O mestre de Fangio – parte 4

O mestre de Fangio – parte 3
17/12/2018
O mestre de Fangio – parte 5
18/01/2019

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Não está sentindo falta das borboletas atrás do voltante? Da telemetria? Da direção hidráulica? Do radio equipe-piloto? Então aproveite…

Com o sucesso de Varzi os ânimos dos respectivos fãs-clube se acirram.

Assim como vimos com as torcidas pró-Piquet e pró-Senna, cada grupo encontra motivos infindáveis para garantir que seu preferido é superior.

Mas o desempenho da Alfa não perdura. Achille abandona em Roma (6ª volta, embreagem), em Cuneo, em Dublin (GP da Irlanda) e em Montenero (5ª volta, diferencial).

Na Coppa Ciano, em Montenero, houve uma movimentação interessante entre as equipes.

A Alfa levou uma P2 para Varzi e uma 1750 para Campari. A Scuderia Ferrari começa a aparecer, com uma P2 de 175HP modificada, para Tazio. Esse carro tinha sido comprado por um brasileiro, Vittorio Rosa, que o repassou a Enzo. Este obteve de Jano as mesmas atualizações que a P2 de fábrica. Desapontado com os maus resultados na Targa Florio e em Indianápolis, Borzacchini deixa a Maserati e vai para a Scuderia Ferrari, para pilotar uma Alfa 1750 GS (Gran Sport), versão mais potente desse modelo, com 85HP. Ferrari também conseguiu que Arcangeli, em alta por ter vencido o GP de Roma após um longo duelo inicial com Nuvolari e outro no final com Chiron, pilotasse outra Alfa 1750 GS para sua Scuderia em alguns eventos específicos.

Roma tinha sido a primeira vitória da Maserati 2,5L.

O início da prova de Montenero foi outro duelo entre Achille e Tazio, ambos batendo repetidamente o recorde do ano anterior até terem que abandonar com suas P2.

Com a saída de Baconin, Achille assume como piloto principal da Maserati, feliz porque considera o motor 2,5L superior ao da Alfa. Faz sua estreia nos 22.5 km de estradas em torno de Pescara, Coppa Acerbo. Esse circuito era considerado uma réplica menor da Targa Florio, por ser uma pista estreita, cheia de curvas, subidas e descidas acentuadas, pelas estradas que ligam Ardenza Mare, Montenero, Savolano, Castelaccio, Romito e novamente Ardenza Mare.

Para esta prova a Alfa se fez representar somente pela Scuderia Ferrari.

Enzo alinhou novamente a P2 para Tazio, uma 1750 para Borzacchini e outra para si.

A Arcangeli cabia a Maserati V4, de 16 cilindros, e com ela assumiu logo a liderança, aproveitando que largava na 2ª fila, seguido por Nuvolari, Fagioli (Maserati 26M), Ernesto (26M), Achille (26M).  

Na segunda volta Arcangeli já está mais de 30” à frente de Tazio e este apenas 4” à frente de Fagioli, que tinha acabado de fazer a volta mais rápida, com média de 124km/h. Fiel ao seu estilo, Varzi ultrapassa Ernesto e livra 3”. Na terceira volta Tazio consegue descontar 8” enquanto Fagioli bate o recorde da pista, 12’11″.

Na 4a. volta Tazio assume a liderança mas a 300m da linha de chegada Arcangeli tem um pneu estourado em trecho de alta velocidade. O carro derrapa violentamente e bate no portão de uma casa, entortando uma roda de modo definitivo. Felizmente Arcangeli escapa ileso. Na quinta volta Nuvolari continua liderando mas Fagioli, evidenciando a boa forma das Maserati, vai reduzindo a distancia, com direito a novo recorde, 12’09.4”, 125.855km/h de média. Varzi, Ernesto e Baconin o seguem. Antes de completar a volta 6 Tazio começa a perder rendimento e toda essa turma passa por ele, que vai para os boxes trocar velas. Volta em quinto.

Na volta 7 Achille recebe sinal dos boxes para aumentar o ritmo. E ele tira meio minuto, só nessa volta, reduzindo a vantagem para 1’15. Mais atrás, Brivio com a renovada Talbot 1,5L da Materassi ultrapassa Nuvolari. Na volta seguinte, final, o azar aparece para Fagioli e a sorte para Varzi. No centro de Montesilvano o pinhão do diferencial de Fagioli quebra e a Maserati pára. Dezessete minutos depois que Varzi cruzou a linha de chegada Fagioli fez o mesmo, empurrado por dezenas de torcedores entusiasmados.

Monza era, sem dúvida, a prova italiana mais importante do ano.

A Alfa mais uma vez era representada pela Ferrari, três P2 com o motor aumentado para 2006cc, o que as inseria na categoria acima de 3000cc. Seriam pilotadas por Nuvolari, Campari e Borzacchini.

A Maserati inscreveu três 26M para Arcangeli, Fagioli e Varzi, a V4 para Ernesto Maserati. A Bugatti se fez representar por grande quantidade de competidores independentes. A Daimler-Benz e Caracciola foram convidados e compareceram com a SSK de 7,1L versão competição, aliviada de todos os pesos desnecessários. O motor entregava 310HP, potência equivalente à da V4, mas carregando mais peso. Havia também uma inscrição vinda do outro lado do Atlantico, uma Duesenberg de 4,2L, pilotada pelo americano Babe Stapp.

Este ano seria usado o Circuito Florio, totalizando 6.861 km de extensão. Ele combinava grande parte dos 5,5 km do circuito normal com o circuito oval na reta oposta onde a nova passagem Florio tinha sido construída. Ela consistia em uma curva apertada para a esquerda levando a uma reta curta que desembocava no circuito oval, onde uma outra curva apertada para a direita dava na Curva Sul do oval, justo antes da linha de chegada.

Após as baterias iniciais eliminatórias e competição de “voiturettes”, para a bateria final alinhavam 16 carros, o que havia de melhor naquele ano, inclusive em pilotos. A primeira fila era composta por Nuvolari, Caflisch (SS 7,1L), Campari, Minozzi (Bugatti 35C) e Stapp (Duesenberg). A segunda por Caracciola, Varzi, Ernesto Maserati (V4), Arcangeli, Pedrazzini (Maserati 26B). Borzacchini e Fagioli estavam na terceira.

Assim que o Príncipe do Piemonte baixou a bandeira quadriculada Nuvolari e Campari dispararam com suas Alfa disputando a liderança. Durou pouco. É Arcangeli quem completa a primeira volta na frente, seguido por Tazio e Achille. Arcangeli se mantém na ponta a duras penas, os três estão muito próximos, numa disputa acirrada. Na volta 5 Tazio finalmente passa Achille, mas os três se mantém dentro do mesmo segundo. Eram seguidos por Borzacchini (P2) e Fagioli (26M). Mais atrás Ernesto Maserati e Campari também disputavam roda a roda. A durabilidade dos Pirelli que equipavam as Alfa de Tazio, Campari e Baconin era duvidosa, naquele ritmo frenético, devido aos problemas  apresentados nas eliminatórias. E com razão. Na 6a. volta Tazio entra nos boxes escorregando de um lado para o outro, com o pneu traseiro esquerdo sem a banda de rodagem. Campari encosta na 7 com um pneu em tiras e Borzacchini na 8, com um traseiro esquerdo destruído. Enzo decide se retirar. Perigo demais para seus pilotos, e isso poderia ser também fatal para uma equipe tão nova.

Nesse momento as Maserati, calçadas com Dunlop, vão fazendo 1-2-3. Arcangeli segue liderando, com Varzi praticamente emparelhado, Ernesto Maserati em terceiro.

Na volta 12 Varzi precisa parar para trocar uma vela. Perdendo 1’50” cai temporariamente para 6º, atrás de Caracciola (Mercedes SSK). Na volta 15 ele está 1’30″ atrás de Arcangeli, que sem concorrentes diretos diminui um pouco o ritmo, virando com 148,649km/h de média. Na volta 10 estava virando em 149,821km/h. Na 25 essa diferença de tempo tinha caído pela metade e restavam 10 voltas, Arcangeli novamente virando na faixa dos 149 km/h. Nesse ritmo Varzi poderia passar o colega portanto as atenções do público se fixaram nessa escalada. 5 voltas depois ele está 19 segundos atrás de Arcangeli e 16 de Ernesto, com a Maserati 16 cilindros.

As atenções estão voltadas para Achille e sua escalada inexorável. Filme de suspense. Conseguirá ultrapassar a poderosa V4?

Ernesto é ultrapassado na volta 33. Faltam duas voltas. A platéia, eletrizada, fica de pé.

Varzi encurta a distância, emparelha e ultrapassa na última volta, pouco antes da linha de chegada, deixando um surpreso Arcangeli a 1/5 de segundo.

Melhor volta (Varzi): 164.7km/h.  Média do vencedor: 150,4 km/h.

Consta que Arcangeli declarou:

“- Não compreendo como Achille fez para me ultrapassar, seu carro não é mais potente que o meu.” Não se sabe se ele foi avisado pelo boxe da aproximação do rival.

Consta que chorou copiosamente, o que é bastante natural, depois de ter liderado desde o início.

Seja como for, os tifosi não perdem tempo e apelidam esse circuito de Varzodromo.

Com esses resultados Varzi se torna o campeão italiano.

Ele ainda vence a prova que fecha a temporada, em San Sebastian, Espanha.

A Scuderia Ferrari não compareceu e a Bugatti foi novamente representada por competidores independentes.

O único rival à altura era o Conde Aymo Maggi, com outra 26M, que chegou em segundo.

Pouco tempo sobra para as motos mas Varzi, perfeccionista, não desafina. Em três participações vence duas. Em Lario e no GP das Nações (Monza), com a Sunbeam 500.

Em 1931 se estabelece uma nova formula e se restabelece o Campeonato Europeu de Pilotos, que numa época em que as viagens transoceânicas eram feitas por navio, tinha um ar de campeonato mundial.

Os pontos para esse campeonato eram obtidos em três grandes corridas de ao menos 10 horas de duração, chamadas de Grandes Épreuves, com dois pilotos dividindo o mesmo carro.

Essas provas era os GP da Italia, da França e da Bélgica. No aspecto técnico relativo a motores era Formula Libre, não havia restrições de tamanho, peso, consumo e materiais para os motores. Para chassis, deveria ser bi-posto embora o piloto corresse sozinho. Os pilotos se revezariam nos boxes e seriam assistidos por apenas dois mecânicos em suas paradas.

Parece que Varzi também tem faro para estar no lugar certo na hora certa, porque troca a Maserati pela Bugatti, que vai dominar a temporada com seu novo Tipo 51, agora com um novo motor de 2,3L com duplo comando. Posteriormente introduz a Tipo 54, com um motor de 5,0L também com duplo comando no cabeçote.

A equipe é dirigida por “Meo” Costantini e composta por Louis Chiron, Albert Divo, Guy Bouriat e “Caberto” Conelli. Mas sendo ele bi-campeão italiano e por isso extremamente popular, a mudança para uma equipe “não-italiana” é vista como traição.

É bom lembrar, a esta altura, que a Italia estava sob o regime fascista, que tinha como meta fazer a Italia retornar ao esplendor do Império Romano. Logo o orgulho estava em alta.

A Alfa apresenta um modelo de 2,3L de 8 cilindros e posteriormente um 6 cilindros 3,5L.

Os pilotos oficiais eram Campari, Nuvolari e Borzacchini, com Arcangeli, Minoia e outros menos conhecidos também arrolados. A equipe era dirigida por Vittorio Jano e pelo gerente de equipe Aldo Giovannini.

A Alfa decidiu participar oficialmente de 5 provas apenas: Targa Florio, GPs da Italia, França, Bélgica e Monza. A Scuderia Ferrari a representaria nas demais, frequentemente com os mesmos carros e pilotos.

A Maserati se limitou a retrabalhar seus motores de 2,5L, passando para 2,8L, com ganho de 20HP e fazendo contínuos melhoramentos, sem grandes novidades nos chassis.

Como a Bugatti, também entregou carros para competidores independentes.

Com a saída de Varzi e Arcangeli promoveu Luigi Fagioli a principal piloto e contratou a revelação francesa René Dreyfus, ao lado de Ernesto, Maggi e Clemente Biondetti.

A Daimler Benz apresentou uma versão mais leve, a SSKL, para Caracciola.

A Bugatti decide não participar oficialmente do GP de abertura, na Tunisia, mas Varzi aparece com a nova 51, só que pintada de vermelho ao invés do tradicional azul real.

A Alfa bate mesa, nem a Scuderia Ferrari comparece.

Mas a Maserati vem com força, alinhando duas 26M 2.5L para Fagioli e Dreyfus, com a V4 a cargo de Biondetti. Melhor para a platéia de 40.000 pessoas, muitas vindas de países vizinhos e até da Italia. Nesse ano o Automóvel Club da Tunisia decidiu usar o circuito de Cartago, efetivamente perto da antiga cidade rival de Roma. 12.714 km em formato triangular, com longas retas e curvas de alta, que levavam a um grampo justo antes da reta final, de 3,5km de extensão. Pouco antes da linha de chegada havia uma chicane, destinada a reduzir a velocidade. 37 voltas.

A prova estava dividida em duas categorias, abaixo de 1.5L e acima dessa capacidade cúbica.

O grid, como de costume, era composto por sorteio.

Fagioli e Varzi largavam na segunda fila.

Antes de completar a primeira volta Fagioli lidera, seguido de perto por Varzi, que é seguido por um forte competidor argelino, Marcel Lehoux, com uma Bugatti T35B.

Lehoux já tinha vencido nesse circuito em 1928.  

Dreyfus e Biondetti vem mais atrás, tinha alguns competidores independentes largando à frente deles. Perto do fim da segunda volta Varzi passa Fagioli, Dreyfus já está em quarto e Biondetti 5º.

Na volta seguinte Dreyfus assume a terceira posição, passando Lehoux, mas na 4a. precisa parar nos boxes devido a um vazamento de óleo, perdendo 3’45”. Antes de completar a nona volta ele recupera a posição mas logo é obrigado a parar devido ao mesmo problema. Retorna tendo tomado 2 voltas de Varzi, e parte como um louco para descontar alguma diferença. O ritmo aumenta cada vez mais, até que ele exagera e pega uma guia de calçada. A esplêndida Maserati decola e vai parar em uma árvore, ficando parecida com uma sanfona, nas palavras do próprio Dreyfus, que sai ileso.

No 12o. giro Fagioli pára com problemas nas velas mas se mantém na 2a. posição. Na 14 é a vez de Varzi parar, com um pneu estourado, e assim Fagioli retoma a liderança. Fagioli tem novamente problemas com as velas, perde a liderança e também o segundo lugar para Lehoux. Varzi é obrigado a parar com problemas em outro pneu. Lehoux e Fagioli diminuem a diferença para ele mas não o suficiente para superar. Na altura da volta 30 Fagioli consegue ultrapassar Marcel Lehoux mas não tem forças para alcançar o compatriota da Bugatti T51 vermelha, de uso pessoal. Fagioli ainda estava se recuperando de uma cirurgia no joelho e foi um esforço heróico terminar a prova. Biondetti cruza em 4º, Alfieri Maserati vence na categoria até 1.5L.

Em breve continuaremos…

Carlos Chiesa
Carlos Chiesa
Publicitário, criou campanhas para VW, Ford e Fiat. Ganhou inúmeros prêmios nessa atividade, inclusive 2 Grand Prix. Acompanha F1 desde os primeiros sucessos do Emerson Fittipaldi.

4 Comments

  1. Paulo Hardt disse:

    Muito bom, Carlos!
    Grid composto por sorteio nos dias de hoje seria uma ideia para deixar as provas mais competitivas?!

    • Carlos Chiesa disse:

      Suponho que sim, mas talvez seja um tanto artificial, não acha? Observe que os independentes tinham suas chances mas normalmente as corridas eram decididas entre os favoritos mesmo. O sorteio poderia favorecer – muito – um favorito em detrimento de outros, portanto dando chances desiguais de vitória. Se um larga na primeira fila tem o caminho aberto para abrir toda a vantagem do mundo. Se o principal rival larga na última fila, vai ter que escalar, se arriscando a acidentes, e com chances mínimas de anular a vantagem inicial, não é verdade? E obrigado pelo elogio.

  2. Carlos Chiesa disse:

    Muito obrigado, Fernando. É uma história muito rica mesmo. Um ano novo 2019 vezes melhor que o anterior.

  3. Fernando Marques disse:

    Amigos do GEPETO,

    a história do Mestre Fangio está sensacional
    Chiesa parabens!!!

    E Espero que todos tenham um 2019 muito bom

    Fernando Marques
    Niterói RJ

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