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A terceira parte da história do mítico Chaparral.

[Leia a primeira parte clicando aqui e a segunda aqui.]

Frank Winchell estava numa posição um tanto incomoda. A GM tinha assinado um acordo com as demais montadoras americanas que as impedia de se envolverem em corridas.

Então ele estava em um programa de engenharia de corridas que não corria, porque não podia fazer carros de corrida. Por isso decidiu fazer um acordo com a Chaparral, para um programa de testes, principalmente porque Jim também era engenheiro mecânico.

FJim considera que foi um ótimo negócio para ele.

Porque a GM enviava equipamentos para Midland no inverno, quando era impossível testar na gélida Detroit, junto com um ou dois engenheiros e alguns mecânicos, e eles testavam, testavam, testavam. Foi assim que Jim desenvolveu suas habilidades como desenvolvedor de carros de corrida e como piloto.

Para a GM também parece ter sido um bom negócio, pois algumas das inovações testadas foram incorporadas em seus carros de passageiros, particularmente algumas peças aerodinâmicas.

Sem falar na transmissão automática, que foi desenvolvida por muito tempo. Essa equipe GM Chaparral acabou colocando um lock-up converter, ou algo assim, para torna-la mais eficiente em velocidade. Essa foi uma das coisas que foram utilizadas em todos os carros de passageiros depois, quando o item economia passou a ser importante.

De forma indireta, a introdução da asa acabou influenciando também a aerodinâmica dos carros de passageiros.

Não que a ideia de usar asa fosse inteiramente nova. Elas tinham sido usadas em carros de corrida antes. Mas tudo indica que as pessoas que as colocaram não tinham feito uma análise do que estava fazendo, e pensado a respeito do efeito total. Jim crê que elas colocavam asas nos carros por alguma razão em particular. Ele tinha ouvido falar de um cara que colocou uma em um carro para andar em altíssima velocidade em uma pista oval na Alemanha bem antes. E funcionou. Mas parece que parou por aí.

Indianapolis Jones: Provavelmente alguma experiência feita em Avus antes da 2a. guerra, pela Mercedes e/ou Auto Union, que competiam acirradamente na F1 da época, chamada Grand Prix.

Alguns de seus modelos tinham carenagem mais longa, streamline.

Ninguém prestou muita atenção nisso e a asa desapareceu. Não havia um entendimento real do que acontecia quando você aplicava uma força aerodinâmica vertical em um carro. Quando você faz isso você muda completamente suas características. Até o momento em que a Chaparral começou a colocar downforce aerodinâmico nos seus carros Jim crê que a maioria dos engenheiros pensava nos carros como corpos que se elevavam. É como se eles dissessem “Eles são planos em baixo. São arredondados em cima, como uma asa, portanto eles vão se elevar.”

Então passaram a tentar minimizar essa elevação. Tentaram também reduzir o arrasto e fizeram todas as coisas que podiam para tornar o carro mais eficiente. “Mas eles nunca disseram ‘E o que acontece se você forçar o carro para baixo?'”

E isso foi o que Jim pensou. Ele se deu conta do que acontecia quando você forçava o carro para baixo. O que acontece é que você aumenta a capacidade de tração substancialmente de modo que o carro contorna mais rápido as curvas. Freia mais rápido e acelera mais rápido. E você pode mudar a estabilidade.

Jim analisou um grande volume de estudos aerodinâmicos.

Quanto estava testando para a GM, observou que eles estavam interessados em saber o que acontece quando vem uma rajada lateral de vento e como o carro é controlável em uma autoestrada, esse tipo de coisa. Mas os engenheiros da GM não estavam pensando em forças verticais. Estavam pensando em forças laterais. E o interessante é que, uma vez que você muda as forças verticais um pouco, as forças laterais se tornam quase secundárias.

Indianápolis Jones: Vamos examinar mais a fundo como foi essa experiência pioneira com aerodinâmica.

O Chaparral 2 de 1965 era derivado do de 1963. Quando decidiram mudar o formato do nariz para diminuir a elevação (lift) Jim abaixou a linha do topo (peak line) do carro. E usou uma barreira na frente para dividir o fluxo de ar fazendo com que ele passasse mais em volta do carro do que por baixo. Outra coisa que ele fez foi colocar a entrada de ar para o radiador em baixo mas a saída por cima.

Todas essas experiências produziram força negativa na frente do carro e fizeram a elevação desaparecer. Estavam realmente empurrando a frente para baixo e aí Jim se deu conta de que tinha que compensar na traseira. Sem isso não chegaria a ser um carro “zero-lift”. Então começaram a mexer na traseira, e a primeira coisa que fizeram, copiando de alguém, foi colocar um flap lá.

Flap, como se sabe, é um dispositivo usado nos aviões, que desvia o ar. No Chaparral o objetivo era criar uma área de alta pressão lá, empurrando a traseira para o chão.

Foram desenvolvendo o carro ao longo de 1965. Aumentaram as superfícies, ventilaram as áreas de baixa pressão do carro, criando aberturas para a passagem de ar. Mediram a pressão na parte interna dos para-lamas e no topo deles. E então ventilaram entre a alta pressão e a baixa pressão. Tudo isso produziu uma força negativa para baixo, que permitiu melhor aderência à pista.

E o carro foi ficando cada vez mais rápido. Nas curvas.

Ficou mais lento nas retas. Então passaram a pensar em construir um carro que tivesse muita downforce mas sem aumentar o arrasto aerodinâmico nas retas.

Indianápolis Jones: uma curiosidade é que Jim era um homem de sete instrumentos, um deles totalmente inesperado. Era uma pessoa que punha a mão na massa… de modelar.

A Chaparral era uma equipe muito, muito pequena naquelas dias. Uma das coisas que Jim acha que foi uma vantagem para ele é que era designer. Era piloto de testes, piloto de competição, era fabricante, e em muitas ocasiões não só desenhava mas moldava peças. Era comum ele e sua esposa, depois do jantar, irem até a Chaparral e ele trabalhar na argila ou qualquer outro meio adequado. Aí os rapazes chegavam de manhã e encontravam o material definido, mas em estado bruto. Eles passavam a polir, a dar o acabamento até que Jim aprovasse.

Jim se considera um bom fabricante. Ele se juntava aos seus funcionários e fazia. Quando via que eles não podiam fazer uma coisa como ele achava que devia ser ele desenhava o que queria de um jeito que achava que eles poderiam construir. Aí ele ia e testava. E assim dava o retorno imediato do que tinha acontecido. Ele acha que era uma considerável vantagem para a Chaparral ele ser capaz de fazer isso. E essa foi a maneira que ele conduziu a Chaparral como fabricante de carros de corrida.

Ele era o líder que dizia “Vamos lá, pessoal, vamos fazer isto”.

E se todos tivessem que trabalhar até a meia-noite, ele ficava até a meia-noite.

Ele não era do tipo que dizia “Olha, vocês terminam tá, tô indo pra casa”. Um sujeito como esse não pode ser casado com uma esposa qualquer, ao menos por muito tempo. E sua esposa, Sandy, apenas se admirava de como ele conseguia dormir meras 4 ou 5 horas. A explicação era que… era muito divertido. Não parecia trabalho.

Indianápolis Jones: quantas pessoas você conhece que conseguem trabalhar com esse estado de espírito?

O Chaparral 2E foi o carro da Can-Am de 1966. Para esse ano eles decidiram construir um carro que incorporasse tudo que eles tinham aprendido sobre aerodinâmica até aquele momento, talvez um pouco de dinâmica de veículos também. Então eles introduziram um monte de coisas no 2E que eram diferentes dos carros anteriores. Foi um carro muito bem sucedido no sentido de que era rápido e fácil de regular quando você estava na pista. Jim acha que era realmente um carro de corrida muito versátil. Mas não era muito confiável. Eles não venceram muitas corridas com ele. Portanto desse ponto de vista não era bom. Provavelmente estreou um pouco cedo demais. Deveriam ter realizado mais testes antes.

Mas essa era a maneira como eles sempre fizeram as coisas.

Pouca gente, muito unida e motivada.

Construíam os carros no inverno, aproveitando o clima ameno do Texas, e os levavam para correr no verão.

O 2E apresentava a maior inovação da Chaparral até aquele momento, a asa. Era o item de maior destaque do carro.

Indianapolis Jones: melhor explicar como funciona essa asa, posteriormente chamada de aerofólio, não?

O fluxo de ar pega um caminho mais longo no lado de baixa pressão do que no lado de alta pressão. Na parte inferior ele vem e vai num caminho mais longo e assim espalha suas moléculas de ar e gera baixa pressão no lado de baixo. Num avião isso ocorre no lado de cima. Quando isso ocorre você cria uma grande força entre as pressões na parte superior e na inferior da asa.

Como Jim ficou bom nisso?

Ele estudou aerodinâmica e termodinâmica na faculdade.

E aprendeu a voar quando era adolescente.

Ele podia olhar para um aerofólio e calcular o quanto de força iria obter com esse tamanho de asa, que é a maneira como os Chaparral foram construídos.

A Chaparral realmente sabia aproximadamente que tipo de força essa asa iria produzir antes de efetivamente produzi-la.

Para compensar os efeitos dessa asa eles tinham um sistema similar na frente.

Tinha um duto como o do radiador, que vinha por baixo e terminava no topo. Mas não havia um radiador lá. Era um sistema destinado a controlar o fluxo de ar nesse ponto. Tinha um flap que modulava a quantidade de fluxo de ar que passava por ali e mudava as características aerodinâmicas do carro. Estava sincronizado com o que acontecia na traseira quando iam para a posição de baixo arrasto nas retas.

A asa era regulável, com os recursos da época.

Quando o carro se aproximava da curva o sistema ia para a posição de alto arrasto, uma posição de grande downforce, ele tinha uma ótima capacidade de frenagem, e assim contornava as curvas em velocidade muito alta. Esse sistema funcionava muito bem.

Um aspecto técnico importante dessa concepção de asa é que a carga que vem dela também incide sobre estruturas próprias, suportes que afundam e engancham na suspensão traseira. A carga não é transmitida para o corpo do carro, vai direto para as rodas traseiras.

Assim era possível controlar o angulo de inclinação do carro muito melhor porque essa grande força não era transferida para o corpo do carro.

Outro aspecto importante é que tudo era controlável pelo piloto no cockpit.

O centro de pressão da asa fica adiante do pivot. Ele sempre tende a virar daí quando está articulado. Se ele está nessa posição ele tende naturalmente a ficar aí.

O piloto tem um pedal do lado esquerdo do pedal de freio, onde ficaria o pedal da embreagem. Quando ele entra na reta e se dá conta de que não está acelerando tão rápido quanto gostaria, ele apenas põe o pé esquerdo em cima do pedal e o aciona.

Isso faz a asa voltar a ficar na posição original e ajusta o downforce dianteiro. Quando chega ao fim da reta e se dá conta que está no momento de frear, ele tira o pé do pedal da asa e pisa no freio. Ela vai para a posição de alto arrasto, grande downforce.

É automático. É à prova de falhas, você não pode entrar na curva com a asa na posição errada.

Era um sistema extremamente eficiente, na opinião de Jim.

Outra novidade foi a mudança da posição dos radiadores. Por diversos motivos a equipe não queria colocá-los na frente.

Então colocaram dos lados, em side pods. Isso permitiu melhor distribuição de peso na traseira. O carro saia das curvas mais rápido porque tinha mais peso nas rodas motrizes.

Indianapolis Jones: o reconhecimento nem sempre vem do jeito que você espera.

Na próxima coluna, a conclusão desta história.

Abraços,

Chiesa

Carlos Chiesa
Carlos Chiesa
Publicitário, criou campanhas para VW, Ford e Fiat. Ganhou inúmeros prêmios nessa atividade, inclusive 2 Grand Prix. Acompanha F1 desde os primeiros sucessos do Emerson Fittipaldi.

4 Comments

  1. Mauro Santana disse:

    Grande coluna Chiesa!

    E pegando o gancho do Fernando, quando fazemos o que gostamos como profissão, nunca mais trabalhamos.

    Que venha a próxima.

    Abraço!

    Mauro Santana
    Curitiba-PR

    • Carlos Chiesa disse:

      Muito obrigado, Mauro. Concordo integralmente, fazer do que a gente gosta nossa principal ocupação é uma das chaves da felicidade. Forte abraço

  2. Fernando Marques disse:

    Chiesa,

    mais uma vez um ótimo texto e uma bela história …
    lendo a sua coluna fiquei imaginando o quão bom e vibrante era a vida de Jim Hall,
    principalmente pela forma que ele colocava em prática todos os seus estudos e conhecimentos …
    fantástico!!!

    Fernando Marques
    Niterói RJ

    • Carlos Chiesa disse:

      Muito gentil, Fernando. Concordo integralmente: como é bom poder se dedicar a algo que realmente te dá prazer. O que chama a atenção é que ele deve ter sido um dos últimos pilotos/construtores. Embora tenha se destacado mais como um construtor inovador, ele foi, em suas próprias palavras, “um piloto muito capaz” ao seu tempo. Pelo que vi, não estava exagerando.

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