Seis vezes três

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30/01/2013

Para começar 2013, relembro as grandes temporadas acontecidas nos anos terminados em '3'.

Cinco anos atrás eu publiquei, aqui mesmo no GPtotal, um texto intitulado cinco vezes oito, relembrando os marcantes campeonatos disputados em anos terminados naquele algarismo. Por razões diferentes, creio que uma viagem semelhante em relação aos anos terminados em três seja igualmente válida. Afinal, se em linhas gerais os anos terminados por oito foram marcantes principalmente por questões tecnológicas, os quartos anos de cada década remetem a exibições de gala de alguns dos maiores nomes do esporte em todos os tempos. Convido os amigos, portanto, a me acompanharem nessa rápida jornada cronológica.

Começando por 1953, o último ano disputado com carros de F-2 marca também a última grande disputa entre os principais pilotos daquela década. Vindo de um ano de longa recuperação após o terrível acidente que quase o matou em Monza, Fangio levou a frágil Maserati a desempenhos dignos de sua lenda e a um vice-campeonato mais do que improvável. Sobretudo após ter abandonado a três primeiras corridas, num universo de apenas nove GPs (ou oito, se desconsiderarmos Indianápolis), amplamente dominados pela força do conjunto Ferrari-Ascari.

Começando pela Argentina, Ascari garante a pole com 7 décimos de vantagem sobre El Maestro que, por sua vez, foi 2,4s(!) mais rápido que seu companheiro, o bravo e talentoso Froilán González . Na corrida, Fangio ainda perseguia Ascari quando um espectador cruzou a pista e obrigou Farina a uma manobra evasiva que o lançou contra a multidão que acompanhava a prova às margens do asfalto. O número de mortos ainda hoje é incerto – o Marlboro Guide fala em nove -, e como se nada de anormal tivesse ocorrido, a prova continuou. Para Fangio, apenas por mais sete voltas, até seu carro deixá-lo na mão. Vitória fácil de Ascari.

Repetição da história na Holanda, com Ascari vencendo e Fangio abandonando, desta vez quando ocupava a quarta posição. Na Bélgica, no magnífico traçado antigo de Spa, Fangio consegue a pole com 2 segundos de vantagem sobre Ascari, mas novamente enfrenta problemas mecânicos na corrida. Assume o carro de Johnny Claes no meio da prova, apenas para enfrentar uma falha no sistema de direção que o leva a um forte acidente na última volta. Nova vitória fácil de Ascari, e novo abandono para o argentino.

A sorte do campeão de 1951 começa a mudar na França, na guerra de vácuo que se estabelece em Reims. Após quase 500 km de disputa, a corrida se decide nos metros finais em favor da jovem estrela Mike Hawthorn. Fangio termina na segunda colocação, à frente de González e Ascari. De lá para Silverstone, onde Fangio chega a brigar pela ponta, mas acaba sendo superado com folga por Ascari, novamente o vencedor.

Ascari provavelmente teria vencido de novo em Nürburgring, após uma volta fantástica nos treinos abaixo dos 10 minutos. No entanto, uma roda se soltou de sua Ferrari quando liderava com folga. Trocou de carro com Villoresi, fez seguidas melhores voltas, mas o motor não aguentou. Farina vence, com Fangio ocupando a segunda colocação pela terceira vez seguida.

Na Suíça Fangio larga na pole, mas enfrenta problemas de câmbio e troca de carro com Bonetto, cujo motor estava falhando. Ascari lidera até ter problemas de ignição, sendo obrigado a ir aos boxes. Volta atrás de Farina e Hawthorn, quando a Ferrari pede que as posições sejam mantidas. Ignorando as ordens da equipe no melhor estilo Carlos Reutemann, Alberto supera os companheiros de equipe para garantir, com mais uma vitória, o primeiro bicampeonato da história.

Por fim restava Monza, última oportunidade para que Fangio não fechasse o ano sem vitória. Nos treinos o argentino fica a meio segundo do bicampeão mundial, mas na prova consegue se manter na briga graças à tradicional guerra de vácuo italiana. Durante mais de 500 km Fangio enfrenta as ferraris de Ascari e Farina, até que na última curva da última volta a tensão atinge seu limite. Ascari roda e é atingido por Marimón, que os acompanhava apesar de ter voltas de atraso. Farina tenta desviar a acaba saindo da pista, enquanto Fangio, a exemplo do que já tinha feito em Mônaco e voltaria a fazer em Le Mans dois anos mais tarde, encontra um caminho em meio à carnificina e obtém uma das maiores vitórias de sua carreira.

Graças a ela e ao sistema de melhores resultados o argentino assegurou o vice-campeonato, apesar de ter somado menos pontos brutos do que Farina.

Pulamos 10 anos e mantemos o nível. Deixando Ascari, Fangio e Farina nos retrovisores, agora é hora de falarmos em Graham Hill, John Surtees e, acima de todos, Jim Clark.

Naquela temporada de 1963 a Grã-Bretanha conseguiu a proeza de vencer todos os GPs oficiais, pelas mãos destes três pilotos. Mas poderia muito bem ter vencido todos eles apenas com Clark e o fabuloso Lotus 25 de Colin Chapman, não fosse pela pequena confiabilidade mecânica de 50 anos atrás.

O ano começa nas ruas de Mônaco, quando Jimmy lidera por 78 voltas até seu câmbio travar. Acidente para ele, e vitória para Graham Hill, eterno Mister Mônaco. De lá para Spa onde Clark larga apenas em oitavo, graças a novos problemas com sua caixa de marchas. Na corrida o clima varia entre o sereno e a tempestade, permitindo a Clark não apenas se recuperar, mas vencer com praticamente 5 minutos(!) de vantagem sobre Bruce McLaren. E isso porque ele odiava a pista…

Na Holanda Clark volta a dominar, vencendo a corrida com mais de uma volta de vantagem. Chama a atenção, no VT da corrida, a classe com que o escocês corrige as escorregadas de seu Lotus da mesma forma, volta após volta, nos mesmos pontos da pista. Em Reims Clark volta a vencer com mais de um minuto de vantagem, enquanto em Silverstone essa margem cai para 26 segundos.

Na Alemanha Clark enfrenta problemas de ignição e faz a corrida inteira sem contar com um dos cilindros. Ainda assim, se aproveita das dificuldades de Nürburgring para conseguir uma incrível 2ª colocação, a pouco mais de um minuto da Ferrari de Surtees.

Em Monza o Lotus não apresenta problemas, e o resultado é o esperado: Clark vence, com mais de 90 segundos de vantagem sobre Richie Ginther. Um novo problema nos EUA, desta vez com a bateria, joga Clark para a última colocação no princípio da corrida, oferecendo a plataforma para uma vibrante corrida de recuperação. No fim Hill consegue a vitória, seguido por Ginther e Clark. Por fim, sem novos problemas no México e na África do Sul, Clark soma mais duas vitórias, sempre com mais de um minuto de vantagem.

Sete vitórias em dez corridas, nove pódios, e problemas mecânicos em todas as provas não vencidas. Se 1962 havia apontado o conjunto Lotus-Clark como um candidato sério a títulos, aquele ano de 1963 revelou todo o brilhantismo de uma das mais emblemáticas duplas já formadas entre um projetista e um piloto. Aqueles eram dias de Colin Chapman e Jim Clark.

Avançando mais 10 anos encontramos uma dura batalha envolvendo três dos maiores nomes da geração seguinte. Naquela inesquecível temporada de 1973, o jovem campeão Emerson Fittipaldi teria que se provar contra um Jackie Stewart extremamente determinado a se aposentar com um terceiro título, ao mesmo tempo em que passava a enfrentar a concorrência do brilhante sueco Ronnie Peterson dentro da própria Lotus.

A pressão, no entanto, parece tornar Emerson ainda mais forte.

Exatos 40 anos atrás, no dia 28 de janeiro, Fittipaldi abre a temporada obtendo aquela que seria a maior de suas 14 vitórias. Terceiro colocado a poucas voltas do fim, Emerson supera Stewart com garra e talento, parte à caça de Fraçois Cévert, e rouba a liderança numa das ultrapassagens mais arrojadas e precisas de sua carreira. Quinze dias mais tarde repete a vitória diante de sua torcida em Interlagos, e, após uma terceira colocação na África do Sul – onde Stewart vence com brilhantismo -, volta a vencer em Monjuich, contando com a ajuda da sorte.

Três vitórias em quatro corridas, e Emerson mostrava que 1972 não havia sido um acidente. A sorte, no entanto, parece abandoná-lo por completo a partir de então. Na Bélgica e em Mônaco Fittipaldi ainda consegue ir ao pódio, mas não impede as duas vitórias de Stewart, que o alcança na tabela. Na Suécia o câmbio o deixa na mão quando era 2º (à frente de Stewart), ao passo que na França Emerson abandona ao ser fechado por Jody Scheckter, quando tentava a ultrapassagem que lhe valeria a ponta. Peterson vence pela 1ª vez na carreira, ganhando cada vez mais espaço dentro da equipe.

Na Inglaterra Emerson consegue vencer o terrível acidente que elimina onze conjuntos na primeira volta, mas é traído pela transmissão do Lotus após permanecer por 30 voltas na 2ª posição, logo atrás de Peterson. O sueco somaria mais seis pontos após perder a liderança para Peter Revson, a bordo do McLaren M23 em franca evolução.

Vitórias seguidas de Stewart em Zandvoort e Nürburgring o colocam como favorito ao título, e contrastam com o inferno de Emerson. Na Holanda o brasileiro sofre nos treinos um dos piores acidentes de sua carreira, comprometendo todo o restante da temporada. Na corrida, abandona após duas voltas com dores insuportáveis nas pernas, a tempo de assistir dos boxes a marcante cena de Roger Williamson sendo queimado até a morte, diante do desespero impotente de David Purley. Na Alemanha, apenas uma semana depois, Fittipaldi leva o carro até o fim na sexta posição, a custa de enorme sacrifício pessoal. À sua frente chegaram Wilson Fittipaldi (5º) e José Carlos Pace (4º), na primeira vez em que três pilotos brasileiros marcaram pontos numa mesma corrida.

Apesar das dores Emerson faz a pole na Áustria, e lidera a corrida até abandonar com problemas no sistema de alimentação. Brilha nesse dia a estrela de Moco, terceiro colocado e melhor volta da corrida, com um carro que nem de longe permitiria este tipo de desempenho. Para o Brasil, no entanto, as chances de um bicampeonato tornavam-se retóricas, e acabariam de vez na prova seguinte, na mesma Monza que havia consagrado Emerson um ano antes.

Com três vitórias nas últimas quatro corridas, Ronnie Peterson firma-se como piloto vencedor e termina o ano a apenas três pontos de seu companheiro, agora de mudança para a McLaren. Para Stewart, o ano do tricampeonato ficaria tristemente marcado pelo falecimento de seu companheiro e amigo François Cévert nos treinos para o GP dos EUA, o último do ano.

A Tyrrell nunca mais faria um piloto campeão do mundo.

Em minha próxima coluna continuarei a viagem pelos anos terminados em três, relembrando o bicampeonato de Piquet, o mehor ano de Senna, e o ano em que Barrichello foi o melhor piloto do grid em sessões de classificação.

Não foi fácil escrever esse texto em meio a tantas informações sobre a tragédia na boate Kiss, em Santa Maria. Em nome da família GPtotal, registro aqui nossas condolências a todos que, direta ou indiretamente, foram afetados pelo episódio.

Abraço a todos.

Márcio Madeira
Márcio Madeira
Jornalista, nasceu no exato momento em que Nelson Piquet entrava pela primeira vez em um F-1. Sempre foi um apaixonado por carros e corridas.

7 Comments

  1. Miguel Soares disse:

    Show de bola?!?… Acho que deveríamos dizer “show de rodas”. Afinal, pouca coisa rola na F1. Os astros Rodam, e muito.

  2. ronaldo disse:

    Coloca o link da matéria de cinco anos atrás. Acho a ferramenta de busca do site muito pouco amigável.

  3. Marcel Pilatti disse:

    Mal posso esperar pela próxima e complementar coluna. Excelente texto, como sempre, e uma bela viagem no tempo. Sempre surgem detalhes que deixam a história mais completa.

    Valeu, Márcio!

  4. Fernando Marques disse:

    Show de bola

    Fernando MArques
    Niterói RJ

  5. post sensacional! Uma verdadeira viagem na história da categoria

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