Ouvido de campeão

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01/12/2014
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05/12/2014

Uma análise da temporada 2014 e dos seus protagonistas.

Minha retrospectiva de 2014 não será feita com foco nas corridas em si, tampouco na rivalidade que aconteceu entre Nico Rosberg e Lewis Hamilton, que se conhecem muito bem desde os tempos de kart e tiveram o relacionamento abalado quando ambos se viram em condição de ser campeão. Como sabemos, nos campeonatos, é como na lenda de Highlander: só pode haver um.

Meu olhar recai sobre o campeão da temporada Lewis Hamilton. Mais precisamente em seus ouvidos, e já explicarei o porquê.

Lewis é um jovem de talento indiscutível, a pessoa certa na profissão certa. Não apenas está acima da média, como sempre pode ser apontado como um dos melhores. É rapidíssimo em qualquer situação. Faz parte da primeira geração que aprendeu demais com os simuladores computadorizados, jogando por terra a premissa de que era necessário experiência para conhecer os circuitos. É poderoso pilotando, sua condução é vistosa. Vimos isso em 2008, quando ele nem mesmo estava maduro o suficiente e foi campeão.

Assim como sabemos que Lewis é um piloto capaz de proezas – este ano, ele se tornou o britânico com mais vitórias da F1 – sabemos que ele possui suas fraquezas. Quando Hamilton esquece o quanto seus ouvidos são importantes, ele desaba. Toda sua exuberância é jogada pela janela.

Tivemos a primeira prova disso no GP da Hungria de 2007, quando não quis ouvir a equipe, que determinou a troca de posições dos carros nos treinos, causando o revide do companheiro Fernando Alonso e a implosão total do ambiente da McLaren. Pouco depois, na China, novamente não ouviu a equipe e demorou demais para entrar nos boxes e trocar pneus. A borracha se desgastou de tal maneira que ele não conseguiu fazer a curva de entrada do pit e atolou na brita, abandonando naquele que seria o GP do título. Na corrida seguinte, em Interlagos, veio a amarga derrota para Kimi Räikkönen.

Lewis, desde o kart, aprendeu a ouvir seu tutor, Ron Dennis. O episódio da espionagem de 2007, e a rixa mortal com o então presidente da FIA, o amoral Max Mosley, fez com que Dennis se afastasse do ambiente de corrida na McLaren. Lewis deixou de ouvi-lo, estranhou-se com o próprio pai e ainda estabeleceu uma relação turbulenta com a namorada Nicole. Hamilton cansou-se de ouvir os outros, achou que não precisava mais disso.

Tudo isso resultou num Lewis perdido, sem foco, sem rumo – um talento desperdiçando a si mesmo. O ponto mais baixo foi 2011. No Canadá, sua sucessão de besteiras foi, como diria Darth Vader, perturbadora. Jenson Button o colocou no bolso naquele ano.

Lewis felizmente percebeu que não teria como crescer mais na carreira permanecendo na McLaren, ele teria que sair da zona de conforto. Ele seria sempre o “garoto que começou no kart”, mesmo em um papel de liderança na equipe. Ao mesmo tempo, um homem chamado Niki Lauda, da diretoria da Mercedes, começou um movimento para buscar aquele piloto em conflito para sua equipe. Bom lembrar que esta era uma aposta particular de Lauda, a Mercedes não se mostrava muito favorável.

Hamilton conheceu o ambiente da Mercedes em 2013, vendo o quanto seu novo (porém conhecido) companheiro Rosberg estava totalmente integrado ao time e como também podia ser muito rápido e regular, um predicado muito apreciado em uma F1 que condena (em muito) os abandonos.

Para 2014, Lewis teve que ser mentalmente forte para enfrentar um ambiente bastante contaminado pela rivalidade, cenário de certa forma parecido com o que se levantou na McLaren em 2007 – muito em parte, pelo próprio Lewis, apesar da imaturidade, mostrar o quanto era talentoso. O histórico de Lewis, numa situação dessas, era desfavorável. Assistir seu naufrágio em 2014 perante Rosberg não seria surpresa alguma.

Já escrevi sobre este homem, Niki Lauda. Não há piloto na F1 que tenha vencido mais provações do que ele. Novamente Lewis teve alguém para ouvir. Não, Niki não é de forma alguma um tutor, como foi Dennis no passado. Esta fase não existe mais. Lauda é, sim, um conselheiro pontual, com a sensibilidade de chegar nos momentos certos e soltar uma dica poderosa junto ao ouvido, sem esperar o momento de ser consultado. Não haveria melhor pessoa para este papel.

Lewis conseguiu a força mental necessária para não se abalar em momentos difíceis da temporada. Foi forte para reverter um quadro de ampla vantagem do seu concorrente na tabela de pontos. Foi forte em não se abalar com abandonos causados por falha de equipamento. Não se abalou com a superioridade do companheiro em qualificações. E finalmente foi forte o suficiente a ponto de colocar pressão no rival, fazendo com que Rosberg cometesse mais erros durante a temporada. Devemos elogiar a diretoria da Mercedes, que conseguiu contornar as crises internas e proporcionou aos seus dois pilotos uma disputa aberta pelo título durante todo o ano.

Não é possível qualificar ou quantificar o nível de relação entre Hamilton e Lauda. Sabemos que não é uma relação classificada como “de amigos”, daqueles que convidam um ao outro para jantar, ou de frequentar a casa um do outro. Mas houve, sim, uma simbiose.

Lewis recuperou os ouvidos atentos. Sorte a nossa, que pôde assistir em 2014 um piloto excepcional mostrando o seu melhor.

Tive o privilégio de assistir in loco as 6 Horas de São Paulo. Que honra ver novamente Emerson Fittipaldi correndo, bem como poder testemunhar a última pilotagem do Mister Le Mans, Tom Kristensen.

A endurance é, obviamente, um outro tipo de evento, do qual o público brasileiro ainda precisa se acostumar. Por ser três vezes mais longo que um GP de F1, é necessário combiná-lo com formas complementares de entretenimento, como é na própria 24 Horas de Le Mans.

Depois de trazer o grande público para a F1, e em seguida da Indy, Emerson Fittipaldi está trazendo o mundo da Wec pro Brasil. Como conhece intimamente o funcionamento do esporte a motor de Europa e Estados Unidos, soube bem combinar esporte e entretenimento.

Hoje, com as maravilhas da tecnologia, vivemos o que Marshall McLuhan já havia esquadrinhado em seu conceito de “meios de comunicação como extensão do homem”. Qualquer um munido de smartphone ou tablet acompanhava em tempo real a cronometragem da corrida. Não havia como perder-se na ordem de classificação. E mesmo quando não estava nas arquibancadas, era possível obter informações de pista. Tudo muito cômodo.

Compartilho da esperança do próprio Emerson de que o público brasileiro se interesse mais pela modalidade. Seria particularmente importante se Lucas di Grassi conseguisse, por exemplo, ser o primeiro brasileiro a vencer Le Mans.

O título de Rubens Barrichello na Stock foi emblemático.

Seria legal se ele continuasse na Indy, se participasse de Indianápolis. Tenho certeza de que ele pegaria a mão do carro, assim como ele pegou na Stock, que demanda uma pilotagem ainda mais específica. Também temos certeza de que ele teria lenha pra queimar caso fosse para uma das equipes de ponta do Mundial de Endurance – se eu fosse diretor da Nissan, que ano que vem coloca um novo protótipo para brigar com Audi, Porsche e Toyota, eu faria um convite ao piloto.

Entretanto, vendo a festança que ele fez no pódio com seus dois filhos, é possível ver que o que ele quer mesmo é continuar junto da família. Sua aventura em Europa e Estados Unidos chegou ao fim. Ele quer ficar no Brasil, curtir suas corridas, e estar ao lado de esposa e filhos. Tornou-se, definitivamente, um cara família. Mas sem deixar de ser competitivo, sem perder a verve.

Bom para Rubinho, bom para a Stock.

Aquele abraço!

Lucas Giavoni

Lucas Giavoni
Lucas Giavoni
Mestre em Comunicação e Cultura, é jornalista e pesquisador acadêmico do esporte a motor. É entusiasta da Era Turbo da F1, da Indy 500 e de Le Mans.

7 Comments

  1. Paulo C. Winckler disse:

    Prezados Amigos do GPTOTAL

    Trago à tona um assunto que já foi muito debatido no GPTOTAL e que era a grande diferença de velocidade entre os F1 de ponta e os de equipes menores.

    Pois bem , a ausência da Marussia e Caterhan , parece naturalmente ter resolvido esse problema, muito embora , seja muito lamentável a ausência das referidas escuderias, principalmente em virtude do principal motivo que às alijaram do circo da F1, que é o alto custo financeiro da maior Categoria do Automobilismo Mundial.

    Mas em verdade, a citação feita, foi apenas um pretexto para chegar à uma breve e modesta análise e comparação com os , também , velozes carros Esporte – protótipos ( LMS ) e abrangendo também, os Esporte – protótipos Brasileiros.

    Bem sabemos que nas categorias citadas, temos várias, digamos assim, divisões ( sendo as principais , os Protótipos e os Gts e suas subdivisões ) e com grandes diferenças técnicas e conseqüentemente , de velocidade. Continuando o raciocínio, todos largam e correm juntos, porém, com classificações por categoria ou divisões , em separado .

    Como bem sabemos , no decurso da competição que é de longa duração , naturalmente e seguidamente , os protótipos se deparam com carros de categorias mais lentas , por muitas voltas e inclusive no período noturno da competição e isto faz parte da natureza desta competição.

    Na minha opinião , e tendo por base a realidade agora abordada , me parece que há uma supervalorização dos riscos impostos pelas diferenças de velocidade entre os carros da F1 mais velozes em relação aos mais lentos ( embora o fato seja real , a diferença de velocidades ) e de igual modo , ao potencial de risco , atribuído à essa realidade , dentro da F1. Quase desnecessário lembrar que em ambas as Categorias , competem pilotos de altíssimo nível , às vezes até mesmo que competem simultaneamente nestas categorias ( F1 e LMS ) . Atualmente , no caso dos pilotos de F1 , normalmente quando se “ aposentam “ da F1 e nos anos 50, 60 , 70 e 80 ( com aparições mais escassas nos anos 80 e 90 ) era muito comum a utilização de seus talentos em ambas às categorias .

    Resumindo : Em minha modesta opinião, Pilotos do nível aos quais nos referimos, estão absolutamente aptos à enfrentarem e conviverem com estas essas diferenças de velocidades , seja na F1 , ou em qualquer outra categoria de Automobilismo. Me parece ( novamente ) mais uma questão comercial envolvendo interesses financeiros, do que uma realidade potencialmente ofensiva e perigosa , em alto grau . Naturalmente , o esporte a motor tem os riscos inerentes à sua prática e estas condições sempre fizeram parte de seu contexto.

    Aproveitando o “gancho” deste assunto, é cabível registrar a etapa Brasileira da LMS , ocorrida em Interlagos da no dia 30.11.2014 .

    Nota positiva : A honrosa participação do nosso querido Campeão EMERSON FITTIPALDI , à bordo de uma Ferrari .

    Notas negativas : A escassa divulgação televisiva da prova e o acidente de Mark Weber , quase sem divulgação e maiores informações a respeito da saúde do Piloto , acidentado nessa prova . O muito pouco que se soube ( pelo menos , o pouco que eu soube ) dava conta de que o Piloto sofreu ferimentos leves ( felizmente ) e NADA MAIS!

    Espero que esse tema possa servir de “ combustível “ e instigue opiniões e comentários à respeito , por parte dos Colunistas e Gptos.

    Renovo os votos de um FELIZ NATAL e PRÓSPERO ANO NOVO! Forte abraço á Família GPTOTAL.

    Paulo C. Winckler.

  2. Ronaldo disse:

    Não sei se o WEC teve problemas necessariamente com o evento. De um lado temos os críticos, que vão procurar defeito em qualquer bunda de modelo. Não é possível agradar a essas pessoas. No entanto, na outra ponta, temos a organização, que por trazer um evento espetacular por natureza, descuida de aspectos básicos da organização sob o argumento de que graças a si aqueles carros estão ali passeando diante de seus olhos, cale-se e aproveite ou nunca mais eles virão.

    As corridas de longa duração são sim tradicionais no Brasil, muito embora o formato sofra de um abandono crônico. Quando criança e adolescente cansei de ver no autódromo aqui em Brasília Opalas dividindo espaço com Portótipos e Ferraris e Porsches GT. No RS ainda é possível ver esse espetáculo, com protótipos nacionais e o autêntico churrasco gaúcho.

    Não me entendam mal, a crítica deve levar a uma reflexão, mas há algumas que estão completamente fora de proporção. Quando eu vou a um jogo de futebol não vejo ninguém perguntando o porquê de aquele cara de luvas poder botar a mão na bola e os outros não. O conhecimento do esporte é pressusposto de quem comparece ao evento, e alguém alegar surpresa pela “bagunça” que ocorre na pista enquadra o espectador automaticamente na primeira categoria que listei acima.

    No fim das contas somos todos culpados: Os que amam e não comparecem, os que estão lá para crititcar, e os que fazem por fazer. O volume das críticas poderia baixar, para não acender o estopim que detonou outras categorias no país, como a MotoGP, a Indy no Rio, com seu espetacular oval sem inclinação e quatro curvas diferentes, e o WTCC. Quem sabe um tom mais construtivo não deixe de despertar aquele sentimento de rivalidade nos organizadores que os levam a contrariar a tudo e todos e não caprichar na maquiagem.

  3. Fernando Marques disse:

    Mauro,

    veja só que situação … aí em Coritiba tem autódromo dos bons … dá pra ver corrida boas… dá para fazer festa para o Barrichello e tudo mais ….
    enquanto isso aqui no Rio e em Niterói … rsrsrsrsrsrs


    Manuel,

    a conclusão da FIA a respeito do acidente do Bianchi era a esperada e para ficar mais bem conclusiva a FIA deveria assumir seu próprio erro de nunca punir os pilotos que nunca e jamais respeitaram as velocidades de segurança sob bandeira amarela como deveriam respeitar …

    Fernando Marques

  4. Lucas dos Santos disse:

    Xará,

    Muito boa a sua análise sobre Lewis Hamilton. Não tenho como discordar dela.

    Quanto à WEC, falta mesmo divulgação. Li vários relatos de pessoas que foram assistir à corrida no autódromo e não gostaram, porque não entenderam nada do que se passava na pista. Não conheciam as regras básicas, não entendiam o porque de tantos carros diferentes “misturados” numa única corrida, não conseguiam acompanhar a disputa… Desse jeito fica difícil popularizar a categoria. Pior ainda é o fato das 6 Horas de São Paulo saírem do calendário no ano que vem.

    Quanto ao Rubens Barrichello, desde que ele saiu da Indy eu acho que ele deveria ao menos tentar entrar na WEC. Penso que seria um ambiente adequado para ele. E, como as corridas acontecem uma vez por mês, creio – ingenuamente, talvez – que haveria tempo de sobra para ele passar junto com a família entre uma corrida e outra.

  5. Mauro Santana disse:

    Bela coluna Lucas!!!!

    Parabéns!!

    Também concordo com o Fernando, você matou a charada para Hamilton e Barrichello.

    Tive o privilégio de estar presente aqui no AIC para ver ao vivo o título do Barrichello, e foi realmente uma festa enorme e emocionante.

    Tipo, nunca nutri nenhuma simpatia pelo Barrichello, mas, ele tem carisma e fez o povão correr junto com ele nas arquibancadas lotadas neste ultimo domingo.

    Também tenho esta impressão, acho que o que ele quer é ficar no Brasil e curtir sua família, esposa e filhos.

    Mas que ele poderia fazer bonito tanto na Indy como no WEC, ahhh isso ele faria.

    E que honra pra quem pode estar presente ao templo nas 6 horas, pois não é todos os dias que se pode ver Lendas em ação nas pistas como o Emerson Fittipaldi e Tom Kristensen, este ultimo em despedida das pistas.

    Show!!!

    Abraço!

    Mauro Santana
    Curitiba-PR

  6. Fernando Marques disse:

    Primeiramente ao Manuel Blanco e a conclusão da FIA sobre o acidnete com J. Bianchi:
    “O estudo defende que “as ações tomadas após o acidente de Sutil foram de acordo com o regulamento” e que “ Bianchi não reduziu o suficiente para evitar perder o controle no mesmo ponto da pista que Sutil” em trecho sinalizado com bandeiras amarelas duplas, maior sinal de alerta ao piloto antes da paralisação da prova com bandeira vermelha. No momento do acidente, estava chovendo forte e escurecendo.
    O documento afirma também que Bianchi acionou o acelerador e o freio ao mesmo tempo quando perdeu o controle do carro, e um dispositivo de segurança que cortaria o torque do motor nesse caso acabou não funcionando em razão de uma particularidade do sistema de freios da Marussia.”

    Lucas,

    acho que você matou a charada do L. Hamilton e do Rubens Barrichello.

    Fernando Marques

    Niterói RJ

    • Manuel disse:

      Oi Fernando,
      Obrigado pela informaçao que, realmente, nao aporta nada que já nao esperassemos. Respeito ao que diz que aconteceu quando Bianchi perdeu o controle do carro, já nao tinha importancia pois o controle já estava perdido.
      Enfim, creio que meus temores se confirman.

      um abraço, Manuel

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