Perguntas e Respostas

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Tudo sobre o último GP da Espanha, e as muitas questões e afirmações que a corrida nos deixou.

Quatro vitórias consecutivas nas quatro provas que completou, e um abandono por problema mecânico, num fim de semana em que havia marcado a pole position. Não há o que discutir: Lewis Hamilton é o grande nome da temporada 2014, superado o primeiro ¼ da disputa. E, apesar de todo esse domínio, apenas agora, e pela margem ínfima de 3 pontos, ele assume a liderança na tabela de pontos. Isso pede uma reflexão.

Muito tem se falado a respeito das semelhanças entre as temporadas de 1988 e 2014, dados os paralelos entre o domínio acachapante da McLaren Honda de então, e da Mercedes na atualidade; e também as semelhanças de perfil entre os pilotos envolvidos na briga pelo título, Senna e Hamilton de um lado, Prost e Rosberg de outro. O ponto principal é que, assim como esteve perto de ocorrer em 1988, não é impossível que uma única equipe vença todas as corridas este ano. E aqui nós chegamos a uma diferença decisiva entre as temporadas de 1988 e a de 2014: o sistema dos melhores resultados.

Não seria nenhum absurdo afirmar que 1988 acabou sendo decidido mais pelo número de vitórias do que pelas corridas que cada piloto da McLaren abandonou ou completou, graças à margem de cinco abandonos assegurada pelo sistema de descartes. Isso, a rigor, ficou claro aos próprios pilotos ainda no início da temporada, a tal ponto que Alain Prost simplesmente julgou desnecessária sua permanência no molhado GP da Grã-Bretanha, quando deixou de ter chances de brigar pelo lugar mais alto do pódio. Se acaso fossem computados todos os resultados daquele ano, muito provavelmente o francês teria permanecido na pista em busca de um ponto ou dois.

Em 2014, no entanto, o cenário é diferente. Se teve algo que as primeiras corridas deixaram muito claro foi que os abandonos – ao menos entre os pilotos da Mercedes – pesam muito mais do que as vitórias, numa proporção prática de 25 para 7. A chance de que o título caia no colo de quem abandonar menos vezes, portanto, é mais de 3,5 vezes maior do que a de quem vencer mais corridas. E isso, claro, sem considerar o impacto da pontuação dupla em Abu Dhabi, que torna o cenário ainda mais grave. Imaginemos, por exemplo, que Hamilton e Rosberg se encontrem empatados a oito provas do fim da temporada, e que então Lewis emende uma improvável série de sete vitórias consecutivas, com Nico sempre em segundo. Aí, na última prova do ano, quando diversos conjuntos estarão no limite de suas durabilidades, Lewis sofra uma pane qualquer e abandone. Nesse caso, bastaria a Rosberg vencer para conquistar o título por um ponto.

Diante de tal possibilidade, a pergunta a ser feita não é se o regulamento é justo, uma vez que ele é o mesmo para todo mundo, como também era há 26 anos. No entanto, cabe questionar se é interessante dar peso tão grande ao acaso, ao imponderável ou ao azar mesmo, que seja, num campeonato supostamente tão sério e importante.

Em minha opinião, não é.

A proximidade nos pontos e os sorrisos nos pódios escondem uma tensão, ao menos de natureza esportiva, crescente nos bastidores.

Aos poucos Rosberg começa a experimentar a mesma sensação que levou Alain Prost a elaborar, em algum momento no segundo semestre de 1989, a estratégia maquiavélica e genial para bater Ayrton Senna na pista, aplicada como ensaio em Hockenheim e de forma definitiva em Suzuka. Colocando em termos simples, nenhum piloto fica satisfeito simplesmente por liderar a tabela de pontos, se isso não for reflexo de uma superioridade na pista, especialmente em relação ao companheiro de equipe.

Só existem duas opções aqui: ou o piloto se deixa bater, e acaba aceitando o fato de ser menos veloz, como parece ser o caso de Dani Pedrosa em relação a Marc Márquez na MotoGP, ou ele paga o preço de mergulhar em uma batalha que nem sempre será capaz de vencer. Rosberg já afirmou que detesta ficar atrás do companheiro de equipe, e também já disse que o vem estudando em busca de alguma forma de superá-lo. Até o momento, no entanto, ainda não foi capaz de igualar a velocidade de Lewis, e sabe que isso já começa a afetar a forma como é visto na F1. Ainda que outros abandonos o favoreçam, Nico começa a perceber que a única forma de ser campeão e não ser questionado, é vencer batalhas diretas, na pista.

Hamilton, claro, também sabe disso, da mesma forma como sabe que o rival ainda vai tentar endurecer muito a disputa, antes de considerar jogar a toalha. Ele está ciente, tanto quanto nós, de que o momento é decisivo. Se não para a tabela de pontos, certamente para a construção de uma hierarquia, e para desconstruir a confiança do rival. A questão é territorial mesmo, é moral. Sem mencionar que é extremamente fácil se acostumar a vencer, e é muito agradável a sensação de ser o melhor. Por isso mesmo, podemos prever muita resistência por parte de Hamilton – e talvez até alguma truculência – no dia em que Rosberg conseguir se colocar à sua frente.

Sob esse aspecto, a pergunta que fica no ar é: será que Nico terá a mesma força e a mesma vontade que Alain Prost demonstrou em momentos de 1988 e 1989 para virar a mesa e elevar a complexidade de jogo?

Em minha opinião, não.

Agora, sobre a corrida.

A dobradinha da Mercedes não foi nenhuma novidade, muito menos com Hamilton liderando a fila. Atrás deles, a presença de Ricciardo e Vettel foi a confirmação de que a Red Bull é hoje a segunda força em termos de velocidade e ritmo de prova, e mais uma vez o ordenamento entre elas acabou sendo definido por problemas mecânicos. Difícil dizer quem teria chegado à frente, mas o fato é que Vettel também fez uma grande prova, primeiro evitando toques ou afobamentos, depois ganhando posições ao se manter na pista com pneus duros, e por fim fazendo funcionar a estratégia de três paradas ao ultrapassar grande número de adversários com muita decisão.

Bottas na 5ª posição não representa apenas um constrangimento a Felipe Massa, mas também diz algumas coisas sobre esse estranho carro da Williams. Isso porque até a FP3, o finlandês não vinha se entendendo com o bólido. O carro não passava segurança, especialmente na traseira, a tal ponto que piloto e equipe julgaram que não tinham nada a perder. Curiosamente, a radical mudança de acerto que se seguiu foi inspirada pelos dados do carro de Felipe Massa, e funcionou perfeitamente já na Q1. A boa posição de largada, no entanto, surpreendeu menos que a manutenção do bom ritmo de prova, notório ponto fraco desse carro. Felipe Massa, por sua vez, errou na Q3, chegou a largar bem até posicionar-se mal para a curva 1, e depois jamais conseguiu fazer os pneus durarem o tempo previsto. Fez poucas ultrapassagens a despeito de ter um dos carros mais velozes da pista, e andou boa parte do tempo na turbulência de conjuntos mais lentos, acentuando ainda mais o desgaste de sua borracha. Uma prova infeliz, enfim, que o deixa em posição ainda mais desfavorável em relação ao companheiro de equipe, sobretudo na tabela de pontos.

Seguindo pela ordem de chegada, muito vem sendo dito sobre o “1º duelo de verdade entre Kimi e Alonso”. Honestamente, não me empolgo com isso. Dois pilotos desse nível brigando assim, enquanto levavam volta das Mercedes, não é situação que possa servir como base de análise isenta. O carro é inconstante, Räikkönen afirmou que cada volta lançada ao volante dele é uma nova aventura, e brigar pela sexta colocação é muito diferente de brigar pela ponta. Hamilton que o diga…

Grosjean na oitava colocação representa algum sinal de melhora para a Lotus, embora o conjunto tenha obtido um posicionamento inicial ainda melhor. Além dele, Massa ainda foi superado pela dupla da Force Índia – liderada por Pérez –, e também pelas duas McLarens, que prometiam desempenho muito melhor a julgar pelo desempenho nas sessões livres.

É preciso dedicar também algumas palavras às vitórias de Luiz Razia na Indy Lights, e Felipe Nasr na GP2.

Começando por Razia, vitória segura, a partir da pole, na primeira vez em que a Indy utilizou o circuito misto na Brickyard. Apenas mais uma comprovação, como se essas ainda fossem necessárias, de que o baiano tem talento e maturidade suficientes para merecer uma chance na F1. Ao que tudo indica, no entanto, a janela para isso se perdeu. Não ficarei admirado se estivermos vendo o início de uma história parecida com a de Gil de Ferran. E tomara que seja mesmo o caso.

Já Nasr fez, finalmente, aquilo que se esperava dele desde 2012. Uma corrida decidida, para a frente e com ritmo para sustentar a liderança, que conquistou de forma brilhante nas duas primeiras voltas. Esperemos que seja a primeira de muitas boas atuações, porque as duas últimas temporadas arranharam muito da reputação construída nas categorias de base, e nós sabemos muito bem o destino reservado a quem entra para a F1 pela porta dos fundos.

Por fim, deixo aos amigos algumas perguntas, aguardando pelas respostas dos amigos.

A Mercedes vai conseguir vencer todas esse ano, ou teremos algo como o GP de Monza de 1988?

O que será que a diretoria da BMW sente ao ver o domínio atual da Mercedes na F1?

Abraços, e tenham todos uma ótima semana.

Márcio Madeira
Márcio Madeira
Jornalista, nasceu no exato momento em que Nelson Piquet entrava pela primeira vez em um F-1. Sempre foi um apaixonado por carros e corridas.

7 Comments

  1. Annibal Silva disse:

    veja essa Marcio, pelo regulamento anterior (10, 8, 6, 5, 4, 3, 2, 1), Nico ainda estaria liderando: 42 a 40

  2. Ronaldo de Melo disse:

    Já vimos Hamilton sucumbir à pressão várias vezes, e o ano vai ser longo para ele. A convivência com Lauda, no entanto, me parece ser a variável que mais influenciou sua mudança de comportamento. Nem sorri mais. Por outro lado, Nico tem no rosto uma tensão que nunca demontrou antes. Transparece a sensação de contrariedade quando, finalmente, lhe dão um carro vencedor. Acho que o que estamos vendo na Mercedes é só o início do curso do estopim; ainda tem muita água pra correr ali.

    Falando em variáveis, o comentãrio do Fernando traz o fato que mais incomoda (a mim, mais do que as artificialidades do regulamento), a durabilidade absurda dos carros, mesmo lhes sendo impostos regimes cada vez mais rígidos de utilização dos componentes mais estressados, câmbio e motor. Me incomoda tanto porque, diferente de todas as outras variáveis, há coisa de cinco ou dez anos parece ser uma realidade irreversível. Quando chegarmos ao ponto de fazer um jogo de pneus durarem mais de um GP, os carros ainda serão à prova de pane.

  3. Mário Salustiano disse:

    Marcio e amigos

    Sobre as perguntas vou arriscar que vamos ter ao menos uma Monza 88 na parada, a diretoria da BMW está aprendendo como se faz um projeto a longo prazo coisa que não souberam fazer.

    Sobre a briga interna e a posição da Mercedes em deixar os dois pilotos brigarem entre si ,tenho uma posição mais pragmática, isso só está acontecendo por conta do alto domínio que eles estabeleceram nesse começo de ano, a diretoria da Mercedes nesse ponto está sendo mais inteligente que outras equipes foram no passado, com tanta vantagem podemos dizer sem muito risco de errar, quem vai ganhar o mundial de construtores é a Mercedes, a dúvida é quem vai ser campeão e quem fica com o vice no mundial de pilotos ,certo? numa situação dessas o que ganharia a Mercedes agora definindo preferencia por Hamilton ou Rosberg? só antipatia da torcida . Para quem tem como business vender carro isso seria péssimo. Eu aposto que se outra equipe de repente começasse a vencer e ameaçasse a liderança da Mercedes, veríamos num passe de mágica os caras mudarem de ideia sobre a liberação dos pilotos.

    abraços

    Mário

  4. Mauro Santana disse:

    Belo texto Márcio!

    O campeonato é longo, e acho que a Mercedes não ira conseguir vencer todas as provas.

    A respeito de 1988, deixo aqui uma pergunta aos amigos leitores:

    Com este regulamento de MERDA de hoje a respeito da durabilidade e obrigatoriedade em utilizar ambos compostos, Senna teria conseguido fazer a corridaça histórica que fez em Suzuka 1988!?

    Minha resposta é NÃO!

    E sabem o porque do NÃO!?

    Porque do jeito que estão as coisas, os pilotos ficam de mãos atadas, e impedidos de lutarem de verdade.

    Prova disso vou as poucas voltas que o Rosberg teve pra lutar contra o Hamilton no GP do Barhein.

    Aquela corrida do Senna em 88 no Japão, dentro vários fatores que deram certo, um dos principais foi ele não ter que parar pra trocar os pneus, e na época parava quem queria, como muitas vezes Mansell preferia fazer.

    Agora, a respeito do Massa, olha, fico triste em falar isso, mas o tempo dele na F1 já foi, pois ele não consegue mais atacar um adversário da forma como Alonso e Vettel fizeram neste GP da Espanha, pois ambos chegavam e passavam, principalmente o Vettel, e o Massa fica ali, naquela lenga lenga, cozinhando o galo.

    O Bottas(ou Bosta como disse o Reginaldo Leme no GP do Barhein, rsrs), não é nenhum fenômeno, e a tendência é o Massa tomar pau deste pia.

    E mais um detalhe.

    Infelizmente, com o Massa e o Bottas pilotando este carro da Williams, nós nunca saberemos o quanto este bólido pode mesmo andar, visto que ambos os pilotos não tem o calibre de um Alonso e Vettel, e com certeza não estão tirando tudo do carro.

    Esta são as minhas opiniões.

    Abraço!

    Mauro Santana
    Curitiba-PR

    • Ronaldo disse:

      Deve ser bom, saber toda a verdade a respeito de tudo! O regulamento pode ser diferente do de 88, inferior ou superior, vai depender de quem avalia; mas continua sendo o mesmo para todos os pilotos que estão na pista. Senna em 88 passou todos os carros que eram, naturalmente, inferiores, e contou com uma falha no câmbio de Prost e a chuva para vencer.
      A ultrapassagem é a superação de um conjunto lento por um mais rápido. Nunca, ecxceto em uma ou outra corrida em Mônaco (nem na Hungria!), houve uma briga que durasse sequer um sexto da prova.
      Olhar para o passado e exagerar é uma atitude extremamente covarde, especialmente se o ponto de partida é uma crítica tão violenta como a sua.

  5. Sandro disse:

    Quando a FIA vai criar as “regras anti-Mercedes”?
    A FIA fez de tudo para “prejudicar” a Red Bull: mapeamento de motores, gases do escapamento para aquecer os pneus, etc., etc., etc.

    A Mercedes vai fazer todas as pole-positions, melhores voltas, vitorias e liderar todas as voltas (Grand Chelem) em todas as corridas? Não!

    Hamilton bi!
    Rosberg vice!
    Mercedes faturando o Mundial de Construtores!

    Em 1988 na segunda corrida a McLaren-Honda venceu a segunda prova (San Marino) com Senna em primeiro e Prost em segundo. Detalhe: a dupla da McLaren deu uma volta de vantagem no terceiro colocado (Piquet, da Lotus-Honda).

    Em 1992, ao ver o desempenho da Williams-Renault na primeira corrida, Senna disse: “o campeonato acabou!”

    futurologia: McLaren-Honda em 2016 vai fazer barba, cabelo e bigode com Alonso? (???)

  6. Fernando Marques disse:

    Eu penso que:

    1) Por enquanto o regulamento em si ainda não influenciou diretamente nos resultados de Hamilton e Rosberg nas pistas. Isto por que havia expectativas de pane seca, quebras de motores e/ou turbos, desgastes de pneus, blá, blá e nada acontece. A Mercedes está tinindo em tudo. A pontuação em dobro vai influir, mas só saberemos como conforme você disse mais a frente no campeonato. A unica certeza em 2014 é que a briga pelo titulo vale somente para os pilotos da Mercedes.

    2) A briga interna na Mercedes já tem uma situação definida. Hamilton é melhor. Está mais rápido. Rosberg precisa não só de uma vitória, mas de várias. Vai precisar de muita força. A impressão atual é que Hamilton está imbatível.

    3) Sobre a corrida ficou claro que Mercedes não vai interfirir na briga entre seus pilotos nas pistas. Rosberg tentou outra estratégia, atacou mas Hamilton soube se defender muito bem. Com relação a Ferrari parece que o chamado ” plano A ” continua só valendo para o Alonso. A sua estratégia funcionou. e a do Kaikkonen não. O Felipe Massa está virando um caso complexo. Nenhuma estrategia funciona bem com ele. E haja desculpas!!!!

    4) Não sabia que Luiz Razzia estava na Indy Lights. Acho que ele pode se dar bem na Indy.

    5) Até que enfim o Felipe Nasr triunfou na GP 2. Demorou até demais.

    6) Se a Mercedes vai vencer todas as corridas de 2014 eu não sei, mas por incrivel que pareça, está mais fácil ela vencer todas do que seus dois carros quebrarem numa mesma corrida.

    7) Eu penso que BMW deve estar torcendo para Honda vir forte em 2015.

    Fernando Marques
    Niterói RJ

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