O Rei das Madonie

Dois dinamarqueses
24/06/2013
Opostos
28/06/2013

Porque só quem não entende nada de automibilismo pode achar que quem não vence um campeonato de pilotos é pouco mais que um motorista de táxi com sorte.

Nino Vaccarella completou 80 anos e a sempre atenta Autosprint fez uma riquíssima entrevista com ele. Como? Quem é Nino Vaccarella?

Conhece a Sicília? Nos anos pós-guerra um dos lugares mais pobres da Itália, inclusive pela passagem do exército alemão por lá, com ingleses e americanos na sua cola. É nesse cenário que Nino começa a competir. Depois de algum tempo, vai correr no Norte do país e obtém destaque suficiente para ser convidado a integrar a Scuderia Serenissima, pilotando Maseratis e De Tomaso-Alfa Romeo.

Em 1962 a Serenissima inscreve um Porsche na Targa Florio e Nino está entre os pilotos. Ele conta: “Corri junto ao campeão do mundo Graham Hill e de Jo Bonnier. O melhor do melhor. Eram anos em que se precisava procurar muito para encontrar um italiano que andasse forte, depois das trágicas mortes de Ascari, Musso e Castelloti.” Mas ele pôde mostrar suas qualidades, chegando em terceiro em dupla com Mairesse, e logo recebeu “uma ligação da Ferrari.”

Enzo queria que ele se mudasse para perto mas Nino não podia. Seu pai tinha morrido em 1956 e ele tinha herdado o Instituto Oriani, uma escola particular, e não queria (nem podia) deixar o posto de diretor. Importante lembrar que o salário dos pilotos na época era uma fração do que os principais pilotos do mundo recebem hoje para acelerar em carros e circuitos infinitamente mais seguros. Então sua vida professional foi dividida entre o volante e as salas de aula.

1963 foi um ano maldito para Nino, devido a uma falta de sorte incrível. Mesmo assim… “venci as 12 Horas de Sebring com Mairesse mas os cronometristas se enganaram e atribuiram uma volta e meia a mais para Scarfiotti-Surtees, que foram proclamados vencedores. Dragoni, o chefe da Ferrari, percebe o engano e vai falar com a direção da prova mas não há o que fazer. A Ferrari não pode reclamar contra ela mesma.

Fiquei de fora da Targa porque o prefeito tirou minha licença.

Em Nurburgring vê a morte de perto em um acidente pavoroso na Nordschliefe.

Em 1964, a sorte muda totalmente e ele dá o troco no destino, vencendo os 1.000km de Nurburgring.

Não corre novamente na Targa Florio, porque a Ferrari, em litígio com a Federação, não inscreve nenhum carro.

Em compensação, triunfa também em Le Mans.

Le Mans é minha corrida preferida. Muito mais que a Targa Florio e falo de pilotagem em estado puro. Na Targa nós guiávamos a volta inteira com um mão no volante e outra no cambio. Um sofrimento, uma tortura. Em Le Mans não. Velocidades acima dos 300 km/h, em Mulsanne e Maison Blanche com derrapagens de 200m – e se você errar talvez morra. Um palco cintilante diante de uma plateia seletíssima, 200 mil pessoas nas tribunas. De dia e de noite. Aquilo era correr, aquilo era vida.

“O circuito mais exigente era Nurburgring porque você estava sempre no ar. Sim, voávamos a todo momento.”

O velho Spa era outra coisa. Estávamos sempre com o pé no acelerador, correndo risco de vida o tempo todo, a mais de 300 por hora. Uma pista para adultos.

Le Mans 64.

Eu queria correr em dupla com Scarfiotti, meu parceiro habitual e me deram Guichet. Fiquei furioso. Mas, olha, foi a escolha mais correta, a vitória mais bela da minha vida. O francês era um “regularista” e me entregava sempre a Ferrari nas exatas condições que eu a tinha entregue. Revelou ser um perfeito ‘coequipier’”.

Com dois jogos de pneus fizemos 4800 km, parando nos boxes apenas 24 minutos em 24 horas. Para a época, um primor. Dou risada desta F1 atual com 4 paradas em uma hora e pouco.

1965 é o ano do sucesso libertador de Vaccarella na Targa Florio.

A chave foi a escolha do carro. Enzo queria me dar uma Dino 2 litros, agilíssima, mas eu sempre fui fiel à filosofia da potência pura.

Eu sempre quis muitos cavalos porque a velocidade pura não é um perigo mas pode se tornar uma ajuda se você sabe lidar com ela.

Assim, quis a P2 e com Lorenzo Bandini fomos os primeiros, causando uma emoção indescritível na multidão. Fui carregado em triunfo, com 700 mil pessoas em êxtase e a Sicília em ebulição.

Enzo me disse: “Quando te vi escoltado pelos carabinieiri não pensei que tivesse vencido, estava convencido que te tinham levado preso.

Essa foi a minha vitória do coração.

Em 1971 vence com Alfa Romeo.

Corri o risco de perder essa pela escolha da dupla feita pela Alfa. Simples, eu e Van Lennep éramos os mais velozes. Correndo em dupla teríamos arrasado. Mas o Chiti decidiu pelo Hezemans comigo e o Van Lennep com o De Adamich. E assim, tudo que eu ganhava sobre o De Adamich o Hezemans perdia para o Van Lennep. Tanto que no fim o Chiti, para evitar desastres, neutralizou a luta e pude vencer. De Adamich me confidenciou que incitou Van Lennep a transgredir as ordens da equipe. E eu acredito, Andrea é sincero, mas o holandês foi correto.

Tenho a máxima estima pelo Forghieri.

Chego no último momento ao Sarthe depois de ter faltado na simulação das 24 horas em Balocco, porque era o momento dos exames na minha escola e eu precisava estar presente. Entro na Ferrari 512, um monstro, e a poucos minutos do fim sou o poleman. Uma obra-prima. Mas sinto que o motor endureceu e digo a Forghieri para substitui-lo para a corrida. Ele me diz que fará um controle e depois me assegura: vai tudo bem. Largo e depois de meia hora minha Ferrari se “desbiela”. Pecado. Penso que podíamos vencer.

Depois venci em Sebring, batendo Steve McQueen. Com Giunti e Andretti, que guiou no final. Eu e Ignazio bastávamos, mas a ideia de por Mario para guiar e assim promover o nome da Ferrari na América foi uma decisão inteligente. Durante a corrida fui aos boxes com um pneu a nocaute e Forghieri mandou trocar a suspensão. Me irritei e Mauro me mandou para…. Os mecânicos fizeram o milagre em 20 minutos e vencemos. Forghieri ordenou aquele reparo somente porque tinha apreço pelas nossas vidas. Um grande.

No início dos anos 70 Nino está perto dos 40 anos de idade, mas ainda tem glórias para conquistar.

Na Targa 73, ele e Merzario sabem que já venceram antes mesmo de largar, pois Ickx com a outra Ferrari é um estreante e eles podem passar por ele quando desejarem.

Só que Arturo resolve entrar no campo da performance pura e durante o treino abaixa 20 segundos o tempo da volta. Digo para ele se  acalmar e ele responde que sim. Ele larga e na altura de Floriopoli toma tanto impulso que larga borracha no chão por uns 300 metros. Quando foi minha vez, a saúde dessa Ferrari já estava comprometida.

Voltamos a correr juntos em 75, com Alfa. Ele era mais veloz no treino, eu em corrida. Um outro triunfo. Eu estava com 42 anos. Resolvi parar embora tivesse um convite para guiar um Porsche 917, com que teria grandes chances de vitória.”

“Nino, como você quer ser lembrado?

A minha carreira é conhecida. Mas gostaria de ser lembrado como um homem que honrou a sua terra, a Sicília, e como um verdadeiro italiano.”

Está sendo modesto: Nino foi “o homem que mais soube emocionar de alegria a Sicília desde o dia em que Luigi Pirandello venceu o Nobel de literatura”.

PS: As “Madonie” são Montanhas do norte da Sicília.

Carlos Chiesa
Carlos Chiesa
Publicitário, criou campanhas para VW, Ford e Fiat. Ganhou inúmeros prêmios nessa atividade, inclusive 2 Grand Prix. Acompanha F1 desde os primeiros sucessos do Emerson Fittipaldi.

15 Comments

  1. Fernando Marques disse:

    Sugiro ao GP Total uma matéria especial sobre as 600 corridas da Wliians ne Formula 1 .

    Fernando Marques
    Niterói

  2. Carlos Chiesa disse:

    Muito obrigado pelos elogios, mas o mérito é todo do Nino e do jornalista da Autosprint, que teve a competencia de fazer as perguntas certas. Eu só traduzi e editei as partes que considerei mais interessantes. Mas o objetivo foi cumprido: queria trazer essas emoções para os mais jovens. Estamos todos de acordo que os carros eram fascinantes, não? E o testemunho do Nino nos traz a perspectiva do que era ser piloto dessas obras-primas naquela época, ao mesmo mais perigosa e mais romântica. Bernie merece arder no inferno por esse assassinato.

    • Mauro Santana disse:

      Concordo contigo, maldito Bernie!!!!!!!!

      • Fernando Marques disse:

        O Mundial de Endurance está renascendo … o Tio Bernie não é tão todo poderoso assim …

        Fernando Marques…

        • Fernando Marques disse:

          Só lembrando que em 2014 teremos Toyota, Audi e Porsche brigando pela ponta …

          Fernando Marques

    • Mario Salustiano disse:

      Carlos

      Você tem o mérito de trazer um bom assunto de uma boa fonte e escrever com a sensibilidade que os bons amantes de corridas merecem ler, parabéns!!!

      Mário

      • Carlos Chiesa disse:

        Você é muito gentil, Mario. Os frequentadores do GPTotal são exigentíssimos, então fico grato pelo elogio.

  3. Fernando Marques disse:

    O MArk Webber anuncia que sai da Formula 1 no fim deste ano … está aberta uma das vagas mais cobiçadas na categoria para 2014 …

    Fernando MArques
    Niterói RJ

    • Mauro Santana disse:

      E certamente o australiano será muito mais feliz correndo pela Porsche no mundial de Endurance e certamente Le Mans.

  4. Mauro Santana disse:

    Parabéns Carlos, um dos mais belos textos que já li!

    Sempre achei os protótipos belos, principalmente os dos anos 70, como os Lola T70, Ford GT40 e MK, Ferrari P4, 250LM, 312P, e ele, o Porsche 917K(Gulf de preferencia).

    Isso sem falar dos Porsche 935 e 962 que praticamente dominaram os anos 80.

    Enfim, daria para fazer uma lista enorrrrrme de belas máquinas que já disputaram o Mundial de Endurance.

    Mais uma vez, Parabéns Carlos!

    Abraço!

    Mauro Santana
    Curitiba-PR

  5. Fernando MArques disse:

    O que mais me fascina no GP Total é poder conhecer a historia do automobilismo, das equipes, dos carros e dos pilotos … confesso que por ignorancia não conhecia a carreira do Nino Vaccarella …
    Vejam bem que quando descobri o automobilismo, lá pelo ano de 1970 e com influencia máxima da 4 Rodas e da Auto Esporte, era um nacionalista vibrando com as primeiras conquistas e vitorias de Emerson na Formula 1 … que torcia pelo sucesso do J. Carlos Pace e Wilsinho Fittipaldi e por aí vai …
    Apesar do encanto que tinha pelos protótipos … confesso que jamais me aprofundava no assunto face o dominio da Formula 1 e dos brasileiros que nela corriam sobre mim …
    Sempre adorei o automobilismo num todo e neste aspecto não perdi em nada o gostinho dela quando o Senna morreu em Imola …
    Daí o meu fascinio quando leio textos como este aqui no Gepeto …

    Fernando Marques
    Niterói RJ

  6. Mario Salustiano disse:

    caros

    Sem dúvida alguma a beleza do texto está em trazer a tona o tipo de emoção que o automobilismo em sua plenitude é capaz de causar, algumas das frases de Vaccarella devem passar a constar nos panteões da literatura automobilística.
    Esse texto e suas histórias deveria ser leitura obrigatória para os quem festejam o artificialismo atual, aprendam um pouco e exijam coisa melhor
    Sim pessoal, para os que não tiveram a oportunidade de vivenciar, existiram categorias que traziam tanta ou mais emoção que a F1, sem dúvidas os Esportes-protótipos foram as que mais rivalizaram e por isso Ecclestone resolveu acabar com ela, o mundial de Rally é outra categoria atingida.
    Aproveito para pensar com meus botões, que bela homenagem a Autosprint fez e sempre faz com as histórias e matérias sobre o automobilismo, e que literatura impressa pobre temos a nossa disposição aqui no Brasil, ao menos o gepeto salva a pátria, Edu lança um gepeto em revista…

    abraços
    Mário

  7. Carlos Chiesa disse:

    Choro muito a falta das grandes corridas de esporte-protótipo. Entre os carros dessa época, alguns dos mais lindos de todos os tempos. E pilotos de bravura extraordinária, como o Nino. Felizmente, como ele mesmo diz nessa entrevista, ele escapou com vida.

  8. Rubbergil Jr disse:

    Belíssimo texto e linda história de vida. Um vencedor, não há o que discutir.

  9. Lucas Giavoni disse:

    Lindo texto!

    Quanto mais diversidade de assuntos dentro do microcosmo do esporte a motor, melhor. A F1 é maravilhosa, mas o sabor das grandes endurances também tem que ser conhecido pelos leitores. Nino foi um grande piloto e um grande cavalheiro fora das pistas.

    Abração!

    Lucas Giavoni

Deixe um comentário para Carlos Chiesa Cancelar resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *