Os oito contemplados

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Até agora, nada menos que oito vencedores diferentes nesta mágica temporada 2016 da MotoGP.

A MotoGP ganhou contornos completamente diferentes na segunda metade da temporada 2016. Desde que Jack Miller irrompeu a cena para vencer de forma dramática o Grande Prêmio da Holanda na catedral de Assen, o que vimos foi uma incrível sucessão de corridas marcadas pela instabilidade climática, o que nos proporcionou uma nova – e inédita – série de vencedores.

Nada menos do que oito contemplados já tiveram o prazer de ver a bandeirada de chegada antes dos outros. Foram eles: Jorge Lorenzo (Losail, Le Mans e Mugello), Marc Márquez (Austin, Argentina, Alemanha), Valentino Rossi (Jerez, Catalunha), Jack Miller (Assen), Andrea Iannone (Áustria), Cal Crutchlow (Brno), Maverick Viñales (Silverstone) e Dani Pedrosa (Misano).

Essa sequência nunca tinha acontecido desde que o campeonato passou a se chamar MotoGP, em 2002. Apenas em 2000, quando o certame ainda era regido pelas 500cc de dois tempos havíamos visto as vitórias de Garry McCoy, Norick Abe, Alex Crivillé, Loris Capirossi, Alexandre Barros, Valentino Rossi, Max Biaggi e Kenny Roberts Jr, o campeão daquele ano.

O que está acontecendo é o grande desejo da Dorna, a entidade que regulamenta e promove a MotoGP. Para tentar frear o monopólio de Honda e Yamaha, que venciam ininterruptamente desde 2010, a organização do campeonato decidiu (em comum acordo com as equipes) que em 2016 estariam abolidas as centrais de gerenciamento eletrônicas independentes, até então fabricadas por cada montadora.

É um detalhe mais significativo do que parece a princípio. Para se ter uma ideia, pegue o seu smartphone. Os mais modernos possuem acelerômetros, que o capacitam a “entender” quando está na vertical, horizontal, parado ou em movimento. É isso que possibilitou a proliferação dos aplicativos (ou “apps”), capazes de nos auxiliar das mais diferentes maneiras.

As motocicletas de alto desempenho (não apenas de competição, mas também modelos vendidos em concessionárias) possuem um dispositivo com o mesmo princípio (chamado também de unidade de medição inercial) capaz de calcular, em tempo real, como o veículo está se movendo, se inclinando e outras funções.

Integrado a outros recursos eletrônicos como freios ABS, controle de tração, modos de pilotagem e, mais recentemente, suspensões ativas (sim, aquelas que você está pensando), essas centrais tornaram as motocicletas modernas praticamente ciborges de duas rodas, capazes de alterar em milésimos de segundo ajustes mecânicos que um ser humano levaria um dia inteiro para realizar.

Como sempre acontece, a evolução dessa tecnologia nasceu justamente nas pistas de competição, encabeçada por Honda, Yamaha e Ducati na segunda metade dos anos 2000. As três marcas desenvolveram gadgets tão sofisticados que suas motos se tornaram capazes de alterar o comportamento curva a curva. É por isso que hoje você vê pilotos se inclinando assustadoramente e derrapando com facilidade. O talento nato permanece, mas existe também uma boa dose de ajuda eletrônica envolvida.

Além de minar a competitividade das equipes independentes (naturalmente privadas dos recursos que fazem a diferença), esse desenvolvimento cada vez mais importante acabou elevando os custos da MotoGP a níveis nunca antes imaginados. É por isso que todos os participantes concordaram com a introdução de uma unidade padronizada e muito menos sofisticada para esse ano.

Está sendo, sem dúvida, um fator determinante nessa temporada. A Honda, por exemplo, nunca escondeu que tem dificuldades, porque sua maneira de trabalhar era fazendo o motor mais forte possível para depois domá-lo na eletrônica. Eles lideram o campeonato graças à mudança de mentalidade de Márquez, que preferiu coletar pontos, ao invés de partir para o “ou tudo ou nada” em todas as etapas. É por isso que o espanhol não se preocupou em perseguir Miller em Assen, mesmo tendo condições para isso.

Márquez e a Honda receberam o prêmio pela sabedoria duas semanas mais tarde, quando venceram o imprevisível GP da Alemanha, em Sachsenring. Começou a chover na metade da corrida, e os laranjas souberam manter a calma para entrar nos boxes e trocar de moto no momento certo surpreendendo a todos, principalmente a Yamaha.

A marca dos diapasões, que reconhecidamente possui a melhor motocicleta do grid, ainda não conseguiu traduzir sua supremacia técnica em resultados. Rossi ficou na mão em Mugello com um motor estourado, além de cair em momentos decisivos, como em Austin e Assen (essa quando liderava). Por fim, os pífios desempenhos de Lorenzo em pista molhada deixaram claro o quanto ainda está longe de ser o piloto completo que diz ser.

Já a Ducati, que tinha um conhecimento prévio desse software padronizado (eles abdicaram de utilizar o próprio desde o ano passado) pôde se concentrar em estudar o principal problema da Desmosedici: sua já conhecida relutância em deitar nas curvas. Entretanto, a GP16 é a máquina mais maleável já produzida em Borgo Panigale e os frutos vieram no Grande Prêmio da Áustria, onde Andrea Iannone e Andrea Dovizioso dominaram completamente a prova. Foi a primeira vitória dos vermelhos desde Casey Stoner em Phillip Island, 2010! O australiano, por sinal, estava presente para comemorar com todos.

A situação passou a ficar tão interessante que até São Pedro resolveu intervir e participar mais ativamente. A chuva voltou a dar o ar da graça no romântico e magnífico circuito de Brno, na República Checa. Lá, foi a vez de Cal Crutchlow apostar nos pneus certos, ultrapassar todo mundo e conquistar a sua primeira vitória (assim como da equipe LCR-Honda) na MotoGP. Mais do que isso, foi a primeira vitória de um britânico na categoria principal desde Barry Sheene, na Suécia em 1981!

Os ingleses, que são completamente apaixonados por motos lotaram a etapa seguinte realizada justamente em Silverstone. Quem foi ao lendário autódromo viveu um mágico final de semana de homenagens à Crutchlow e ao falecido Sheene, cujo primeiro título mundial (em 1976) completou 40 anos.

Crutchlow manteve o bom momento conquistando a pole position, novamente debaixo de muita chuva. O domingo de pista seca, no entanto foi completamente dominado pelo impressionante Maverick Viñales. Em uma atuação perfeita, o espanhol deixou todos eles para trás com sua cada vez melhor Suzuki GSX-RR. A montadora de Hamamatsu não vencia uma corrida desde o GP da França de 2007, com Chris Vermeulen.

Viñales mal teve tempo de comemorar, pois na semana seguinte todos estavam novamente em ação na pista de Misano, para o Grande Prêmio de San Marino. Dessa vez, contudo, São Pedro não apareceu e a etapa teve muito sol e calor desde o início. Assim, Honda e Yamaha voltaram a dominar.

A prova, no entanto, nos brindaria com mais surpresas. Desmoralizado e sem nada a perder, Dani Pedrosa apostou todas as suas fichas nos pneus macios acreditando que eles iriam durar a corrida inteira. O espanhol mostrou que estava certo ao deixar Crutchlow, Viñales, Dovizioso, Márquez, Lorenzo e Rossi para trás se tornando o oitavo vencedor diferente quando ninguém mais esperava.

Acredite se quiser: restando ainda cinco etapas para o término da temporada, ainda é possível que tenhamos um nono vencedor diferente. A bola está com Dovizioso, que terá boas chances no Japão (onde marcou a pole position em 2014) e na Austrália, onde a Ducati costuma render bem. Além do italiano, não podemos descartar Pol Espargaró e Bradley Smith, que pilotam a Yamaha M1 campeã no ano passado. Nesse caso, no entanto, São Pedro precisará comprar ingressos novamente.

Oremos!

Até a próxima!

Lucas Carioli
Lucas Carioli
Publicitário de formação, mas jornalista de coração. Sua primeira grande lembrança da F1 é o acidente de Gerhard Berger em Imola 1989.

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