Os flamboyants da Fórmula 1 – parte 1

Competição ou jogo? – final
01/08/2018
Os flamboyants da Fórmula 1 – final
08/08/2018

No início dos anos setenta a sociedade vivia o auge da liberdade de expressão, iniciada timidamente ainda no final dos anos cinquenta e que foi sendo consolidada ao longo dos anos sessenta, sobretudo na segunda metade.

Podemos dizer que a década de 70 começou no momento em que se perdeu a inocência e a crença nos ícones e bandeiras dos anos 60. Houve um rompimento com o que ainda havia sobrado dos valores morais da década anterior, tudo embalado com o rock, o psicodélico – viagem da mente – e as drogas.

Como contraponto do glamour e dos arranjos musicais complexos da Disco, o Punk foi um dos fenômenos da década de 70, caracterizado por suas roupas escuras, músicas com arranjos simples e diretos, com muitas correntes e cabelos eriçados e descoloridos; influenciou o mundo, não esquecendo que essa influência foi herdada do movimento Beatnik ou Beat, como ficou mais conhecido.

Os movimentos Beat e Hippie constituíram um avanço e um abalo que a literatura e a arte como um todo jamais tinham concebido como possibilidade real e empírica. Do hedonismo, da vivência com a natureza, da imersão no seu eu interior, da larga inspiração criativa no âmago da existência humana, dos extremos com drogas, álcool e sexo.

Essa influência era muito sentida no mundo da música e das artes, mas não no mundo da velocidade da Fórmula 1. O maior abalo provocado nesse cenário tinha sido em 1968 a liberação para equipes terem investidores publicitários a encherem os carros de cores e logotipos de marcas famosas.

Nesse caldeirão cultural um jovem milionário e aristocrata inglês, Lorde Alexander Hesketh, aproveitava ao máximo o tempo de lazer. Claro, pessoas como ele não precisam acordar cedo para ganhar a vida, como os “comuns” costumam fazer.

Sua família morava numa portentosa propriedade que ficava próxima do circuito de Silverstone e isso fez com que o jovem Lorde acabasse naturalmente se interessando pelas corridas de automóveis. Foi assim que ele conheceu Anthony Horsley, conhecido como “Bubbles” – isso mesmo, “Bolhas” ou “Borbulhas”, numa tradução livre.

Bubbles Horsley havia trabalhado com Frank Williams nos anos sessenta. Viajava de um lado pro outro da Europa, de circuito em circuito, para conduzir os pilotos de Frank de forma mambembe em corridas para lá de precárias. Podemos dizer que os recursos eram escassos, mas não o talento e a paixão. As colunas de Manuel Blanco sobre Frank não deixam dúvidas.

Bubbles e Hesketh acabaram se entendendo com muita afinidade na paixão pelas corridas: um era rico em talento e voluntarismo, o outro rico em libras esterlinas, e ambos eram pura excentricidade. Isso os unia perfeitamente.

Lorde Hesketh estava determinado e impaciente para ir diretamente ao que mais lhe atraía: a Fórmula 1. Mas Bubbles segurou o ímpeto do amigo e o aconselhou-o a iniciar pelas categorias de base. Assim, em 1972, nasceu a Hesketh Racing, cuja sede era na grande propriedade aristocrática de Hesketh.

Eles não tiveram muitos resultados convincentes naquele ano. Depois de um período curto e infrutífero na concorrida F3 britânica em que Bubbles Horsley estava ao volante, eles contrataram um cara alto, loiro e relaxado, com um sorriso sarcástico. Esse piloto tinha reputação de ser rápido, ao mesmo tempo em que era um destruidor de carros. Mas esse cara era mais que um piloto, era um Hippie por vocação.

Seu nome: James Hunt.

Estava formado um trio que era a cara da contracultura que havia surgido e só no automobilismo ainda não tinha acontecido – até então.

Bubbles abandonou o volante para ser apenas chefe de equipe, no momento em que ambos, Bubbles e Hunt, haviam destruído os dois chassis F3 que a equipe dispunha…

O Lorde quis “cair para cima”, e comprou um March 722 de Fórmula 2. Com esse carro, preparado por Bubbles, o jovem James foi apenas 17º colocado no Campeonato Europeu de 1972, mas se isso não foi muito encorajador para começar com a equipe, Lorde Hesketh não estava nem aí. Ele troca o March 722 por um Surtees TS9 de F1, com o qual James participa de uma corrida extracampeonato no começo de 1973, a Race of Champions em Brands Hatch. E logo de cara, eles conseguem um encorajador 3º lugar. Para Lorde Hesketh, isso era a confirmação do que eles tinham que fazer.

Foi nesse momento que Lorde Hesketh se deu conta que o custo de um carro de Fórmula 2 não era assim tão longe de um modelo de Fórmula 1. Não teve dúvida: providenciou a entrada de seu time no mundo que ele sonhava desde que fundara a sua equipe, a Fórmula 1.

Um adendo: vocês conseguem imaginar, nos dias atuais, que no início dos anos 70 a diferença de orçamentos para se comprar um carro entre as categorias de F1 e F2 eram tão próximas a ponto de se resolver migrar de uma categoria a outra de forma tão intempestiva como Hesketh fez?

Difícil não ser saudosista numa hora dessa…

Com Bubbles Horsley nomeado como seu gerente de equipe, eles partem para a temporada de 1973 do campeonato de Fórmula 1. Ao procurarem um carro melhor que o Surtees, que já era defasado, eles vão até a fábrica da March e adquirem um modelo 731 novinho.

A estreia notável trouxe publicidade sobre a equipe Hesketh e a presença amigável do lorde inglês no paddock de Mônaco não passou despercebida.

A equipe de Hesketh ganhou uma reputação crescente por seu estilo playboy e descontraído, chegando às corridas em carros Rolls-Royce, bebendo champanhe, comendo lagostas e iguarias, independentemente de seus resultados. Hospedavam-se com toda a equipe em hotéis cinco estrelas, com festanças durante a semana da corrida. Nem os maiores construtores do circo ou seus campeões estavam habituados a esse padrão, muito menos a esse estilo de vida!

A cereja do bolo era a equipe adotar um carro sem patrocínio, apenas as cores da aristocracia Hesketh e ter no macacão de seu piloto e na camisa dos mecânicos a inscrição bordada que dizia: “Sex – The Breakfast of Champions” (Sexo, o café da manhã dos campeões).

Lorde Hesketh estava absolutamente radiante. Por fim, ele estava na categoria mais chique do automobilismo ou, como poderíamos dizer em seu caso, na aristocracia das corridas. Mas essa imagem inglesa e bastante simplista rapidamente abriu espaço para as verdadeiras ambições da equipe, que, claro, não era considerada “séria” pela concorrência. Eram tratados apenas como um bando de aventureiros que queriam se divertir.

Na próxima parte, relembraremos como foi a trajetória na F1 dessa trupe tão diferente.

Até lá!

Mario

Mário Salustiano
Mário Salustiano
Entusiasta de automobilismo desde 1972, possui especial interesse pelas histórias pessoais e como os pilotos desenvolvem suas carreiras. Gosta de paralelos entre a F1 e o cotidiano.

3 Comments

  1. Mauro Santana disse:

    Grande Salu!!

    Como bem disse o Fernando, essa história promete!

    Abraço!!!

    Mauro Santana
    Curitiba PR

  2. Fernando Marques disse:

    Mario,

    esta história promete!!!

    Fernando Marques
    Niterói RJ

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