Respeito e reverência

Barcelona!
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Nada fácil
16/05/2012

Maldonado é o mais novo integrante do círculo dos vencedores da Fórmula 1, honraria que apenas pouco mais de 100 pessoas neste sistema solar podem reivindicar.

Pastor Rafael Maldonado Motta é um paga-pra-correr. Vindo de desempenhos modestos em toda a carreira, penou para finalmente vencer a GP2 em sua terceira tentativa, com apoio financeiro abundante do ministério do Turismo da Venezuela e da estatal PDVSA, a menina dos olhos de Hugo Chávez, o fanfarrão bolivariano. Esse polpudo background garantiu ao piloto um assento na Williams, time pelo qual cumpre sua segunda temporada, com resultados até então módicos.

Nada disso importa neste momento.

Maldonado é o mais novo integrante do círculo dos vencedores da Fórmula 1, honraria que apenas pouco mais de 100 pessoas neste sistema solar podem reivindicar. Pastor não ganhou apenas o GP da Espanha de 2012: ganhou respeito e reverência. A honrosa atitude de Alonso, de propor levantá-lo no pódio, é uma mostra evidente que o venezuelano teve méritos, ao apresentar um desempenho excelente em que não precisou contar com contratempos de adversários, safety cars embaralhadores ou caos meteorológico. Ganhou porque foi o melhor do dia. Ponto. Ao mesmo tempo, é muito bom ver Frank Williams sorrindo novamente.

Os pneus mais uma vez trataram de dar o tom da corrida. Competidores que tinham adversários logo à frente sofriam mais para pilotar na turbulência e perdiam ritmo. Enquanto Pastor e Alonso disputavam a ponta, as Lotus foram conservadoras demais e o restante do pelotão ficou bem para trás. Tanto isso é verdade que todos estavam terrivelmente lentos no último stint, exceto os carros pretos de Räikkönen e Grosjean, que nas voltas finais tinham borracha boa até demais.

Os carros da Red Bull, por exemplo, mostraram mais uma vez que foram projetados para andar na frente, e que sofrem quando precisam ultrapassar. Outro ponto interessante é que tanto Vettel quanto Webber tiveram que trocar seus bicos, evidência de que seus carros são ultrassensíveis a mudanças aerodinâmicas causadas por danos por toques ou colhimento de detritos.

E quanto a bico danificado, ninguém fez melhor que Michael Schumacher. Podem até alegar que Bruno Senna mudou sua trajetória – algo que só fez para realizar a tomada da curva de modo correto, pois estava defendendo posição. Mas a total responsabilidade em evitar o choque era do alemão, que tem um carro que é um foguete quando está com asa aberta. Esta, por sinal, foi a conclusão dos comissários, que lhe puniram Michael com 5 posições no grid. A aposentadoria definitiva se encaminha, apesar deste ser um assunto ligeiramente velado no paddock.

Felipe Massa finalmente começa a receber críticas em público, ainda que em forma de alfinetada. Stefano Domenicali deixou claro que entendeu que o piloto teve um fim de semana difícil, com trânsito no sábado e uma punição no mínimo contestável no domingo (igualmente no caso de Vettel; ficou mal explicado). Entretanto, o chefe italiano também deixou claro que diante de um campeonato tão embaralhado, vale muito para a Ferrari entrar na disputa de construtores – uma indireta bem direta para Felipe começar a pontuar com frequência a partir da próxima etapa, em Mônaco. Definitivamente, é o último ano de Massa na escuderia – esperamos que não seja também o último na F1.

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Neste fim de semana foram lembrados os 10 anos do GP da Áustria de 2002.

Aquela tirada de pé de Barrichello na reta de chegada para deixar Michael ganhar, observada friamente e muito tempo depois, pode ser considerada uma sacada genial. Em vez de mascarar uma ultrapassagem, diminuindo o ritmo paulatinamente até o alemão chegar (o que disfarçaria o jogo de equipe), Rubinho entregou toda a hierarquia na cara-dura, cumprindo as ordens, mas jogando todo o resto do mundo contra a Ferrari, que, claro, não poderia reprimi-lo, pois ele simplesmente havia feito o que lhe pediram por rádio. Lembram-se da cara de nojo de Ralf Schumacher após sair do carro? É emblemática.

Se a intenção de Barrichello era mostrar ao mundo que ele havia sido incontestavelmente o melhor de todo o fim de semana, e que tinha capacidade de ser primeiro piloto, ele conseguiu. E com louvor.

E aqui temos outra conexão com a atualidade: a vitória de Maldonado serve para que os críticos de Barrichello na Williams repensem o potencial do venezuelano, que por vezes superou o antigo companheiro.

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Esta semana o mundo do esporte a motor ficou um pouco menos brilhante. Carroll Shelby nos deixou, depois de 89 anos bem vividos, nesta última quinta-feira (10). Que me perdoe John Wayne, mas Shelby foi e sempre será o meu caubói favorito. Texano da gema, com direito a chapéu típico e inconfundível sotaque sulista, misturado aquela pose de tough guy, sempre autoconfiante na medida certa. Teve uma carreira fantástica, tanto como piloto quanto como preparador e construtor.

Não é qualquer um na História do esporte a motor que pode dizer que veio da América e se deu bem no esporte a motor da Europa. Ele pode. Não é qualquer um que pode dizer que decretou o fim das vitórias da Ferrari em Le Mans. Ele pode. Carroll foi um daqueles americanos que serviram na II Guerra e voltaram contando maravilhas sobre pequenos e ágeis carros esportivos que a Europa produzia. De tão apaixonado, começou a pilotá-los no começo da década de 1950. Teve, porém, que pendurar o capacete em 1960 por ter angina, problema cardíaco que provoca dores terríveis no peito e o obrigava a secretamente tomar pílulas de nitroglicerina enquanto dirigia. Coisas de caubói duro na queda.

Sua maior vitória como piloto foi justamente em Le Mans, ao volante de um Aston Martin, em companhia do inglês Roy Salvadori, em 1959. E se não poderia ser mais piloto, o mundo ganhou um construtor mais do que competente, que voltaria a fazer história em La Sarthe.

Quando a Ford se sentiu destratada pelo Comendador, quando este se recusou a vender sua marca à gigante americana após negociação avançada, em 1963, recorreram a Shelby para aprimorar o Ford GT40, um programa que – dizem por aí, e eu pouco confio nesse número – custou um bilhão de dólares. Não sei do preço pago: o que ficou na história foram as quatro vitórias seguidas, a partir de 1966.

Entre as versões trabalhadas por Shelby, a Mk-IV de 1967 é certamente a mais impressionante, com um motor big-block V8 de 7 litros. O carro pisava na concorrência de tal maneira que os regulamentos tiveram que ser mudados para 1968, deixando o carro totalmente ilegal. Isso não significou, porém, que os GT-40 não continuassem vencendo, com o famoso layout Gulf da equipe de John Wyer.

Paralelamente ao programa da Ford, Shelby conquistou o campeonato mundial de carros de Gran Turismo em 1965 com seu Cobra Coupé, aprimoramento do conversível projetado pela britânica AC Cars. Esse era um bonito e anêmico carro que nas mãos de Carroll ganhou um motorzão Ford V8 e tornou-se um esportivo tão venenoso quanto seu nome sugere. Ainda como preparador, devemos destacar seus Mustangs modificados e sua participação nos projetos iniciais do sucessor espiritual do Cobra, o Dodge Viper – depois dessa passagem pela Chrysler, voltou a trabalhar com a Ford, até o fim da vida.

Godspeed, dear cowboy!

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Daqui duas semanas, GP de Mônaco e 500 Milhas de Indianápolis. Daqui quatro, Le Mans. A tríplice coroa é simplesmente imperdível.

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Aquele abraço!

Lucas Giavoni
Lucas Giavoni
Mestre em Comunicação e Cultura, é jornalista e pesquisador acadêmico do esporte a motor. É entusiasta da Era Turbo da F1, da Indy 500 e de Le Mans.

4 Comments

  1. Bruno Wenson disse:

    “Se a intenção de Barrichello era mostrar ao mundo que ele havia sido incontestavelmente o melhor de todo o fim de semana, e que tinha capacidade de ser primeiro piloto, ele conseguiu. E com louvor.”…
    Eu sempre pergunto a quem fala coisas assim: E se o Schumacher, ao invés de ficar atrás a corrida toda cumprindo ordens, resolvesse partir pra ultrapassagem??? Com o melhor carro, o mesmo carro de Barrichello, quem ganharia?? Era isso que a Ferrari nunca deixou seus pilotos saberem. McLarem, Red Bull, Williams… Esses deixaram algumas vezes, mas Ferrari nunca. Agora, com todos os resultados que Schumacher tinha, quem acredita que ele nunca passaria Barrichello?? E mais, se Barrichello era assim tão bom, e a Ferrari é que “não deixava ele ganhar”, por que ele nunca estava sempre perto do Schumacher no grid e no pódio?? Foram mais de 50 vitórias de Schumacher entre 2000 e 2005, e apenas 9 de Barrichello em mais de 90 corridas.
    Quantas poles fez Barrichello? E quantas fez Schumacher? QUantas voltas mais rápidas de cada um. E o equipamento era igual pros dois. Barrichello falou isso várias vezes, até no Fantástico.Por que ele não ganhava essas que schumacher era segundo, terceiro ou nem chegava??POrque não conseguia andar sempre no mesmo ritmo. Do mesmo jeito que Alonso estava mais rápido que Massa e esse, ao ouvir da equipe ” mantenha-se próximo dele” não conseguiu fazer, pois não tinha o mesmo ritmo. Tanto que chegou muito atrás. Dizer que Massa é que teria ganhado a corrida é besteira, pois Alonso colocaria de lado e passaria fácil. E assim faria Schumacher com Barrichello. Não acredito que Schumacher ficasse atrás de Barrichello se a Ferrari deixasse brigarem na pista. Mas, nunca se saberá. E a discussão será eterna, até surgir um novo campeão mudial brasileiro.

    • Lucas Giavoni disse:

      Oi Bruno!

      Demorei, mas respondo a sua questão.

      Eu realmente não tenho como discutir numericamente: Schumacher tem, de fato, resultados muito melhores e muito mais significativos que Barrichello enquanto foram companheiros. Apenas é possível questionar a posição política que cada um tinha junto à Ferrari. Afinal, é uma ilusão acreditar que, por fazerem parte da mesma equipe, tiveram sempre as mesmas condições, ainda que, supostamente, recebessem carros iguais.

      Usando as palavras do meu irmão Márcio Madeira: “existem vários fatores dentro do ambiente de trabalho de um piloto que vão muito além do equipamento recebido. Noutras palavras, mesmo que uma determinada equipe tenha meios (e interesses) para proporcionar a seus dois pilotos equipamentos virtualmente iguais, ainda assim restará considerar o tratamento direcionado a cada um”. Isso inclui até o direcionamento dos projetos dos carros, que notoriamente foram feitos muito mais voltados ao estilo de pilotagem de Michael do que de Barrichello, bem distinto.

      O GP da Áustria de 2002 nos trouxe duas questões: sim, Barrichello tinha condições de ocasionalmente ser mais rápido, e sim, Michael tinha um peso político muito maior dentro da Ferrari para que esta ordenasse uma troca de posições.

      Vou trabalhar com algumas evidências para dizer o porquê de não acreditar na hipótese sobre Michael atacar o Rubens em A1 Ring:

      Comecemos constatando que, naquela época, brigar na pista era perda de tempo. A F1 vivia sob a devastadora égide dos reabastecimentos. A melhor tática para ultrapassar era nos boxes. Era apenas uma questão de esticar o stint para ter algumas voltas a mais de combustível que o oponente à frente. Deste modo, o piloto atrás teria mais tempo na pista com tanque leve, em voltas rápidas, sem dar direito ao adversário de defender a posição. Estupidamente eficiente.

      Michael esteve longe de conseguir fazer isso em A1 Ring. Se o alemão realmente tinha uma melhor performance, “trocaria de posições” durante os reabastecimentos, de modo “natural”, sem esfregar tinta na pista, e sem Rubens conseguir oferecer resistência. Mas Rubens esteve melhor todo o tempo, como ficou comprovado nos treinos e na qualificação.

      Daí bateu o desespero: foi necessária a intervenção de Todt por rádio para que a ordem entre eles finalmente fosse trocada, pois na pista e nos boxes ela jamais foi conseguida. É claro que Rubens ficou muito puto, mas fez com que todos sacassem o jogo de equipe ao frear metros antes da quadriculada, cumprindo a ordem, mas jogando o mundo contra a Ferrari. E não venham me dizer que a manobra foi só do Todt. Michael foi conivente, pois se não concordasse, tinha todas as condições de frear também.

      Devo deixar claro que não sou contra as ordens de equipes. É apenas uma questão de vê-las realizadas com critério e discernimento. E claro, A1 Ring 2002 foi um desastre para a imagem da Ferrari.

      Obrigado por escrever! Abraço!

      Lucas

  2. Mauro Santana disse:

    Amigos do GPTotal!

    Gostei muito da corrida, torci bastante para o Pastor vencer esse GP, pois foi uma corrida diferente, como nos bons e velhos tempos.

    E estou gostando demais em ver o Schumacher comendo o pão que o diabo amaçou, pois ele tem plumagem de campão, isso é fato, mas não de um SUPER campeão, e quanto mais ele se ferrar, mais eu vou gostar!

    Quem bate atrás Schumacher, É CULPADO!

    rsrs

    E os brasileiros heim!?

    A que pontos chegamos!

    Massa e Senna tendo que ver seus dois companheiros disputarem focinho a focinho a vitória da corrida.

    Minhas esperanças estão todas em Felipe Nasr e Luiz Razia, pois honestamente, não espero nada destes dois brasileiros que hoje estão na F1, pois ambos podem, e acredito que irão ser substituídos antes do termino da temporada.

    Já faz tempo que nossos pilotos são alvos fáceis de um batalhão de criticas, e nada fazem para mudar isso, pois falta garra e atitude para honrarem o legado escrito com sucesso por Fittipaldi, Piquet e Senna.

    http://www.grandepremio.com.br/noticias/salo-diz-que-senna-nao-esta-no-nivel-em-que-precisa-e-pode-ser-trocado-por-bottas/

    Os nossos pilotos brasileiros de hoje (Barrichello, Massa, Piquet Jr., Senna sobrinho, são muito “legais” com seus rivais e companheiros de equipe, e é nesse ponto que sempre irão perder para seus rivais.

    E como são as coisas né, será que “se” Barrichello estivesse com este carro da Williams, estaria andando na frente?

    Essa é a minha opinião.

    Abraço!

    Mauro Santana
    Curitiba-PR

    • Fernando Marques disse:

      Mauro,

      concordo quando voce diz que nossos pilotos brasileiros são muito bonzinhos … chego até rir quando o Massa faz cara de zangado … hehehehehe
      O GP da Espanha a meu ver era para ser da Lotus … e só não foi por falha na estrategia … mas foi legal ver o Maldonado ganhar e principalmente em cima do Alonso que corria em casa e teve mais é que reverencia-lo … ver a Willians no alto do topo foi bacana tambem … a Formula 1 virou uma loteria e ninguem consegue se manter no topo por mais de uma corrida … o que veremos em Monaco? …
      A grande expectativa em Indianapolis será ver o Barrichello andando num circuito oval … como ele vai se sair? …

      Fernando Marques
      Niterói RJ

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