis. Isso aliado à fama de beberrão do motor Alfa flat-12 e à perseguição de Mario Andretti nas voltas finais forçando Watson a aumentar o ritmo fecharam a conta. Uma pena. Mal consegui ver Watson correr pois só percebi a F1 a partir de 1983 e não assisti sua última e memorável vitória em Long Beach, saindo de 22º lugar!! A série MP4 da McLaren estava começando a mostrar constância e acho que Watson merecia o título de 1982 para uma aposentadoria com chave de ouro! Assim como merecia disputar os campeonatos de 1977 e 1978 mas foi descartado por uma série de detalhes: em 1977 o BT45b era bom mas padecia pelo alto consumo de combustível do motor flat-12 alfa e a equipe ficou afetada pela morte de José Carlos Pace; em 1978 Watson foi ofuscado pela chegada de Niki Lauda que não conseguiu evitar que o Bernie Ecclestone vendesse a própria equipe visando o poder político e econômico que tem até hoje na F1. A volta da Brabham às vitórias e aos títulos deveu-se a Nelson PIquet a partir de 1980 com o duelo feroz contra Alan Jones seguido pelos títulos de 1981 e 1983(este último o primeiro com motor turbo conduzindo o foguete bmw m12/13).

  4. Flaviz disse:

    Excelente Coluna Mário!

    E Lucas, essa vitória do Tony! Meu Deus! Como era legal a CART.

    Abraços

  5. Fernando Marques disse:

    Mario,

    mais uma vez show de bola!!!

    a vitoria de Mario Andretti em 1977 me recordo da minha tristeza pelo J. Watson e sua Brabham. Tudo em razão do falecimento do Moco naquele ano. Aquela Brabham certamente ia dar muitas alegrias ao Moco se não fosse seu acidente aéreo. E foi uma pena no final da corrida Watson ter tido problemas. A prova que o carro era bom, que atrás dele naquela corrida, Andretti já desenvolvia o carro asa da Lotus, que viria a ser imbativel no ano seguinte.
    A vitoria de Peterson tambem me recordo. Era fã do sueco e sempre vivrei com a sua carrera.
    A vitoria do Piquet no Canadá, foi a ultima dele na Formula 1 e me valeu um churrasco pois apostei que ele ainda poderia vencer corridas. Foi uma aposta de um Piquetista contra um Sennista e na maior zebra ganhei a aposta graças ao azar/bobagens comuns do Mansell … para azar deste meu amigo que frustado teve que fazer um churrasco para mim … hehehehehe

    Fernando Marques
    Niterói RJ

  6. Lucas dos Santos disse:

    Muito boa a sua coluna, Mário.

    Após lê-la, não pude deixar de lembrar da primeira vitória do Tony Kanaan na Cart, com a emblemática narração de Téo José:

    https://www.youtube.com/watch?v=0Wn4tymxzfc

  7. Mauro Santana disse:

    Excelente Mário!!

    Das quais eu pude assistir ao vivo, e que se tornou a minha predileta e que me rendeu muitas risadas, claro foi do Piquet x Mansell 91 no Canadá, rsrs, foi muito legal mesmo.

    Abraço!!!

    Mauro Santana
    Curitiba-PR

  8. Manuel disse:

    Muito legal, Mário !

    Aqui poderíamos aplicar o ditado popular que diz : ” Quem ri por último… ri melhor ! ”

    um abraço.

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