O bicampeão subestimado

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Mika Häkkinen: um dos grandes pilotos da história da F1 - e ao mesmo tempo um dos mais subestimados.

O GP da Bélgica de 2000 foi memorável. Não por ter sido o palco de uma das mais incríveis ultrapassagens da história da F1, mas também por, de certa forma, exterminar de vez uma injusta fama entre a mídia semi-especializada.

Tendo sua fase áurea entre 1998 e 2000, o finlandês Mika Häkkinen é apenas mais um dos pilotos que sofreu nas mãos da imprensa internacional, principalmente aquela não totalmente especializada, que precisava de ganchos fortes, claros e de fácil assimilação para um público cada vez maior.

No Brasil, tal situação era ainda mais grave. Com o público órfão do seu maior ídolo desde 1994, a esperança brasileira vivia de alguns parcos milagres anuais de Rubens Barrichello com sua Jordan e, posteriormente, Stewart ou da perseverança de jovens talentos que embarcavam em pequenas equipes, como Tarso Marques, Ricardo Rosset ou Ricardo Zonta.

Tendo um produto, ao mesmo tempo, caro e lucrativo em mãos, a mídia nacional também precisava do gancho certo para manter sua audiência e durante alguns anos o mesmo foi encontrado na premissa “Schumacher e sua problemática Ferrari batendo de frente com pilotos menos talentosos e seus aviões projetados por Adrian Newey”.

Damon Hill, Jaques Villeneuve, David Coulthard e, por fim, Mika Häkkinen, foram os escolhidos para desempenhar o papel dos ricos de fortuna, mas desprovidos de talento natural, que parte da grande mídia tentou empurrar (e de certa forma conseguiu) na maior parcela do público ocasional da F1 (e mesmo em alguns mais fanáticos). Tal gancho, por si só, não seria um absurdo sem precedentes, mas simplificar as disputas ocorridas entre 1995 e 2000 em tal máxima é tão burro quanto não aceitar que Michael Schumacher foi, sem dúvida alguma, o melhor e mais completo piloto dessa fase da F1.

O problema é que a questão estava longe de ser simples, prática e objetiva, como nos foi empurrado por quase uma década. Felizmente, a imprensa realmente especializada (aquela que acompanha cada dia de disputa, analisando cada metro de pista percorrido por todos os pilotos do grid) sempre soube diferenciar o “joio do trigo” e Mika Häkkinen já era considerado, por volta de 1995, como o segundo piloto mais rápido da F1 de sua época, atrás apenas, é claro, de Michael Schumacher. Para entender melhor o porquê do gancho dito não servir para Mika Häkkinen, devemos fazer uma releitura de como sua carreira no automobilismo se desenvolveu.

Em uma primeira avaliação, o currículo de Mika Häkkinen antes de chegar a F1 é daqueles quase irrepreensíveis. Se comparado ao currículo simplório e de começo tardio de Damon Hill, ao irregular e mais direcionado às categorias dos EUA de Villeneuve ou mesmo ao bom, mas comum, histórico de David Coulthard, Mika Häkkinen já se destacaria, desde essa análise primária, dos outros rivais contemporâneos de Schumacher. Mas analisando os detalhes de sua trajetória, podemos ir muito além.

Nascido na cidade de Helsingin maalaiskunta (hoje Vantaa), área metropolitana da capital Helsinque, Mika Pauli Häkkinen, filho de Harri (operador em uma emissora de rádio e taxista no resto do dia) e Aila Häkkinen (secretária), teve origens simples para os padrões de um piloto de F1. Sendo o segundo piloto a ter o título de Finlandês Voador (sucedendo seu mentor e por muito tempo empresário, Keke Rosberg e precedendo o atual, Kimi Räikkönen), Mika começou a correr aos 6 anos e capotou seu kart logo em sua primeira corrida. Da mesma forma em que fez muitas vezes na sua carreira, tal fato não o abalou e por 5 vezes venceu vários campeonatos de kart do seu país.

Em 1983, ainda no kart, teria seu primeiro confronto com aquele que seria seu maior rival, vencendo o alemão Michael Schumacher em terras inimigas.

httpv://youtu.be/aNXVKw8kowk

Logo após sua ascensão aos monopostos, os títulos continuaram. Campeão da Formula Ford Nórdica em 1987 e da Opel-Lotus Euroseries em 1988, Mika já se destacava pelo o que faria famoso na F1. Vitórias dominantes, com larga vantagem sobre a oposição, se destacando desde já por uma grande técnica e velocidade. Nessa mesma época, dois fatos importantes marcariam para sempre sua carreira, um para o bem e outro (quase) para o mal.

httpv://youtu.be/3Omm81Mm2S4

Almejado por quase todos os jovens talentos da época, Mika conseguiria o patrocínio da Marlboro, entrando para o “Marlboro World Championship Team” após um excelente teste em Donington Park. O que poucos sabem é que Mika quase não foi escolhido para fazer tal teste. Nessa época, a Marlboro tinha um selecionado um time de especialistas que deveriam analisar currículos de futuros campeões ao redor do mundo. Esse time era composto por Ron Dennis, os chefes de equipe da F3000 Mike Earle e Hugues de Chaunac e o ex-campeão e na época comentarista da BBC James Hunt. Por muito pouco, o currículo de Mika não foi descartado, já que o seu era o último de uma gigante lista, e nosso querido e mítico James Hunt, que já não aguentava mais ler arquivos, queria ir para o bar beber todas. Graças à insistência de Mike Earle, James aceitou ler o último currículo, de Mika, que obviamente, seria convocado para o citado teste.

Após o título da Opel-Lotus Euroseries Mika subiu para a F3, mas em uma decisão bastante ideológica, o fez com a mesma equipe Dragon com a qual havia sido campeão na categoria anterior. A falta de experiência de ambos resultou em um ano muito fraco de resultados, motivados principalmente pela escolha errada do conjunto Reynard Toyota, em um ano que os chassis Ralt dominaram a categoria. Seus únicos destaques foram duas pole positions e o incrível acidente em Snetterton, onde capotou várias vezes e saiu do carro sem nenhum arranhão.

httpv://youtu.be/XVYnnxWMXWg?t=9m43s

Em 1990, com uma das melhores equipes da categoria, a West Surrey Racing de Dick Bennetts (a mesma pela qual Senna, Gugelmin e Barrichello foram campeões da F3 em 1983, 1985 e 1991 respectivamente), e com o melhor chassi do ano (mais uma vez os Ralt), Mika Häkkinen foi o campeão incontestável do ano. Em disputa com seu compatriota Mika Salo, Mika venceu 9 corridas, obtendo 12 pole positions. Em 17 provas apenas 4 vezes esteve fora da primeira fila do grid.

A essa altura a imprensa especializada britânica o considerava um fenômeno, com futuro certo na F1. No mesmo ano, na tradicional corrida de Macau de F3, aconteceria a segunda disputa entre Häkkinen e Schumacher. Häkkinen fez a pole e ganhou de forma dominante a primeira bateria, com Schumacher em segundo, a mais de 2,6 segundos. Na segunda o alemão o ultrapassou, mas com o finlandês colado no carro de Schumacher, bastava Mika terminar assim que venceria na soma das duas baterias. Porém, na última volta Schumacher errou e ao tentar se aproveitar, Häkkinen bateu (alegando que o alemão fechou sua porta e desacelerou em plena reta), abandonou e cedeu a Schumacher a desejada vitória geral de Macau. De qualquer forma o futuro de ambos já estava selado e Mika partiria para seu maior desafio e grande sonho, a Fórmula 1.

httpv://youtu.be/JWFTRyyN_l8

Ainda em 1990, Mika Häkkinen fez em janeiro testes com a Benetton em Silverstone. Com o modelo B188 que a equipe usou na primeira metade de 1989, cravou voltas mais rápidas do que Alessandro Nannini, titular que também participou dos testes e era um dos pilotos oficiais da equipe ao lado de Nelson Piquet. Como não havia vaga na Benetton, Mika acabou assinando com a Lotus, que estava em franca decadência. O time havia perdido, em uma só tacada, o suporte financeiro da Camel (que foi para Benetton e Williams), e a parceria de fornecimento de motores Lamborghini, tendo que voltar a usar motores Judd V8, como em 1989. Para piorar, o carro era uma atualização do chassi 102 usado em 1990.

Os primeiros anos de Mika na F1 são o assunto da próxima parte do texto.

Abraços e até a próxima!

Júlio Oliveira Slayer
Júlio Oliveira Slayer
Músico profissional e professor de bateria, acompanha Fórmula 1 desde o GP da Áustria de 87. Sua grande paixão é a história da categoria.

4 Comments

  1. JulioSlayer Oliveira disse:

    Sim! O risco era altíssimo, mas a movimentação de Schumacher, por si só, não seria suficiente para um toque se não houvesse uma desaceleração mais abrupta. Vácuo nenhum faria aquilo tão cedo na reta. Ainda mais em 2 carros de performance parecida.

  2. Marcio disse:

    Ao ver ao vídeo de Macau nota-se pela manobra brusca de direção de Hakkinen que realmente algo errado aconteceu podendo ser uma freada ou desaceleração de Schumacher.Creio que Hakkinen foi um tolo ou inexperiente ao se aproximar demais , querendo faturar também a 2ª bateria, afinal trata-se de uma corrida com muito peso no automobilismo.
    Schumacher , além de excelente piloto era o que nós chamamos de “malandro” para não usar adjetivo pior . Hill em 94 foi mais tolo ainda , jogou o campeonato mundial de F1 pela janela deixando-se abalroar pelo alemão, deveria ter tirado o pé. Agora o que nunca entendi foi aquela espremida de muro do Alemão em cima do Barrichello .Além do altíssimo risco o que estava em jogo naquela corrida?

    • Fernando Marques disse:

      MArcio,

      a partir do momento que Prost jogou Senna pra fora e Senna deu o troco tudo era possível para o Alemão que nunca estranhamente foi punido por suas vigarices …

      Fernando Marques

  3. Fernando Marques disse:

    A historia de Mika Hakkinen é legal e vale a pena ser relembrada.
    Já em Macau o Dick Vigarista aprontava das suas …

    Fernando MArques

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