O Tricampeonato

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O terceiro e derradeiro título de Ayrton Senna (e de pilotos brasileiros) completa duas décadas, portanto, nada mais justo que relembrá-lo.

Uma das coisas mais difíceis é falar sobre Ayrton Senna no Brasil. É quase impossível se omitir uma opinião sobre o brasileiro sem que haja algum questionamento.

Se por um lado há aqueles que gostam de dar o piloto por único grande da história, um alguém acima do bem e do mal, há também aqueles que, por raiva da Rede Globo, apreço por Piquet ou algum outro motivo (às vezes pessoal, como jornalistas que o culpam por algum tipo de fracasso profissional), tentam invalidar todo argumento em favor do tricampeão mundial tachando-lhe de “viúva” ou “alienado”.

Aliás, o simples parágrafo acima já servirá para que muitos estampem em minha testa tais alcunhas.

Nem tanto ao mar, nem tanto à terra”, diz o ditado. Amanhã completam-se 20 anos do terceiro e último título conquistado pelo piloto – seria, também, o último título de pilotos brazucas –, e nada mais apropriado do que relembrar essa data.

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Uma das coisas mais sem nexo que já ouvi sobre Fórmula 1 foi que “Senna nunca foi campeão sem ter um equipamento muito melhor”. Ora, em 1988 ele de fato tinha um carro absurdamente superior, mas tinha como adversário o atual bicampeão e recordista de vitórias Alain Prost com o mesmo bólido! Em 1990, o chassi da Ferrari era nitidamente superior, mas a potência dos Honda fez mascarar a diferença de equipamento.

Porém, no ano de 1991 não se pode delegar ao brasileiro qualquer espécie de privilégio em relação à concorrência em se tratando de equipamento. Aquela foi descrita por Ayrton, em sua coluna na Quatro Rodas, como sendo a sua “melhor temporada” – obviamente, 1993 ainda estava por vir. E não é pra menos.

Os números, analisados friamente, são impressionantes: 16 GPs disputados, sempre partindo entre os três primeiros, 8 pole-positions, 7 vitórias, 14 corridas na zona de pontos, 12 pódios, 2 voltas mais rápidas, 467 voltas (ou 47,7%) e 2067 km (45%) na liderança. Teve apenas 3 abandonos (em um deles ainda conseguiu marcar pontos), TODOS por problemas de equipamento – uma pane elétrica e duas secas –, quando estava, no mínimo, entre os 4 primeiros colocados.

Foi uma performance exuberante, madura, e que alçou o piloto brasileiro ao status de lenda, cumprindo o “requisito” descrito pelo colega Márcio Madeira em sua última coluna. No entanto, como dito anteriormente, até hoje há quem diga que a McLaren era o melhor carro, e que, além disso, “as Williams só se acertaram após a metade da temporada”.

Mais uma comprovação da velha máxima que diz: “uma mentira contada muitas vezes torna-se verdade”.

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É bem verdade que as Williams-Renault foram mal na primeira prova da temporada: Senna, criticado por não ter participado dos testes de pré-temporada, foi absurdamente mais rápido que seus adversários: marcou a pole 1,1s à frente de Alain Prost, que pilotava a Ferrari ‘campeã do inverno’. A segunda fila foi formada por Mansell quase 2s pior que Senna. Na prova, Senna de ponta-a-ponta, e abandono duplo para o time de Frank Williams.

httpv://youtu.be/1IAHYbYIdnc

A realidade no Brasil seria parcialmente igual à prova anterior: igual porque, de novo, Senna foi pole e venceu, mas muito diferente porque já não havia mais a superioridade da primeira etapa. Na verdade, o mundo já comentava que as Williams “voltaram, agora pra ficar”. Patrese e Mansell alinharam atrás de Senna no grid, e estiveram em seu encalço durante toda a prova.

O final, após um abandono de Mansell, teve Patrese perseguindo Senna que, usando-se apenas da 6ª marcha, conseguiu levar seu carro até o final e vencer em casa pela primeira vez. Essa história da marcha, aliás, nos joga de novo ao início do texto, pois há muita gente que diz isso não passar de “mentira” do piloto, mesmo a câmera onboard podendo comprovar de imediato: em 1991, somente Williams e Ferrari tinham câmbio semi-automático, e nas voltas finais Senna não tira as mãos do volante.

Nas duas provas seguintes, mais duas vitórias de Senna. Porém, outra vez com pressão das Williams: em San Marino, Patrese liderava até a volta 10, mas teve problemas mecânicos e teve de abandonar. A corrida posterior, foi em Mônaco. O que já é o suficiente. Porém, no Canadá, a história mudaria definitivamente.

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Estamos na 5ª de 16 provas. Apenas um quarto da temporada havia se encerrado, e as Williams começavam seu domínio avassalador: primeira fila dos carros azuis e amarelos, Senna largando em terceiro. Na corrida, os dois passeiam por quarenta voltas, até que Patrese tem problemas e vai aos boxes. Senna, que estava em terceiro, abandona logo na 26ª volta, quando já estava vários segundos atrás da dupla.

Mansell liderava com folga mas, nas curvas finais, abandona numa de suas mais clássicas trapalhadas. A Williams estava perfeita.

México. Senna sofre acidente nos treinos e o que já se anunciava no norte do continente, ficou mais gritante ao sul: Nova dobradinha da Williams no grid, e na corrida, invertendo as posições: Mansell primeiro, Patrese segundo. Ayrton apareceu em terceiro, o único a terminar a prova na mesma volta dos super bólidos de Frank e Patrick Head: cruzou a linha de chegada 57 segundos (!) atrás da dupla.

httpv://www.youtube.com/watch?v=hJKhN65O-aw&feature=related

Na prova seguinte, França, a mesma cena se repete: vitória de Mansell, Senna em terceiro, atrás da dupla de Williams, mas com diferença menor: 35 segundos após o líder. Na Inglaterra, contando com o mesmo apoio da torcida que vibrara com ele em 1987, Nigel faz barba, cabelo e bigode. Senna andava segundo até a penúltima volta, quando sofreu pane seca. Mas ainda assim conseguiu pontuar: foi-lhe creditado o quarto lugar por ter concluído a penúltima volta.

Senna toma carona com Mansell e “quase às lágrimas ao retornar aos boxes, já não se via mais em condições de lutar pelo título”, descreve o livro ‘O Herói Revelado’. Também, pudera: Agora Senna tinha 18 pontos de vantagem para Mansell, com ainda 80 em disputa. Estávamos no final da primeira metade da temporada. Será que a Williams começaria a se acertar a partir de agora?

A próxima pista era Hockenheim, de alta, altíssima velocidade, o que só favoreceria os adversários da McLaren. Em testes naquela pista um tempo antes (Senna, aquele que é acusado de não querer testar e não saber desenvolver, chamou para si essa responsabilidade) o brasileiro havia sofrido um grave acidente. Na prova, o mesmo drama da Inglaterra: novo abandono, novamente na última volta, novamente por pane seca, quando era quarto.

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A situação, agora, era a seguinte: as Williams dominaram completa e absurdamente as últimas 5 provas, e Mansell, que chegara a estar 34 atrás, tinha apenas 8 pontos de desvantagem para Senna.

E foi aí que veio o ataque do gênio. Nos treinos para o GP da Hungria, Senna faz aquela que – juntamente a Mônaco/88 – foi sua pole-position mais assustadora: menos pelos mais de 1.2 (!!!) segundos impostos a dupla da Williams (Patrese 0.010 à frente de Mansell) e mais pela forma absurda, quase insana, com que dirigiu o McLaren MP4/6, numa média horária de 187,595 km/h.

httpv://www.youtube.com/watch?v=xm2zAkSMFus

Na largada, Senna mantém sua posição e vence de ponta-a-ponta. Mas Mansell e Patrese estavam em seu encalço, e o brasileiro cruzou a linha de chegada apenas 4.5s à frente do inglês.

Na prova seguinte, em Spa, novamente Senna é pole em bela volta, mas a corrida mostrou outra realidade: de novo, o melhor rendimento das Williams, com Mansell lhe perseguindo durante as primeiras 14 voltas. Até que o brasileiro tem de ir aos boxes e volta em terceiro. Mansell havia assumido a ponta parecia confirmar seu domínio na pista belga até que a sorte mudou de lado e o Leão abandonou. Senna venceria, depois de muito pressionado por De Cesaris nos giros finais.

Passadas as duas corridas em que Senna venceu – e em ambas, repita-se, NÃO dispôs de equipamento superior –, novamente vimos a Williams humilhar a concorrência: três vitórias dos azuis, duas com Mansell e uma com Patrese, em Portugal, prova que o campeão de 1992 provavelmente venceria: o Leão era líder quando foi aos boxes e abandonou por um pneu que se soltou em seguida.

Isto posto, o mundial chegava ao Japão com Senna tendo 16 pontos de vantagem. Dobradinha da McLaren na primeira fila, com Ayrton (2º) apenas 0.024s a frente de Nigel. 9ª volta: Mansell erra, escapa da pista e abandona. Senna, que estava à sua frente e deixava Berger escapar, começa uma de suas pilotagens inspiradas, marca a melhor volta da corrida no giro 39, passa o austríaco e, na última curva da última volta, lhe cede a vitória. A contragosto, diga-se de passagem.

httpv://www.youtube.com/watch?v=_DPLaUxZiig&feature=related

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O mundial de 1991 teve ainda um capítulo final, na Austrália, onde o vencedor foi Ayrton Senna, que somou metade dos pontos, dada a interrupção da prova. Mansell, que já havia abandonado -rodou sozinho-, ainda somou 3 pontos como segundo colocado.

Senna foi tri com 24 pontos de vantagem. Qualquer que seja a conta feita, descontando as falhas mecânicas e até mesmo sendo bastante parcial e considerando erros de piloto como um “azar”, dará o título para Senna. Como argumento, muitos daqueles citados de início ainda dizem que “qualquer outro piloto mais inteligente que Mansell levaria aquele título com a Williams”.

Isso eu não sei, mas muito provavelmente nenhum outro piloto com aquela McLaren levaria aquele campeonato.

Marcel Pilatti
Marcel Pilatti
Chegou a cursar jornalismo, mas é formado em Letras. Sua primeira lembrança na F1 é o GP do Japão de 1990.

10 Comments

  1. Diogo Cenci disse:

    Nao concordo com essa questao de superioridade.
    alem de um baita piloto o senna correu a la prost. sempre contando com o resultado

    ele deu sorte que o carro do tio frank era composto por um piloto rapido + idiota e nao tinha confiabilidade. Acho que ate se o patrese fosse o 1 piloto da equipe ganharia do senna.

    a temporada de 93 eu concordo. o senna deu show! foi espetacular

  2. Vagner disse:

    Bela coluna.

    Mas, só uma correção: quem venceu o GP do México foi Patrese. Mansell foi o segundo.

  3. Macel Pilatti disse:

    Caro João, gostaria que você buscasse essa informação e nos trouxesse. Jamais soube de algo parecido. Engraçado, inclusive, ouvir falar disso.

  4. Me lembro que aqui mesmo no GPTotal foi falado uma vez que o carro da McLaren estava com uma irregularidade nas quatro primeiras corridas e quando foi descoberto, a equipe perdeu rendimento. Procede?

  5. Alex Cristiano de Sá disse:

    Olá amigos!

    Emociona ver os videos daquele GP do Brasil de 91. Eu tinha 9 anos na época e já era apaixonado por F1. E me lembro da alegria que senti após aquele GP. Foi como se tivesse vencido aquele GP também.
    Independente do que digam, pra mim, como torcedor na época, foi o máximo! Ver um brasileiro, com um carro em frangalhos, lutando até o fim pela vitória, foi demais.
    Acredito que é isto que falta a nossos pilotos atuais. Não se trata apenas de vencer corridas e sim de mostrar garra, vontade de vencer e não de apenas ser mais um na pista.
    Claro que todos nós que acompanhamos a F1, sabemos que sem equipamento, não se chega a lugar nenhum, mas, é realmente difícil, você assistir a corrida e ficar esperando algo dos brasileiros.
    Rubinho, tá com um carro horrível e a ponto de engrossar a lista dos desempregados da F1. Massa, está burocrático de mais. Parece que casou com esta 6ª posição e não larga mais. Não sei o que acontece mais parece que ele “apaga” fisicamente e seu rendimento cai no trecho final da corrida. Bruno Senna, foi o que mostrou alguma coisa, mas, precisa largar um pouco melhor e claro, precisa de tempo.
    Claro que terão os que discordam de mim, mas, é realmente duro assistir corridas esperando algo dos brasileiros. Prefiro assistir apenas porque gosto das corridas.

    Um abraço a todos.

  6. Paulo C. Winckler disse:

    Prezados amigos do GPTotal

    agradeço a publicação de meu comentário. Fico feliz por estar conseguindo transmitir minhas ideias sem ferir outrem, mesmo quando me atrevo a discordar desta ou daquela ideia. Penso que este é o principal objetivo do GPTotal: ser um local de acolhida às pessoas que gostem do Automobilismo de Competição, fazendo ou não, parte deste maravilhoso mundo.

    Deste modo, temos que ter em mente que estamos todos ligados em torno de um mesmo objetivo, ou seja, o Automobilismo de Competição. É mais do que justo que tenhamos opiniões diferentes à cerca de um mesmo assunto, mas devemos lembrar sempre de sermos educados com todos, principalmente em um país no qual os amantes deste esporte, infelizmente, são minoria. Deste modo, justifico antigos clamores que fiz em prol da união de todos os GPTos.

    Por derradeiro e novamente, sem falsa modéstia de minha parte, fico muito feliz em constatar que, de algum modo, possa estar oferecendo minha singela contribuição , no sentido de motivá-lo a continuar tocando o GPTotal.

    Como GPTo lhe digo: simplesmente precisamos dele!

    Forte abraço do amigo

  7. Marcel Pilatti disse:

    Fernando,

    Nós mencionamos os 30 anos do título de Piquet na nossa página no facebook.

    Porém, em meu texto, em virtude da coincidência da data, quis focar no título do Ayrton.

    Na segunda-feira, 17, o autor da coluna preferiu focar nos acontecimentos do fim-de-semana, citando MotoGP, Indy e F1.

    Mas certamente Piquet será (re)lembrado ainda muitas vezes em nosso site.

    Abraço!

  8. allan disse:

    Bruno, a diferença de 91 para 92 foi basicamente o advento da suspensão eletrônica. O resto era praticamente igual, já que a base 91 era inegavelmente vencedora, superior a todos os carros do grid.

  9. Bruno disse:

    A Willians teve que projetar um carro muito melhor em 1992, pra só assim ganhar de Senna. Nem acho que Mansell era burro, o que faltava nele era concentração mesmo. E como o texto diz, Senna estava no auge aquele ano, só foi melhor em 1993.

    Bruno Bernardo

  10. Fernando Marques disse:

    Cari Pillati,

    acho mais do que merecedor a lembrança dos 20 anos passados da conquista do tri campeonato do Senna, ainda mais por ser até então o ultimo conquistado por um brazuca na Formula 1 … mas acho um erro não lembrar que nesta semana também foi comemorado 30 anos do primeiro dos tres campeonatos conquistados pelo Piquet, numa disputa sensacional travada com as Willians de Reutman e Alan Jones e que no final ele superou o Argentino por apenas um ponto …

    Fernando marques
    Niterói RJ

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