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A conclusão da triste história de Achille Varzi

Leia a primeira parte desta triste história.

Em 1936, o GP de Tripoli tem, de novo, o seu final manipulado, desta vez, por motivos políticos.

Os governos fascistas da Itália e da Alemanha haviam acertado que as corridas disputadas em território alemão deveriam ser vencidas preferencialmente por pilotos alemães enquanto as corridas em território italiano seriam reservadas aos pilotos italianos. A Líbia era um protetorado da Itália naquela altura, de forma que o chefe da equipe Auto Union sinalizou com a placa “Reduza a velocidade” para Hans Stuck, companheiro de Varzi e que liderava a corrida com folga. Ao mesmo tempo, indicou a Varzi “Acelerar”. Desse modo, o italiano recuperou a desvantagem e cruzou em primeiro.

O desconforto geral foi reforçado no jantar em homenagem aos pilotos, quando governador da Líbia e criador da prova, Italo Balbo, propôs um brinde ao “real ganhador da corrida” e ergueu sua em direção a Stuck. Humilhado, Varzi retirou-se para o hotel. Incapaz de se acalmar, viu Ilse oferecer-lhe uma dose de morfina. Ela não usava a droga, pelo que se sabe, enquanto era casada com Paul e imagina-se que tenha aprendido a usá-la como analgésico durante uma internação hospitalar.

Varzi teria se assustado com a oferta, recusando-a. Mas, com o avançar da noite, acaba consumindo uma dose.

Uma semana mais tarde, competindo em Tunis, Varzi sofre um pavoroso acidente, saindo da pista a mais de 200 km/h. Um piloto que viu o acidente correu em direção aos restos do Auto Union certo de que encontraria Varzi morto. Mas, para surpresa geral, encontrou o piloto sem qualquer ferimento. À noite, ele tomou a sua segunda dose de morfina e tinha de concordar com Ilse: a droga realmente eliminava a dor e acalmava os nervos.

Logo, estaria viciado.

Seja pelo consumo de morfina seja por azar puro e simples, Varzi viu sua competitividade se perder nas corridas seguintes, sendo batido por um jovem companheiro de equipe, Bernd Rosemeyer.

No entanto, continua a correr. Na medida em que o vício avançava, Varzi torna-se um falastrão, a elegância no vestir se perde, ele deixa de ser pontual nos seus compromissos, como sempre fora. A Auto Union está atônita. Pede aos médicos que examinem Varzi mas ele nada conta sobre seu vício.

Então, durante uma corrida em Berna, enquanto Varzi treina, o chefe da equipe vai até o hotel onde o piloto e Ilse estavam hospedados e a confronta. Ela recusa qualquer explicação mas então o chefe da equipe encontra uma seringa hipodérmica e uma embalagem pela metade de morfina. Informadas sobre o caso, as autoridades italianas, por ordem direta de Mussolini, negam visto de entrada no país a Ilse.

A equipe não renova o contrato de Varzi para a temporada de 37 e ele desaparece até meados do ano, quando retorna e vence uma prova pouco importante. Logo depois, dizendo estar separado de Ilse, convence a Auto Union de que havia abandonado as drogas e podia voltar a correr. A equipe aceita os argumentos do italiano e lhe cede um carro para as três corridas finais da temporada.

Nos treinos para a primeira delas, Varzi parece ter recuperado o brilho do passado mas, durante a corrida, se atrasa e termina a prova esgotado. Na corrida seguinte, em Brno, aparece com a mão machucada e durante os treinos estava tão lento que acaba pedindo para não competir. Também não participa da corrida final.

Em 38, Varzi estava de volta a Tripoli, onde correu bem mas teve de abandonar por quebra de seu Maserati. Fez mais uma corrida no ano e depois mergulhou na obscuridade.

Em março de 39, às vésperas do começo da II Guerra, num hotel de Munique, Hans Stuck encontra Ilse. Ela lhe pede dinheiro emprestado para comprar um passaporte falso, de forma que pudesse entrar na Itália. Stuck não lhe dá o dinheiro mas promete ajuda-la de outros modos. Na manhã seguinte, fica sabendo que ela tentara se suicidar durante a noite. Fora achada caída na rua, vestindo apenas uma camisola e balbuciando “Achille, Achille”.

Ilse sobrevive, supera o vício e se casa novamente, vindo a falecer nos anos 70. Também Varzi se casa durante a Guerra, com Norma, que o ajuda a recuperar-se.

Terminada a Guerra, Varzi, aos 42 anos, demonstra desejo de voltar a correr e a Alfa Romeo tem prazer em lhe ceder um dos seus belos 158, o carro que, em 50, daria a Nino Farina o primeiro título da Fórmula 1. Varzi vence em Turim, em sua reestreia, e chega em 2º em Milão.

Em 47, a equipe Alfa faz algumas corridas na América do Sul. Varzi vence em Rosário, na Argentina, e em Interlagos. De volta à Europa, repete boas atuações.

Em 48, vence novamente em Interlagos mas bate seu Alfa no primeiro dia de treinos, sob chuva, para o GP da Suíça, em Berna. O carro toca na guia que beira a pista e capota. Sem nada para proteger sua cabeça, Varzi tem morte instantânea. A Alfa decide abandonar a prova mas Norma a convence do contrário e a equipe consegue as duas primeiras colocações na corrida.

A triste história de Varzi passou ao largo dos jornais da época. Eram outros tempos e a imprensa ainda respeitava as misérias privadas das personalidades públicas. Apenas com a publicação do livro Racing the Silver Arrows, de Chris Nixon, em 1986, a história emergiu inteira, sem subterfúgios ou meias-palavras.

O vício insidioso roubou a Varzi a possibilidade de brilhar na fase de ouro do automobilismo. Ele era muito rápido mas cuidadoso na condução do carro, entendendo que era melhor vencer a corrida do que quebrar o recorde a cada volta. Era, digamos, como Alain Prost. Podia ter batido tanto Tazio Nuvolari, que veio a ocupar o espaço deixado por ele na Auto Union, quanto Rosemeyer (que morreu em 1938) e Rudy Caracciola que, com um estilo semelhante, se revelou o maior vencedor de corridas do período.

Abraços

Eduardo Correa

Texto publicado originalmente em março de 2007

Eduardo Correa
Eduardo Correa
Jornalista, autor do livro "Fórmula 1, Pela Glória e Pela Pátria", acompanha a categoria desde 1968

4 Comments

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    Penso em um filme sobre tudo que se expôs de forma sucinta e didática por você, Edu. Imagine que a história de Varzi incluiria não só automobilismo mas as 2 grandes guerras, o nazismo, a paixão desenfreada, o vício, a fidelidade, fora figuras como Stuck, Rosemayer, Caracciola, Tazio… Fica a “dica”.

  4. Arlindo Silva disse:

    Ah as mulheres…

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