O mês Senna

WITH A LITTLE HELP FROM OUR FRIENDS
07/04/2004
A PRIMEIRA DO LEÃO
14/04/2004

É sempre um prazer abrir o e-mail e ver que Ricardo Divila está enviando um novo lote de pérolas que ele colhe na internet. Sábado foi dia de festa. Um dos e-mails veio sem identificação de autor e site mas vale a pena, mesmo assim.

E a história de alguém que estava à beira da pista do Canadá em um dos GPs disputados entre o final dos anos 80 e começo dos 90 , sapeando os minutos derradeiros da última sessão dos treinos classificatórios (lembram-se? Aqueles, onde os pilotos espremiam até a última gota de desempenho dos carros e dos próprios c. em troca de meia dúzia de milésimos de segundo?).

O camarada acompanhava tudo com o nariz espetado na grade bem rente a chicane (acho que era aquela que hoje, redesenhada, situa-se metros antes da linha de chegada).

Era, naquela altura, uma chicane bastante rápida, os pilotos chegando a ela a mais de 300 km/h, dando uma aliviada no acelerador no último instante e jogando uma marcha para cima antes de abordá-la. Todos faziam isso, inclusive Senna.

Segundos finais do treino, a bandeira quadriculada na mão do diretor de prova, Senna, em segundo naquela altura, atrás de Alain Prost, abre a volta. Aproximando-se da chicane, ele não reduz a marcha e, com o carro além do limite de aderência e velocidade possíveis para aquele trecho, zune em direção à linha de chegada e, claro, ganha a pole.

Nosso narrador ruma então para a parte de trás dos boxes de Montreal e, por sorte, acaba dando de cara com Senna, recém saído do carro. Meio constrangido, dá-lhe os parabéns pela pole.

Senna agradece, polidamente, dá mais alguns passos, pára, olha para trás e diz, um sorrisinho nos lábios: “você é o cara da chicane…”.

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GPTotal abre esta semana um mês inteiro de especiais lembrando os dez anos sem Ayrton Senna.

Na próxima quarta-feira, entram no ar as reminiscências de Panda sobre Donington 93, indiscutivelmente a vitória mais marcante da carreira de Senna. Panda estava no autódromo naquele domingo chuvoso e relembra detalhes e curiosidades da corrida.

Na segunda-feira próxima, é minha vez: vou disponibilizar aqui no site, em capítulos, texto e áudio da entrevista que fiz com Senna em 5 de janeiro de 1994, uma das últimas entrevistas “longas” que ele deu a um jornalista brasileiro.

Mais: Ico está preparando um especial sobre Roland Ratzenberger e eu um apanhado dos fatos ligados especificamente ao dia 1º de maio, em Imola, o dia que não deveria ter existido.

É a nossa homenagem, humilde e modesta, a um dos maiores pilotos de todos os tempos.

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Estou decepcionado com a temporada 2004.

Estou decepcionado com Schumacher, sua motivação e infalibilidade, com Rubinho e sua impotência total e completa diante do alemão, com a Williams e este carro feio e furado como uma peneira e também seus pilotos – Montoya por ser incapaz de fazer milagres e Ralf, que baldou minhas melhores esperanças de que se superasse, pisando na arrogância preguiçosa do colombiano, e fosse buscar forças para disputar o título com o irmão.

Estou decepcionado com a McLaren, pelo conjunto da obra, e com Alonso, por ter acumulado erros na Malásia e Bahrein. Estou decepcionado com a Bridgestone, por ter conseguido reagir, e com a Michelin, por não ter reafirmado a sua superioridade no ano passado.

Quem diz isso é alguém que raramente se queixa da “chatice” da Fórmula 1, que já viveu períodos hegemônicos de outros pilotos e equipes e que compreende que, na categoria, sempre haverá alguém muito superior aos demais.

Mesmo assim, estou decepcionado, muito decepcionado.

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Só uma coisa não decepciona, por enquanto, na temporada: o desempenho dos carros. Incríveis os tempos de volta neste começo de temporada, como já observou Ico.

Reflexo apenas da guerra de pneus? Muito provavelmente sim mas creio que a competência dos engenheiros, principalmente os da Ferrari, tornaram os carros de 2004, mesmo com a restrição nos motores, verdadeiros moedores de tempo.

E a Fia, por meio de Max Mosley, já começa a clamar por medidas capazes de reduzir um pouco este desempenho em nome da segurança.

Cabe razão a Mosley? Cabe, sem dúvida, ainda que o histórico de acidentes da temporada seja pequeno e concentrado nos treinos extra-oficiais. Mas isso não é garantia nenhuma, como 94 nos ensina.

Sugere-se, porém, que Mosley esteja abrindo esta discussão por interesses extra segurança, tentando criar um debate para evitar outro: o da onipresente renovação do Pacto da Concórdia, o acordo que define os fundamentos esportivos e comerciais da Fórmula 1.

No final do ano passado, a história parecia se encaminhar para um final feliz: montadoras (que ameaçavam criar outro campeonato), equipes, bancos europeus (detentores da maioria das ações da empresa que explora comercialmente a Fórmula 1) e Bernie Ecclestone pareciam ter chegado a um acordo bom para todos. Mas parece que as coisas não são bem assim.

O problema parece ser, ainda, a divisão do dinheiro entre as partes e, no Bahrein, houve uma reunião entre Bernie e as pequenas equipes na manhã de sábado. Nada vazou da reunião. Espera-se que as coisas fiquem mais claras nas próximas semanas.

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Estou amadurecenco a convicção de que Flavio Briatore será o sucessor de Bernie Ecclestone no comando da Fórmula 1.

Espero, para o bem de todos, que meu palpite, neste caso, esteja tão longe da realidade quanto minha aposta nas chances de Ralf para o título de 2004.

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Por falar em Bernie, tranqüilizem-se os leitores: ele conseguiu vender a sua mansão em Londres. Valor do negócio: 75 milhões de libras esterlinas.

Peço desculpas por não converter o valor em reais. Minha calculadora não tem tantos zeros assim.

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Nosso amigo e leitor Manuel Blanco, em sua coluna de quarta-feira, dia 7/4, jogou luz da melhor qualidade sobre a eterna discussão sobre quem é o melhor.

O tema está sendo intensamente discutido pelos nossos leitores e não queria ficar de fora. Impressionou-me nas tabulações de Manuel a constância com que Schumacher vence as provas que termina e a percentagens de vitórias de Senna batendo seu rival direto.

No primeiro caso, vejo a materialização do aperfeiçoamento técnico e esportivo. Como dizia Fangio, para vencer é preciso, antes, terminar. Schumacher e sua equipe de engenheiros, preparadores físicos etc. compreenderam essa frase tão elementar e, graças a recursos formidáveis técnicos, garantiram uma força e confiabilidade nunca antes conseguida no automobilismo. O talento do alemão e a fraqueza dos que se opõe a ele explicam o resto.

Quanto a Senna, a pesquisa de Manuel é mais um diploma para a carreira extraordinária do brasileiro principalmente porque, por rivais diretos, enfrentou Alain Prost e Nigel Mansell, contra os quais teve, na melhor das hipóteses, um carro igual, nunca melhor.

O espírito de combate de Senna e sua vontade indômita de vencer explicam o resto.

Boa semana a todos

Eduardo Correa
Eduardo Correa
Eduardo Correa
Jornalista, autor do livro "Fórmula 1, Pela Glória e Pela Pátria", acompanha a categoria desde 1968

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