One

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Hamilton tetracampeão

Quantos HP pode ter uma guitarra?

A pergunta me ocorreu enquanto ouvia, maravilhado, The Edge executando Bullet the Blue Sky, parte especialmente impressiva do show do U2, duas semanas atrás, em São Paulo. O clima da música, original do disco The Joshua Tree e presente também em Rattle and Hum, favorece a um dos grandes guitarristas do rock um solo inesquecível, menos pela técnica, mais pela força que emana da sua guitarra.

Difícil imaginar os sentimentos que perpassam um artista como The Edge no momento em que, sozinho, domina e controla tal poder tirado de um instrumento que pode carregar nas mãos. Ele percebe o que está fazendo? Pode entender a força que produz e que virtualmente congela umas 65 mil pessoas presentes ao show, como se atingidas por um raio paralisantes muito, muito potente?

Creio que não. É inerente ao exercício do bom poder controlá-lo, ainda que de forma inconsciente. Poder sem controle costuma terminar em borrões de sangue. Se The Edge conseguisse entender racionalmente o alcance do seu poder, provavelmente não o exerceria, ao menos da forma como exerce. Talvez o leitor já tenha experimentado ser envolvido por uma onda do mar muito forte e tenha entendido que o melhor a fazer é simplesmente se deixar levar por ela até que a sua força se dissipe e seja possível emergir e retomar a respiração. Um artista, da mesma forma que um esportista, pode iniciar um processo poderoso, em alguns casos sem onde ele irá leva-lo, mas confia também poder controlá-lo minimamente, a sequência de notas, movimentos, marcações ocorrendo de forma inconsciente, uma submersão na onda, mas sabendo que, mais adiante, será possível sair dela indene.

O Mercedes de Lewis Hamilton tem, sabemos, uns mil cavalos de potência encerrados no espaço de uma caixa que pode ser carregada com as mãos. A despeito de tanta potência num espaço tão restrito quase não percebemos o significado disso, tal a suavidade com que o inglês conduz seu carro a vitórias e títulos em sequência, o quarto deles conseguido no domingo, no México. Tudo parece tão fácil, tão natural como se qualquer um de nós fosse capaz de fazer o mesmo.

É uma ilusão, claro. Levar aquele carro às velocidades de que é capaz em meio a um ambiente hostil como um GP é tarefa magnifica para gente magnifica, tanto quanto solar em um show de rock.

Creio que já tenha ficado claro ao leitor que não nutro grande admiração por Hamilton como piloto, da mesma forma que pelos seus contemporâneos, ainda que isso possa ser apenas azedume meu. Como o colega Márcio Madeira notou em papo recente, falta duelo a esta geração, a primaveril ultrapassagem do inglês sobre Sebastian Vettel na reta principal de Austin sendo todo um símbolo da temporada 2017.

No entanto, o doce sorriso de Hamilton ao emergir de seu cockpit, a simpatia e alegria que ele vai espalhando a cada vitória e, claro, seus números superlativos vão me conquistando devagar. Vê-lo ao volante do implacável Mercedes é testemunhar o controle sobre o poder.

The Edge e Hamilton mostram, cada um a seu modo, que HPs e vitórias, potência e poder, podem ser exercidos com controle e de forma construtiva. Artista e piloto expressam a vigência da civilização como único remédio eficaz e definitivo na contenção da violência inerente ao ser humano. São exemplos animadores num cenário particularmente desolador.

A elegância de Sebastian Vettel diante do título afinal perdido também é bem-vinda prova de civilidade. Não é fácil para um esportista, por mais civilizado que seja, administrar a frustração da derrota. Espero que esta frustração apenas reforce em Vettel o desejo e a determinação de superar adversários tão fortes nas próximas temporadas.

Em algum momento do GP dos Estados Unidos, Hamilton deu algumas voltas na pista judiando de um lindo Mercedes-AMG GT R, levando como passageiro Usain Bolt.

Gravado com requinte, o vídeo mostra a quem, como eu, nunca pilotou a diferença entre um carro de corrida e um carro de passeio, mesmo que movido por um V8 biturbo de 585 HP. Notem a dificuldade de Hamilton, certamente abusando dos limites do GT R, em mantê-lo numa trajetória minimamente estável nas curvas, o volante sendo manuseado a custo, o carro derrapando não raro sobre as quatro rodas, controlado enfim por agudos contra esterços, o mais belo movimento que se pode fazer ao volante de um carro ou de uma moto. Ver Hamilton ao volante do Mercedes me lembrou a definição ouvida de Alex Dias Ribeiro, anos atrás, sobre o March contra o qual ele lutou na temporada 77: “dirigir aquele carro era uma tourada”.

Por que mesmo um puro sangue como o GT R é tão indócil assim, quando comparado a um Fórmula 1, mesmo sendo equipado com alguns quilos de microprocessadores para facilitar e corrigir via suspensão, diferencial, freios etc.?

Porque falta a ele pressão aerodinâmica.

Ao projetar um Fórmula 1, os engenheiros buscam um dado coeficiente de pressão aerodinâmica e todo o resto se molda a isso. Você simplesmente não pode fazer um carro de passeio desta forma. Não pode fazê-lo tão próximo ao solo, não pode equipá-lo com uma suspensão cujo curso se meça em uns poucos centímetros, não pode colocar o assento do motorista tão baixo etc.

Logo, defender uma Fórmula 1 com menos ênfase na aerodinâmica nos levaria a touradas como a que vimos Hamilton e Bolt protagonizar. Seria divertido, o contra esterço que maravilhou os mais velhos nos tempos da Fórmula 1 dos anos 60 estaria de volta, mas as velocidades cairiam bastante, teríamos menos segurança e, não tenho dúvida, menos disputas pois a dinâmica de ultrapassagens seria radicalmente alterada.

Minha neta de cinco anos, depois de ver ao meu lado a animação da formação do grid de largada no México, as fotos dos pilotos em sucessão:

_ Vô! Não tem menina?

Como diria Drummond, vem aí o poder ultrajovem.

Ao leitor talvez interesse saber que a redação de meu livro, Fórmula 1, Pela Glória e Pela Pátria, foi embalada pela audição repetida de Achtung Baby, um dos grandes discos do U2. Anos mais tarde (não que já não gostasse dela antes), One tornou-se talvez a música mais marcante da minha vida.

Abraços

Eduardo Correa

Eduardo Correa
Eduardo Correa
Jornalista, autor do livro "Fórmula 1, Pela Glória e Pela Pátria", acompanha a categoria desde 1968

3 Comments

  1. Fernando Marques disse:

    Mauro, hoje cedo pela manha. minha caçula disse que os shows do Lynyrd Skynyrd na America Latina foram cancelados por problemas de saude com o filho do vocalista Johnny Van Zant, que parece estar acometido de um linfoma … minha filha esteve no face da banda e parece que está confirmado mesma o cancelamentos de todos os shows … uma pena, estava animado em poder ver pela primeira vez o Lynyrd ao vivo …

    Fernando Marques

  2. Mauro Santana disse:

    Grande Edu!

    U2 é uma Banda Lendária, que eu sonho um dia poder assistir ao vivo.

    Já Hamilton, pra mim, só é tetra por estar no melhor carro do grid, assim como aconteceu com o Vettel na RBR.

    Assim como o Schumacher, cujo o único título que eu realmente tiro o chapéu para o alemão, foi o do ano 2000, os outros 6…

    Falta o duelo, que da brilho das corridas de automóvel.

    E também considero Alonso o melhor piloto do grid atual.

    Fernando

    Também estou com o meu ingresso comprado para assistir dia 12/12 aqui na Pedreira Paulo Leminski Purple e Lynyrd.

    Deep Purple será a terceira vez que vou assistir aqui, porém, o Lynyrd Skynyrd será a primeira, e estou super ansioso para tal encontro.

    E você faz muito bem em levar a suas filhas para curtir estes monstros sagrados do ROCK`N ROLL!!!!

    YEAHHHH

    Abraço!

    Mauro Santana
    Curitiba-PR

  3. Fernando Marques disse:

    Edu,

    para mim o melhor piloto do grid atual da Formula 1 se chama Fernando Alonso, mas o L. Hamilton merece todos os méritos por tudo que está conquistando na Mercedes. mas assim como você, nenhum deles me encanta como os pilotos dos anos 60,70 e 80. Só que não estou aqui para fazer comparações. O Hamilton é bom de braço e a prova disso é como ele toca a Mercedes-AMG GT R, tendo o Bolt como passageiro. Tocada linda, sem uso do controle da tração e uma bela filmagem também.
    O amigo lembrou de seu livro, pois é muito bom relembrar os bons tempos do Brasil na Formula 1 e junto com ele o U2 e Bullet the blue sky.
    Pois bem no próximo dia 15 de dezembro, irei ver nada menos do que numa só tacada , duas a bandas de rock dos anos 70, sendo uma a minha preferida e uma outra das minhas prediletas também. São elas The Lynyrd Skynyrd e The Deep Purple. Dinossauros como eu, vou curtir o melhor rock que existiu. E vou levar minhas filhas juntas … para elas conhecerem …

    Fernando Marques
    Niterói RJ

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