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Tudo sobre o GP da Inglaterra de 2014, corrida que, de certa forma, fez o mundial de F1 voltar à estaca zero.

Os deuses do automobilismo têm lá os seus caprichos. Afinal foi nessa mesma Silverstone, onde um dia o Campeonato Mundial de Pilotos deu seus primeiros passos, que a temporada de 1988 reiniciou sua tabela de pontos, eliminando possíveis distorções reminiscentes do período de adaptação entre dois rivais que vestiam as mesmas cores e, de repente, se davam conta de que o resultado final da hierarquia interna iria definir campeão e vice ao fim do ano.

Os protagonistas são diferentes, mas o contexto antropológico é o mesmo. Brigar na mesma equipe significa entrar para a história como vencedor ou perdedor numa disputa em tese igualitária, sem maiores divisões de méritos ou culpas. Significa também brigar por espaço e suporte, mergulhar numa viagem de cores políticas e paranoicas, experimentar desconfianças e enxergar favorecimentos, quer eles existam ou não.

Senna e Prost em 1988, Hamilton e Rosberg em 2014, foram sendo apresentados a tais elementos, ao mesmo tempo em que se estudavam e mediam a distância certa para a troca de golpes, ao longo das primeiras etapas do ano. Nos dois casos o período abrigou momentos favoráveis a cada um dos protagonistas, com pequena vantagem aos pilotos mais regulares – Prost e Rosberg – na tabela de pontuação até que o circo foi armado em Silverstone, aproximadamente na metade do campeonato. Vantagem essa maior para Rosberg, considerando que em 1988 apenas os 11 melhores resultados de cada piloto seriam computados para definir o resultado final.

Coube a Silverstone, no entanto, zerar os efeitos dessa fase meio “café com leite”, embaralhando as cartas para um mini campeonato mais curto e estabelecido, uma reta final na qual o combate direto já foi preparado e as inibições causadas por resquícios de amizade já tenham sido superadas. Em 2014 o berço da Fórmula 1 resgatou Hamilton, da mesma forma como 26 anos trás trouxe Senna de volta a uma condição de proximidade em relação a seu único rival verdadeiro.

Considerando que Lewis não teve qualquer culpa na falha que causou seu abandono em Melbourne, da mesma forma como Senna não teve participação na pane em sua caixa de câmbio em Jacarepaguá, a sombra dos deuses que habitam a “rocha prateada” novamente tratou de corrigir distorções, lançando as bases para um segundo semestre que promete ser tão interessante quanto em sua encarnação anterior.

Dentro da cronologia do fim de semana, alguns fatos marcantes aconteceram na sexta-feira.

Começando por Felipe Massa, a FP1 já deixou claro que o emblemático GP nº 200 não seria nada fácil. Uma batida forte logo no início comprometeu seu programa, e o conservadorismo da equipe durante as condições flutuantes da classificação não ajudou em nada a melhorar as coisas.

Por fim, uma falha no conjunto de transmissão no momento da largada ainda acionaria o sistema anti-stall, deixando Felipe na pior posição possível para colher o rescaldo dos inevitáveis enroscos do pelotão intermediário. Considerando o significado da marca, no entanto, Massa tem razões de sobra para celebrar. Ao longo dessa longa trajetória ele sentiu o sabor de correr ao lado dos melhores de sua época, experimentou a sensação de formar o conjunto a ser batido, esteve muito próximo de ser campeão mundial com todos os méritos, e, acima de tudo, sobreviveu e continua a correr, tendo marcado uma pole position no GP passado.

Considerando tudo que poderia ter acontecido após a Hungria em 2009, a data merece sim muita comemoração.

A Fórmula 1 esteve mais bonita na Inglaterra.

A breve participação de Susie Wolff – 20 minutos também na FP1 até ficar a pé em consequência de problemas no conjunto motriz – foi a primeira de uma mulher em treino oficial desde que Giovanna Amati tentou classificar o péssimo Brabham BT60B em Interlagos, 1992.

O problema, somado à batida de Massa, comprometeu seriamente a agenda de experimentações da Williams durante a sexta-feira. Situação que apenas reforça o bom momento do time, uma vez que, mesmo largando da 14ª posição, Bottas seguiu firme até o segundo posto na corrida.

Susie Wolff volta a guiar o Williams no primeiro treino naquilo que restou de Hockenheim, dia 18 de julho.

O último dos eventos importantes ocorridos na sexta-feira foi a pane que limitou o tempo de pista de Lewis Hamilton na FP2, justamente quando se preparava para fazer sua simulação de corrida. Diante do fato, Lewis afirmou que o acerto final de seu carro poderia ser prejudicado, uma vez que as informações obtidas com o carro de Rosberg não são de grande utilidade para ele, dadas as diferenças na condução.

A disputa entre os dois postulantes ao título, no entanto, acabaria sendo decidida em dois momentos posteriores. Primeiro, nos treinos, Nico acabou sendo premiado com a pole position após tomar a decisão de completar sua última volta rápida, a despeito das indicações de que estava mais de dois segundos acima das melhores parciais nos dois primeiros setores, em função da pista parcialmente molhada. A pista seca no trecho final, aliás, acabou propiciando uma das maiores viradas nos rumos de um treino classificatório na história da categoria. Sem dúvidas, um momento para ser lembrado no futuro.

Rebaixado à sexta colocação, Hamilton conseguiria superar Hülkenberg e Vettel logo nas primeiras curvas, antes da prova ser paralisada com a batida de Räikkönen. Mais tarde, o inglês não teria dificuldades para superar a dupla da Mclaren, tendo perdido apenas quatro segundos em relação ao companheiro, durante o processo para ter pista livre à frente. Difícil dizer se teria superado o companheiro em condições normais, por mais que a longevidade de seus pneus médios e o ritmo com pneus duros sugiram que tinha chances de brigar. O fato, porém, é que Rosberg liderava quando teve problemas, e na prática essa pane lhe custou 32 pontos na corrida pelo título. O que equivale a dizer que ele precisaria vencer cinco corridas seguidas com Lewis em segundo, para alcançar o mesmo patamar de vantagem que havia construído.

Como já afirmei anteriormente, parece que o campeonato atual está muito mais inclinado a se decidir pela incidência de falhas mecânicas, do que pelo resultado de disputas diretas na pista. Uma pena.

Por fim, impossível encerrar a cobertura do GP da Grã-Bretanha de 2014 sem dedicar algumas palavras à renhida disputa protagonizada pelos dois principais nomes do grid na atualidade.

As 13 voltas durante as quais Fernando Alonso lutou para segurar Sebastian Vettel na luta pela quinta colocação valeram o ingresso de quem esteve presente, ou a noite mais curta de quem acordou para ver a corrida. Freadas no limite, diversas variações de trajetória, disputas a centímetros de distância… Teve de tudo, no amplo repertório de ambos. E vale destacar ainda que, naquela altura da corrida, Alonso tinha tantos problemas no carro, que a equipe chegou a considerar faze-lo parar. “A asa traseira estava estolando, as baterias não estavam carregando como deveriam, e o consumo de combustível estava no limite”, afirmou o asturiano.

Exceto pelo lamentável chororô via rádio, a disputa é perfeitamente digna de ser comparada à épica batalhada protagonizada nesta mesma pista, 21 anos atrás, pelos gênios de Ayrton Senna, Alain Prost e Michael Schumacher, pela segunda colocação. Todavia, para fazermos justiça a Vettel e Alonso, é bem provável que os protagonistas do GP de 1993 tivessem usado do mesmo expediente, caso tivessem a chance.

O que os amigos acham?

Forte abraço a todos, e tenham uma ótima semana.

Márcio Madeira
Márcio Madeira
Jornalista, nasceu no exato momento em que Nelson Piquet entrava pela primeira vez em um F-1. Sempre foi um apaixonado por carros e corridas.

3 Comments

  1. Fernando Marques disse:

    MArcio,

    considero perfeita a sua analise quando diz que o campeão desta temporada vai ser definido em razão das possíveis quebras mecânicas das Mercedes. Quem quebrar menos leva o título. Briga nas pistas creio que somente nos treinos que definem as posições de largada.
    Em relação ao Felipe Massa e seus 200 GPs disputados na Formula 1, não resta duvidas que é uma marca digna de festejos, mas este GP da Inglaterra onde ele comemorou seu feito é para ser esquecido. Ele errou nos treinos livres, a equipe errou no Q-3 e para completar o Haikkonen errou na sua frente e acabou com a sua corrida.
    O GP da Inglaterra foi muito bom de se ver. A quebra do Rosberg trouxe novas emoções a briga pelo título e o Hamilton soube muito bem tirar proveito disso.
    Que corridaço fez o Bottas. Assim como que bela corrida fez o Button. Os dois merecem aplausos.
    E que bela disputa fizeram o Vettel e o Alonso. Foi climax máximo da corrida.

    Fernando Marques
    Niterói RJ

  2. Carlos Chiesa disse:

    Interessante observar que os pilotos pediram para os comissários não interferirem tanto, ou seja, “deixa a gente resolver na pista”…. Talvez precisem fazer isso para dar uma satisfação aos patrocinadores.

  3. Ronaldo de Melo disse:

    Sem dúvida! Se chegamos ao ponto de ter as regras castrantes de agora é porque em algum momento os principais atores chiaram até não mais poder. É lamentável, mas tenho certeza que a parte que vai passar para a história é só a que interessa.

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