Nunca serão

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Importar-se com o futebol não é coisa para Bernie, mas para tolos, como Obama.

Quando vi Barack Obama diante de uma TV assistindo ao jogo entre Alemanha e Estados Unidos pela fase de grupos da Copa do Mundo, senti algo se quebrar. Ainda que ele mantivesse aquela cara de “what the hell is this”, dava para notar que havia uma intenção séria naquilo. A imprensa noticiou que pessoas se reuniram em praças e em bares, de cidades como Chicago e Nova York, para ver o embate, bem na hora do almoço. O time dos Estados Unidos acabou derrotado. Dignamente, diga-se. E ainda assim classificou-se à fase seguinte. Vinte anos depois de realizarem uma Copa do Mundo, que até hoje é a de maior público, por contar com gigantescos estádios, finalmente os estadunidenses parecem ter se encantado com o futebol.

Não que o estilo de jogo fosse parecido, mas a cara da seleção dos Estados Unidos passaria fácil por uma seleção brasileira, miscigenada por excelência. E parece aí residir o sucesso do time de futebol dos caras. Ainda longe de ser um esporte popular, como basquete ou futebol americano, o soccer começou a crescer basicamente pela atração que exerce entre os muitos imigrantes que vivem lá. E, por isso mesmo, parece angariar a antipatia da direita dos Estados Unidos, o “tea party”, como me explicou o amigo virtual Pedro Noizyman, via Twitter.

Eu, com meu latinoamericanismo de livro dos anos 1970, torcendo contra imperialistas ianques e outros colonizadores, percebi, com a ajuda do Pedro, que a geopolítica atual tem nuances bem mais interessantes. E que o mesmo nariz torcido da direita americana vale para a francesa, horrorizada com uma seleção nacional cheia de negros e argelinos. Obama talvez não tenha entendido ainda o conceito de empate – um complicador do futebol, quase inexistente nos esportes de massa norte-americanos e que ocorreu com esse mesmo time, no jogo contra os portugueses – mas não estava de gaiato na frente daquela TV. Era uma mensagem política sendo transmitida, ou reforçada. Obama e seus assessores perceberam a força do futebol.

Bernie Ecclestone deve achá-lo um tolo por isso. Hoje e sempre, a Fórmula 1 coloca-se ao largo das grandes competições esportivas mundiais, inclusive Copa do Mundo e Olimpíada. Duas corridas aconteceram durante a Copa de 2014 – os GPs da Áustria e da Inglaterra. Pelo menos, neste ano, os horários das provas não coincidiram com a transmissão dos jogos. Mas quem se lembra da Olimpíada de 2004, em Atenas, deve ter o registro na memória: o Brasil não assistiu ao vivo à corrida que rendeu o sétimo título mundial a Michael Schumacher, pois, no mesmo horário, a seleção masculina de vôlei do Brasil jogava a final que lhe garantiu o ouro. Pior para o Brasil, deve pensar Bernie, sem se esquecer de meter uma cláusula no contrato com a emissora de TV detentora dos direitos, para que pague uma multa gorda cada vez que se bandear para outra atração no horário de uma corrida.

Nas discussões pós-Copa e ainda na ressaca do 7 x 1, começaram a pipocar evidências de que o Brasil perdeu o rumo no esporte em que foi rei. Os Estados Unidos pararam em praças e bares para assistir a esse exótico futebol e até a China começa a ver graça na modalidade. O time chinês Shandong Luneng inaugurou, nesta semana, um centro de treinamento no interior de São Paulo. A ideia é aproveitar o conhecimento brasileiro e multiplicá-lo do outro lado do mundo. Não se sabe se, de cara, farão melhor. Mas podem fazer mais, muito mais. Podem fazer um mercado de bilhões de pessoas consumir futebol. Esse esporte simples, quase empacado em regras centenárias, a cada ano gera mais dinheiro e se populariza mais, inclusive em mercados que não davam bola para ele antes. E a Fórmula 1?

Segundo dados da própria Formula One Management (FOM), o ano de 2013 registrou a perda de mais de 50 milhões de espectadores no mundo todo. As audiências caíram em países como Brasil, Alemanha (apesar do tetracampeonato de Sebastian Vettel), China e França, com tímidas retomadas de audiência na Inglaterra e na Itália. O GP da China continua apelando para o simulacro a fim de disfarçar arquibancadas vazias durante os treinos e as corridas.

E o que faz a cúpula da Fórmula 1 para tentar frear a queda mundial de interesse pela modalidade? Ao contrário do futebol, que tem praticamente o mesmo conjunto de regras desde que foi criado, movendo-se paquidermicamente cada vez que pensa em introduzir alguma mudança, subverte as regras da categoria praticamente todo ano. E o problema maior nem é o fato de torná-las cada vez mais complexas e empurrar equipes e pilotos para um conceito de vitória baseado na estratégia de trocas de pneus, e não na disputa de posições, na pista.

O remédio prescrito para a queda de interesse na Fórmula 1 é tornar as corridas algo cada vez mais secundário no evento em si, um pano de fundo. O ideal desta Fórmula 1 contemporânea parecem ser os GPs disputados no Oriente Médio: um cenário moderno erguido no deserto, cheio de prédios envidraçados, fogos de artifício, parque temático da Ferrari e, acima de tudo, governos coniventes com a prática ancestral de gerar, movimentar e embolsar a maior quantidade de dinheiro no menor tempo possível.

A audiência cai no Brasil, na Alemanha, na China? Bernie dá de ombros. Sempre haverá um Bahrein, um Abu Dhabi, um Azerbaijão pronto a servir-lhe de entreposto. A suposta arrogância da Fórmula 1 com as outras modalidades parece ter menos de empáfia e mais de pragmatismo. Para que mover céus e terra a cada quatro anos para fazer o maior evento esportivo do planeta se é  possível, no miudinho, no varejo, ganhar todo esse dinheiro que a Fórmula 1 movimenta a cada ano? Bernie e seus amigos sabem que nunca serão um catalisador de atenções como é o futebol – a ponto de mobilizar o dito homem mais poderoso do planeta. Estão convencidos de que não precisam.

A eficácia de seus métodos tem sido comprovada ano após ano. No auge das discussões ásperas entre a FIFA e o governo brasileiro, durante a preparação para a Copa, o secretário geral da entidade, Jerome Valcke, chegou a dizer que será mais fácil fazer a Copa no Catar do que em países democráticos, como o Brasil, onde as discussões emperram os processos e dão mais trabalho. Bernie sabe disso. Basta negociar com um sheik e tudo se resolve. Resta saber se o remédio prescrito não está se tornando o veneno da categoria. Abre o olho você também, Valcke.

Sou a única mulher escrevendo neste site, dedicado à história e à análise do automobilismo. A única comentarista de Fórmula 1 do Grupo Bandeirantes de rádio e, dizem, fui a primeira a fazê-lo. Cultivo hábitos feministas de maneira implacável no meu dia a dia e sei que devo assombrar algumas pessoas por isso. Torço para que as gerações seguintes não precisem empunhar essa bandeira, para que a inclusão das mulheres seja natural em todos os campos da atuação humana.

No nosso tempo, não era e ainda não é assim. Fincar essa bandeira de diversidade tem sido uma tarefa prazerosa e inspirada por atos e conceitos de quem veio antes de mim. Nesta semana, a militância feminista brasileira perdeu Vange Leonel, que infelizmente não conheci pessoalmente, mas que ajudou a moldar meu pensamento. Perseverar no ambiente predominantemente masculino (e eventualmente machista) será minha forma de honrar sua herança. Obrigada, Vange!

Alessandra Alves
Alessandra Alves
Editora da LetraDelta e comentarista na Rádio Bandeirantes desde 2008. Acompanha automobilismo desde 83, embalada pelo bi de Piquet e pelo título de Senna na F3.

6 Comments

  1. Ronaldo de Melo disse:

    Concordo com o Fernando, e acrescento ainda que, ao contrário do automobilismo, o futebol é praticado em vários lugares do mundo, também com diferentes categorias mas sempre com o mesmo equipamento: pessoas e uma bola. É preciso manter as regras estáveis para não entrar em discussão com as federações. Há muito tempo discute-se a possibilidade de aumentar o campo de jogo, em fução do aumeno da importância do preparo físico dos atletas. Por aumento de campo de jogo leia-se aumento do aproveitamento do campo, reduzindo, por exemplo, a área de atuação do goleiro ou flexibilização da regra do impedimento. Mas a simples menção do assunto aqui no meu comentário já deve ser suficiente para despertar discordância, imagine uma discussão “na vera”.

    Também concordo com a questão das minorias militantes, e torço para o dia em que elas deixem de existir; não porque foram suprimidas, mas por não serem mais necessárias.

    • Fernando Marques disse:

      Ronaldo,

      sou a favor do fim do impedimento … botaria por fim todos estes esquemas táticos existentes no futebol …

      Fernando Marques
      Niterói RJ

  2. Mauro Santana disse:

    Parabéns tio Bernie, fica transformando a F1 num frankstein macabro, com rodas gigantes, ronco de motor mais fraco que um zunido de mosquito, e piadinhas mequetrefes.

    Ai, é claro que a audiência cai.

    E tem também a questão das novas gerações que não perdem tempo assistindo algo que pra eles não encanta como um dia encantou a todos nos.

  3. Jay Cutler disse:

    E ao que parece, a rede Globo começará a reduzir o espaço da F1 na TV aberta. Apenas o Q3 será transmitido ao vivo nesse sábado. Relegado pela… TV Globinho!

  4. Mauro Santana disse:

    Parabéns pelo texto Alessandra!!

    E faço minhas as palavras do Fernando.

    Abraço!

    Mauro Santana
    Curitiba-PR

  5. Fernando Marques disse:

    Alessandra,

    tudo tem um inicio … e fique tranquila … as mulheres já estão começando a fazer valer da sua maioria no mundo … em todas as àreas … até mesmo naquelas que ainda são dominada pelos homens …


    O futebol ainda mantem um mesmo regulamento principalmente por que a evolução da tecnologia ainda não foi tão impactante e importante na sua sobrevivência como foi por exemplo na Formula 1, que sempre foi uma categoria de ponta, de excelência e por isso mesmo de uso quase que obrigatório de todas as tecnologias de ponta …


    Fora isso o futebol ainda pode ser praticado por pobres … e isso é de fundamental importância para sua sobrevivência … ao contrário do automobilismo … e apesar de ambos serem comandados por gente que só pensam neles mesmos …

    Fernando Marques
    Niterói RJ

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