Poço

Por que vou prestar atenção na Haas
02/03/2016
Poço – parte 2
05/03/2016

Duas rãs moravam num agradável brejo no meio do campo. Viviam muito felizes, pois não lhes faltava nada.

Havia duas rãs que moravam num agradável brejo no meio do campo. Ali no seu pequeno brejo viviam placidamente, pois não lhes faltava de nada. Contudo, um longo e caloroso verão acabou secando aquele idílico paraíso e nossas rãs tiveram que buscar outro lugar onde morar. Recorreram toda a região em busca de algum brejo ou córrego, mas tudo estava seco. Cansadas e desesperadas nossas rãs se encontravam numa penosa situação, até que um dia a rã mais jovem aparece gritando que havia encontrado um poço com água.

Assim, as duas rãs vão para o lugar onde estava o tal poço. Era certo, ali havia um pequeno poço com bastante agua lá no fundo! Perante tão atraente visão a pequena rãzinha ansiosamente propõe que entrem no poço para beber e se refrescar, pois ali dentro estariam muito melhor do que lá fora. Então a rã mais velha lhe diz que aquela não era uma boa ideia, ao que a rãzinha, com estranheza, exclama:

– Mas… aí estaríamos mais fresquinhas do que aqui fora!

Com certa condescendência, a rã mais velha responde:

– Sim. Não há dúvida de que estaríamos muito melhor ai no poço, mas… depois como sairíamos daí?

Nos últimos anos temos visto como novos circuitos vem sendo incorporados ao campeonato, ocupando o lugar daqueles que haviam chegado a ser clássicos e que abrigavam algumas das mais belas lembranças da formula 1. Aqueles circuitos que tao bem se integravam na paisagem do lugar onde se encontravam, como se houvessem sido esculpidos sobre o terreno, logrando uma perfeita simbiose com seu entorno. Aqueles circuitos… são coisa do passado.

Hoje, temos circuitos submetidos a estritos requerimentos técnicos e de segurança. Traçados, preferivelmente, com o propósito de otimizar custos de manutenção e visando conceder a máxima exposição aos patrocinadores. Circuitos traçados com uma precisão cirúrgica, tão estéreis quanto um quirófano e que até parecem serigrafados sobre o terreno como se fossem um grande e colorido sticker.

A falta de espetáculo que normalmente adoecem as corridas, com frequência se atribui aos carros e à sua aerodinâmica, que prejudica o carro perseguidor. Contudo, não nos devemos esquecer dos circuitos, pois esse é o cenário onde tudo acontece. Os carros do passado, certamente, eram mais lentos mas transmitiam uma sensação de velocidade maior do que os atuais devido à maior fluidez dos circuitos. A transição de uma reta ou curva a outra era muito mais fluida nos circuitos clássicos do que nos modernos, onde a abundância de curvas de rádio pequeno, chicanes e cotovelos continuamente interrompem o ritmo e cadência dos carros em seu circular ao longo da volta.

Como todos sabemos, a distância mais curta entre dois pontos é uma reta. Esse é o recorrido mais fluido possível e qualquer outro que aumente essa distância reduz a fluidez e aumenta o tempo requerido para cobrir essa distância. Nos estudos hidrográficos sobre os rios, há uma magnitude para quantificar essa perda de fluidez: o Índice de Sinuosidade.

Este índice se obtém medindo a longitude do recorrido entre os pontos inicial e final de um trecho com curvas determinado e dividindo essa longitude pela distância em linha reta entre esses mesmos pontos segundo uma simples formula:

Com esta formula em mente, me perguntei se seria possível obter algum resultado interessante calculando esse mesmo índice de sinuosidade em alguns circuitos da formula 1. Assim, com a ajuda do Google maps, me dediquei à tarefa e, como exemplo, comecei por Silverstone e Monza, por serem dois dos mais clássicos cenários da categoria.

Como os dois circuitos sofreram modificações em seus traçados, também tive em consideração seus traçados originais de maneira a poder compará-los com os atuais. Como esse índice se refere às curvas ou sucessão de curvas e num circuito também temos trechos retos, tratei de buscar uma formula tão simples quanto a original que nos pudesse oferecer uma magnitude similar para todo o circuito, incluindo as retas.

A fórmula que escolhi para tal fim e cujo resultado chamo “Is circuito” é a seguinte:

Começando por Silverstone, a simples observação dos traçados do circuito em sua configuração original e atual, logo nos mostra as grandes diferenças entre ambos. De um traçado simples e fluido, com curvas de amplo rádio e angulo aberto, passamos a uma configuração recheia de curvas e cotovelos. Apesar de que a longitude total do circuito aumentou em 1.180 metros, as retas passaram de representar quase 80% do total da extensão do circuito a menos de 60% e, enquanto que no traçado original as curvas tinham um índice de sinuosidade de 1,14, no atual este subiu a 1,26. No que se refere ao índice total do circuito, passamos de 1,43 a 2,12.

O seguinte circuito analisado foi o de Monza e os dados oferecidos por este circuito, além de curiosos, também confirmaram uma grande perda de fluidez, como vemos a continuação:

Como curiosidade temos o índice de sinuosidade de suas curvas que, tanto na configuração original quanto na atual, ainda que três chicanes foram incluídas no traçado original, o tal índice de sinuosidade se manteve em 1,28. Contudo, ainda que foram apenas 3 chicanes, seu impacto na fluidez do circuito foi enorme, maior do que o aumento no índice total do circuito, que subiu de 1,68 até 1,85, parece sugerir.

Para comprovar como essas três miseras chicanes afetaram sua fluidez, basta recordar o GP de 1971, para muitos o melhor da história. Naquela ocasião, vários pilotos mantiveram uma acirrada disputa pela liderança da prova, volta após volta, com continuas mudanças de posições entre eles, De fato, nenhum piloto conseguiu se manter na liderança durante mais de duas voltas consecutivas e a vitória só seria decidida na curva parabólica, justo antes da bandeirada final, sendo aquela a chegada mais apertada da história da Fórmula 1.

Então, a melhor volta da prova foi estabelecida com uma média de 242,858 km/h:

httpv://youtu.be/WJtkLQSiyGU

Para o GP da temporada seguinte, duas chicanes foram construídas (variante del Ritiffilo e variante della Roggia) e a terceira viria em 1976 (variante Ascari). As três chicanes se situam de tal maneira que interrompem os trechos de maior velocidade do circuito, reduzindo de forma dramática sua fluidez, obrigando os pilotos a fortes frenagens. Com estas modificações, nunca mais veríamos provas tão competitivas quanto aquela de 1971.

Em 2015, quarenta e quatro anos depois, com carros dotaos de uma aerodinâmica muito mais refinada, motores muito mais potentes e pneus muito mais aderentes, a melhor volta foi dada a uma velocidade média de 240,081 km/h.

Na próxima parte desta coluna, a análise dos “tilkódromos”.

Abraços!

Manuel Blanco
Manuel Blanco
Desenhista/Projetista, acompanha a formula 1 desde os tempos de Fittipaldi É um saudoso da categoria em seus anos 70 e 80. Atualmente mora em Valência (ESP)

3 Comments

  1. MarcioD disse:

    Belo texto Manuel!
    Gostaria também de ver o calculo deste índice para um circuito de rua clássico como Mônaco.
    Entendo automobilismo em sua essência como principalmente duas coisas: Velocidade e Ultrapassagens,as demais são secundárias.Neste GP de Monza 71 é exatamente isto que vemos, proporcionado pela guerra de vácuo com 5 carros disputando a 1ª posição.
    E como isto foi possível ? O Circuito em si,menor diferença técnica entre os carros,menor turbulência atrás, por isso muitos consideram este o melhor GP. E lembrando que em 70 o Chapman mandou tirar a asa traseira do Lotus 72 , naqueles treinos em que O Rindt acabou se acidentando e morrendo na parabólica.
    E prefiro mais ainda o cicuito completo de Monza, que inclui o oval( se fosse possível tirar suas ondulações e que tem o mesmo comprimento de Indianápolis) como mostrado no Filme Grand Prix. Mas creio que é só um sonho…….
    Se não tirarem este bico alto horroroso de avião, que começou com O Tyrrel ainda nos anos 90,o difusor traseiro, causador de turbulência, e aquela asa dianteira enorme,que existe para tentar minimizar os efeitos da turbulência, mas que quebra ao menor toque e fura pneus adoidado, junto com um fundo plano da ponta do bico à traseira, A F1 vai continuar como está.
    Havendo um regulamento bem restrito em termos mecânicos e aerodinâmicos teremos a competitividade de volta, com redução paralela de custos, e poderemos eliminar o artificialismo da asa traseira móvel. Mas isto é exatamente o que,por exemplo,o Newey, que é aerodinamicista, jamais vai querer.
    Acompanho F1 desde 72 e assisti a mutilação de quase todos os circuitos, como por exemplo Interlagos, onde houve um tempo em que as curvas 1 e 2 eram feitas “flat”,Silverstone, Hockenheim, o encolhimento da reta Mistral de Paul Ricard, e o descarte de Brands Hatch, Nurburgring, Zandvoort entre outros.Assisti também o nascimento de todos “Tilkódromos”.
    Lógico que muitas mortes ocorreram, mas acredito que com o surgimento das grandes áreas de escape, barreiras de pneus, caixas de brita, softwalls, alambrados de alta resistência e a eliminação de barrancos a coisa melhorou bastante.
    Gostaria de saber por que em vez dos “malditos” cotovelos, grampos, chicanes não se fazem esses ou curvas de baixa.
    A minha forma pessoal de protestar, adotada já há alguns anos é não assistir F1 nem categoria alguma em circuitos de rua ou em circuitos muito “travados”.

    Abraços,

    Márcio

    • Manuel disse:

      Oi Márcio,

      Nao inclui Monaco no estudo ( ainda que tive a tentaçao ) precisamente por ser um traçado de rua e nao um circuito própriamente.
      Do resto… concordo plenamente contigo e na lista de grandes circuitos descartados eu incluiria Mosport park, Watkins Glen ou Osterreichring.
      abs.

  2. Mauro Santana disse:

    Que tema tesão Manuel!

    É bem isso, cada circuito clássico parecia que havia sido esculpido nos respectivos terrenos, com diferentes traçados e também tipos de asfaltos, ou seja, que ajudava a embaralhar as cartas.

    Por exemplo, a vitória do Berger no México 1986.

    Ela foi possível por dois fatores.

    O primeiro, o tipo do asfalto.

    O segundo, na época ter dois fabricantes de pneus.

    Os traçados eram tão diferentes uns dos outros, que dava a chance para conjuntos inferiores de surpreender.

    Mesmo as pistas de alta ou as travadas, eram diferentes umas das outras.

    hockenheim, por exemplo:

    Antes da mutilação, já a partir de 93 a segunda chicane foi modificada, e nos últimos anos a terceira chicane também foi modificada, deixando ela mais quadrada pra fazer os carros perderem mais velocidades.

    Ou seja, já era a F1 dando sinais que suas pistas iriam mudar para seguir um único padrão.

    Dos templos sagrados, somente Interlagos continua praticamente igual desde 1990.

    Que venha a segunda parte!

    Abraço!!

    Mauro Santana
    Curitiba-Pr

Deixe um comentário para MarcioD Cancelar resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *