Nos ombros dos gigantes

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Recentemente, vi o filme “Borg VS McEnroe”. O filme narra a épica batalha entre o americano John McEnroe, então uma promessa, e o sueco Bjorn Borg, já consagrado como maior tenista do mundo. Aquela seria a 5ª final seguida de Borg em Wimbledon, ele defendendo um tetracampeonato na Inglaterra. Ele venceu – não, isso não é um spoiler! –, mas um ano depois, na sua sexta disputa  consecutiva pela taça, foi derrotado. Ele decidiria se aposentar pouco tempo depois. Aos 26 anos! O mundo do esporte ficou chocado.

De modo semelhante, muita gente se surpreendeu quando, no início de 2017, Nico Rosberg anunciou que estava saindo da Fórmula 1 não para disputar alguma outra categoria, mas simplesmente para descansar e aproveitar a vida ao lado de esposa e filhos. Parecia algo irracional: ele, então o atual campeão do mundo, estava abdicando da defesa de seu título, mesmo tendo o melhor carro do grid à sua disposição e milhões de dólares à sua espera.

Borg e Rosberg (ambos nórdicos, já que o pai de Nico é finlandês) estão muito distantes no que diz respeito ao tamanho histórico de ambos, mas nos mostram que talvez o que os separe dos Schumachers, Hamiltons, Fangios, Federers, Djokovics e Nadals – só pra falar dos maiores vencedores da história – não seja exatamente suas capacidades como desportistas.

Recentemente, em mais uma coluna-aula (leia aqui), Edu falou sobre Tânatos, a personificação da morte na mitologia grega. Edu define que ele foi essencial para o automobilismo do passado, e está em coma induzido na F1 atual. Outro nome da religião (Yes!) da Grécia Antiga é também fundamental para uma compreensão não apenas do esporte a motor, mas de toda e qualquer competição: falo de Nice, a deusa que personificava vitória, triunfo e glória.

Nem todos os esportistas são atingidos (abençoados?) por ela, mas dois nomes quase contemporâneos fizeram dela uma obsessão e, não à toa, são ainda os Top of Mind para fãs de diferentes gerações, passe o tempo que passar, e quebrem-se os recordes que forem quebrados.

O ano era 1984.

A seleção americana de basquete se preparava para as Olimpíadas. A regra ainda não permitia que atletas profissionais da NBA disputassem os jogos pela seleção, então era necessário que jogadores universitários ou atuantes de outras ligas ao redor do mundo defendessem as cores do país.

Para se testar e forçar a capacidade dos atletas locais – afinal, os jogos aconteceriam em Los Angeles – decidiu-se organizar uma pequena série de amistosos contra os “All-Stars” da NBA: lá estariam Magic Johnson, Isiah Thomas, Robert Parish, Larry Bird… a nata. No jogo principal, a arena de Indianápolis estava lotada, houve transmissão nacional, o presidente Reagan fez pronunciamento, enfim: era algo grande.

Do outro lado, os atletas que iriam disputar os jogos pelo USA team. As atenções estavam todas voltadas para o rapaz com a camisa de número 9: Michael Jeffrey Jordan. Os atletas olímpicos venceram. O principal nome da partida, com 27 pontos, foi Jordan.

Dois meses antes, do outro lado do oceano, acontecia outro evento histórico. Também com grande público, também com a presença de autoridades locais, também com confrontos entre nova geração e nomes já consagrados: era a reinauguração do autódromo de Nürburgring, que naquele ano voltaria para a Fórmula 1 – ausente desde a terrível edição de 1976.

O circuito agora estava “mutilado”, com 10 km a menos. Mas estava adaptado aos padrões da F1, pra sediar naquele ano o GP da Europa. Para mostrar esse novo traçado, organizou-se a chamada “Race of Champions”. O grid seria composto por grandes nomes do automobilismo mundial, dentre eles Niki Lauda, Jack Brabham, Stirling Moss e Alain Prost.

Alguns convidados não puderam participar, como Juan Manuel Fangio, que na época já estava com 72 anos, e Emerson Fittipaldi, que estava em treinos para as 500 Milhas de Indianápolis. Por conta de seu bom relacionamento com a Mercedes, e provavelmente por alguma dica do bicampeão mundial, a vaga de Fittipaldi passaria para o mais jovem do grid, que até então havia feito apenas 4 GPs na F1: Ayrton Senna.

Alain Prost cravou a pole-position naquele dia, à frente de Senna e do argentino Carlos Reutemann. Logo de início, porém, Senna tomou a ponta e não foi mais ameaçado. No pódio lhe fizeram companhia Niki Lauda (que viria a ser o campeão da F1 naquela temporada), e o próprio Reutemann, que havia deixado a categoria dois anos antes.

O mais fã-nático dirá: “Ele (e aqui você substitui o pronome por ‘Michael Jordan’ ou ‘Ayrton Senna’) provou que era o melhor contra os melhores” ou, ainda, “antes mesmo de se firmar na NBA/F1 ele já era o melhor do mundo“. Os céticos mais convictos irão apelar para o simplista “os outros jogadores/pilotos não estavam com o mesmo entusiasmo” ou “era só um amistoso/comemoração“.

Mas duas análises, vindas de duas pessoas estiveram in loco, nos mostram o real significado daquilo que Jordan e Senna fizeram naqueles dias de 1984. Nos EUA, o técnico da seleção americana, Bob Knight, considerado um dos maiores treinadores da história do basquete universitário; na Alemanha, o mito das motos e da F1, John Surtees.

Após o jogo, Knight descreveu Jordan dessa forma: “O garoto é simplesmente fantástico. Se eu tivesse que escolher os 3 ou 4 melhores atletas que eu já vi jogarem Basquete, ele estaria entre eles; Se eu tivesse que escolher as pessoas mais habilidosas que já vi, ele seria um deles; se eu tivesse que escolher os maiores competidores que já vi, ele seria um deles“.

John Surtees foi na mesma linha: “Eu fiquei muito impressionado. Se você observar, havia vários ex-campeões e futuros campeões mundiais, que ficaram ocupados tentando encontrar espaços no circuito, procurando o melhor grip (…) e de repente tinha Senna, usando todas as zebras, tudo na medida certa, e indo mais rápido que todo mundo. Depois disso, eu escrevi um bilhete, dizendo: ‘Se você quer colocar sua equipe em ordem, contrate o piloto certo. Você deve contratar Senna’“.

O bilhete foi entregue para Enzo Ferrari.

Senna e Jordan sabiam: aquela era a porta da entrada. Eles tinham uma oportunidade que não apareceria outra vez em suas vidas. Sabiam exatamente o que precisavam fazer, e quem queriam ser. É óbvio que os dois ainda teriam algo por provar, e enfrentaram aqueles mesmos adversários nos anos seguintes, sofrendo algumas derrotas duras. Mas anos mais tarde eles se estabeleceram exatamente da forma que Knight e Surtees haviam previsto.

Yo no creo en las brujas“, como se diz, mas acho que a deusa Nice sempre esteve com eles.

 

Marcel Pilatti
Marcel Pilatti
Chegou a cursar jornalismo, mas é formado em Letras. Sua primeira lembrança na F1 é o GP do Japão de 1990.

3 Comments

  1. Mauro Santana disse:

    Coluna Fantástica Marcel!!

    Parabéns!

    Abraço

    Mauro Santana
    Curitiba-PR

  2. Gus disse:

    Ótima pauta, feliz associação…eu não imaginava que esses titãs do esporte tinham surgido para o mundo quase ao mesmo tempo.

  3. Fernando Marques disse:

    Marcel,

    adorei a coluna … curtir muito o video da corrida … rever aquelas Mercedes mandando ver nas curvas é sensacional … os carros de corrida de hoje possuem muito mais estabilidade nas curva … a gente não vê mais aquelas tocadas de pilotagem como se fazia naquela época …

    Fernando Marques
    Niterói RJ

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