O Conto do Vigário 3

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24 May 2001: Enrique Bernoldi of Arrows and Brazil in action during first practice for the Formula One Monaco Grand Prix, Monte Carlo. Mandatory Credit: Clive Mason/ALLSPORT

(Leia a 1ª e 2ª partes deste texto clicando em: https://gptotal.com.br/o-conto-do-vigario-1/  e https://gptotal.com.br/o-conto-do-vigario-2/ )

A Morgan Grenfeel, para evitar a falência da Arrows, acabou assumindo as ações de Malik, ainda que, com isso, apenas prolongasse a agonia da equipe. O engano de Malik havia deixado a Arrows numa situação tão delicada que resultava muito difícil liquidar as dívidas contraídas. O investimento do banco não era suficiente para manter a equipe em funcionamento e Walkinshaw tem, inclusive, que recorrer ao seu próprio patrimônio para seguir adiante na temporada 2000, vendendo a rede de concessionários que havia criado no Reino Unido. Mesmo assim, as dívidas continuam a ser desesperantes e os resultados na pista refletem isso.

Em 2001, a incorporação de Enrique Bernoldi trouxe consigo o patrocínio da Red-Bull e uma esperança de salvação se vislumbra no horizonte pois, por iniciativa de Mateschitz, começam negociações para a compra da Arrows. Mas tudo se frustrou quando a Morgan Grenfell inicia um processo judiciário contra Walkinshaw no ano seguinte, alegando que a perda de valor da equipe se devia à sua má administração. Assim, o juiz encarregado do caso retirou de Walkinshaw a capacidade legal para representar a Arrows e as negociações seriam abortadas.

Ironicamente, a Red-Bull acabaria comprando a Jaguar em 2004, cuja passagem pela Fórmula 1 havia sido bastante discreta, até decepcionante. É inevitável pensar que, se a Jaguar tivesse se decidido por participar junto à TWR quando sua parceria estava no auge, tudo poderia ter sido diferente.

Em precárias condições, a Arrows afronta a temporada com vários processos judiciários em andamento, pois Frentzem e Verstappen também reclamavam judicialmente o salário que lhes era devido, além da negativa da Cosworth a seguir fornecendo motores se as dívidas não fossem quitadas. Por falta de dinheiro, a equipe nem consegue acabar a temporada, se ausentado nas últimas cinco provas, o que lhes custava perder os benefícios econômicos que a FIA concedia a todos as equipes participantes no campeonato. Era o fim da Arrows!

Quanto a nosso príncipe, pouco depois de abandonar a Arrows, Malik logo encontra outra vítima no motociclismo e, repetindo esquema parecido, consegue iludir o fabricante italiano de motos Bimota, que havia entrado no campeonato de superbikes em busca de promoção, com a promessa de vultosos investimentos… que nunca chegaram, propiciando a falência da empresa em 2000.

Malik vai para os Estados Unidos e novamente é relacionado com várias fraudes, até que passa o ano 2008 numa cadeia do Texas, por “desaparecer” com 625 mil dólares que se lhe haviam entregue para promover a carreira de um jovem piloto nas categorias de acesso à Nascar na equipe que Malik havia fundado, mas que sumiu depois de duas corridas.

Finalmente se lhe concederia a liberdade condicional, mediante fiança. Depois deixaria as pistas para fundar uma empresa de energias renováveis, conseguindo convencer a vários investidores a embarcarem no projeto. Em 2010, Malik voltaria à cadeia, acusado de desfalque, quando percebem a falta de cerca de 200 mil dólares nas contas da empresa. Ele acabou solto por falta de provas.

O príncipe volta à Nigéria e continua com seus “negócios” no campo das energias renováveis. Funda a empresa Nigus Enfinity, para a promoção da energia solar na África, prometendo levar eletricidade até o último canto do país. Naqueles anos, Malik inclusive chegou a ser nada menos do que subsecretário da ONU para as energias renováveis (parece que vigaristas e políticos sempre andam juntos!).

Até hoje, Malik continua presumindo de haver sido o primeiro e único africano dono de uma equipe de Fórmula 1 e, no princípio de agosto deste ano, se casou com a jovem filha de um multimilionário magnata do petróleo na Nigéria.

Quanto a Tom Walkinshaw, conhecer Malik certamente é algo do que se arrependeria depois, pois a passagem do príncipe pela Arrows acabaria sendo um verdadeiro pesadelo. Filho de um modesto jardineiro, Tom chegou a construir um bem sucedido império relacionado com o que mais gostava: o automobilismo. Mas o fim da Arrows acabou arrastando a TWR e todo o trabalho de uma vida para um bueiro, terminando com os seus sonhos. Walkinshaw era um trabalhador nato, que todos respeitavam, e de quem se disse: “como fiel amigo, como parceiro num carro ou como chefe, Tom sempre dava o 100% de si mesmo”. Martin Brundle, por sua parte, disse: “Tom era um sujeito duro, não era brincadeira, disso não havia dúvida, mas ele te entregava tudo e apenas esperava o mesmo”.

Tudo acabou afetando a saúde de Tom, que como único consolo, conseguiu manter uma modesta oficina mecânica e ser diretor do clube de rugby de sua cidade, sua segunda maior afeição, depois do automobilismo. Como último ato desta tragédia, em 2010, com apenas 64 anos de idade, Tom sucumbiria ante um câncer e, possivelmente, se perguntaria até o fim de seus dias… Como havia podido ser vitima daquele conto de vigário!

Um abraço, até a próxima, cuidem-se

Manuel Blanco

Manuel Blanco
Manuel Blanco
Desenhista/Projetista, acompanha a formula 1 desde os tempos de Fittipaldi É um saudoso da categoria em seus anos 70 e 80. Atualmente mora em Valência (ESP)

1 Comment

  1. Rubergil Jr disse:

    Que belos textos! Obrigado por nos contar esta comovente história. É sempre um prazer ler os seus textos.

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