“Semper Fidelis”, parte 2

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A segunda parte da história de fidelidade entre pilotos e equipes, algo que talvez tenha desaparecido da Fórmula1.

Confira aqui a primeira parte dessa história.

Caso parecido ao de Courage foi o de James Hunt. Em 1972, Hunt afrontava sua quinta temporada na formula 3, agora com a equipe March, enquanto que a maioria de seus antigos colegas já competiam na formula 2 ao até na formula 1 (Emerson Fittipaldi, Ronnie Peterson, Roger Williamson, Niki Lauda, Jaques Lafitte ou Jean Pierre Jarrier).

Seu irreverente caráter e estilo o levavam a se envolver em muitos acidentes e sua carreira parecia não ter futuro, mais ainda quando, após alguns maus resultados, Max Mosley, então manager da March, lhe despede de forma fulminante. Então, de maneira providencial, seu amigo Bubbles Horsley o apresenta a um tal de Alexander Hesketh, um excêntrico Barao Inglês entusiasta do automobilismo e disposto a fundar sua própria equipe de competição.

Lord Hesketh lhe proporciona um carro para continuar a temporada mas, logo no principio, James arrebentaria esse carro num acidente, o que lhe fazia pensar que aquilo era o seu fim. No entanto, Hesketh, alem de mantê-lo na equipe, anunciou que em 1973 competiriam na formula 2 com um Surtess.

Assim foi, mas depois de um mau começo e de que Hunt destruísse o carro na França, Hesketh decidiu ir direto para a Formula 1 pois “se temos de fracassar, que seja com glamour!” diria. O nobre lord então comprou um March 731 novinho, e estreiam em Mônaco com o 7º lugar de Hunt. No fim do ano, havendo participado em apenas 7 dos 15 GPs da temporada, Hunt foi o único piloto com March a conseguir pontos.

Especialmente destacável foi seu segundo lugar em Watkins Glenn, onde seria o único piloto capaz de seguir o frenético ritmo imposto por Peterson, acabando a menos de um segundo do sueco. Aquela magnifica irrupção de James na formula um logrou chamar a atenção de Enzo Ferrari, quem lhe convida a formar parte de sua equipe com uma atrativa oferta. Porém James, como já o havia feito antes Courage, rejeita o convite. Não podia abandonar a pessoa que lhe havia salvado a carreira.

Segundo diria James: “Eu tenho uma enorme divida com Alexander Hesketh e sua equipe. Eles me deram a oportunidade que eu precisava num momento crucial de minha carreira”.

Tampouco podia abandonar seu amigo Horsley, então o manager da equipe. Como diría Lord Hesketh alguns anos depois: “Éramos mais uma turma de amigos que uma equipe de corridas“. Uma vez mais, tudo isso era algo que nao tinha preço e Hunt permaneceria na equipe até o fim de 1975, quando Hesketh lhe comunicou que, devido aos crescentes custos da categoria, tinha que abandonar a competição.

Finalmente, citarei o caso do neozelanês Chris Amon, um piloto de grande talento, que se incorpora à Ferrari em 1967. Naqueles tempos, Mauro Forghieri diria dele: “Chris é o novo Clark, mas ele ainda não sabe!“. Amon permaneceria na equipe do cavalinho 3 temporadas, onde o azar parecia lhe perseguir, pois suas melhores performances sempre eram truncadas por algum inoportuno problema mecânico, privando-lhe, em mais de uma ocasião, de vitórias que tinha ao alcance da mão.

Depois de seu pouco afortunado passo pela March em 1970, em 1971, Amon vai para a Matra e seu azar… também! Em 1973 entra numa nova equipe: a Tecno. Mas com um carro muito ruin, e após varios fiascos, a equipe abandona a competição.

No fim do ano, teria a ocasião de pilotar um terceiro Tyrrel nos GPs do Canada e EUA, onde algumas inovações seriam testadas. No Canada, as coisas não foram bem e, nos EUA, com a morte de Cevert, a Tyrrell se retira do GP. Em 1974, Chris decide formar sua própria equipe pois estava convencido de que ninguém já lhe daria um bom carro. Com o apoio financeiro de John Dalton e a participação de vários mecânicos e companheiros de sua antiga empresa, se lançam à aventura.

Enquanto isso, na Brabham, o modelo BT44 resultou ser um muito bom carro e Ecclestone, que no principio do ano alugava o segundo carro a pay drivers, decide que era melhor ter outro bom piloto ao lado de Reutemann e que, além do mais, ajudasse a desenvolver o carro.

Para isso, Bernie logo pensa em Chris Amon, quem tinha fama de bom piloto de testes. Aquela seria, certamente, a última ocasião que Amon teria de dispor de um carro ganhador. No entanto, Chris declinaria tão tentador oferecimento (seu lugar acabou sendo ocupado por Carlos Pace). Anos depois, Amon explicaria tal decisão dizendo: “Eu rejeitei o convite de Ecclestone para ocupar o lugar de Rikki von Opel porque se eu tivesse ido para a Brabham, isso tería abalado a moral de nossa equipe. Não teria sido justo nem com John Dalton nem com os rapazes, que haviam trabalhado muito duro. Se eu tivesse ido para a Brabham, eu nunca recuperaria minha autoestima e respeito próprio!“.

Em nenhum destes casos, havia um contrato formal ou cláusula que lhes impedisse a estes três pilotos aceitar aqueles irrenunciáveis convites. Nada impedia a estes três pilotos aproveitar uma oportunidade pela qual, provavelmente, sempre haviam suspirado. Nada, exceto o sentimento de compromisso e lealdade que lhes ligava às pessoas que os haviam ajudado quando mais precisavam.

Nenhum deles, inclusive antes de saborear a fruta, se esqueceu de quem havia plantado a árvore. Infelizmente, cada vez é mais raro ver casos como estes. Cada vez é necessário “escavar” mais fundo na história para encontrar casos assim. Parece que neste mundo tão materialista e nesta formula um tão mercantilista, já não haja lugar nem as condições propicias para que casos assim se repitam.

Mas, por muito que nos lamentemos disso, não nos deveria de surpreender que as coisas sejam assim pois, como disse o insigne psicólogo Burrhus Skinner: “Somos o produto da sociedade que produzimos“.

Manuel Blanco
Manuel Blanco
Desenhista/Projetista, acompanha a formula 1 desde os tempos de Fittipaldi É um saudoso da categoria em seus anos 70 e 80. Atualmente mora em Valência (ESP)

5 Comments

  1. Como sempre, o automobilismo serve de plataforma para se aprender mais sobre a vida, nos textos do amigo Manuel.

  2. Arlindo Silva disse:

    Sir Jackie Stewart também é um belo exemplo de fidelidade. Diz a lenda que em 1968 ele chegou a ir pra Maranello almoçar com Enzo Ferrari, mas permaneceu fiel a Matra e sobretudo a Ken Tyrrell, com o qual acabou conquistando seus três títulos. E mesmo após o fim de sua carreira continuou ajudando no time do lenhador.

  3. Lucas Giavoni disse:

    Em um mundo em que pessoas e coisas são cada vez mais descartáveis, é bom lembrarmos exemplos de fidelidade partindo dos “funcionários” também.

    Texto inspirador, meu querido Manuel.

    Abração!

    Lucas

  4. Fernando MArques disse:

    O rumo que a Formula 1 tomou sob a batuta do Tio Bernie, não é o unico exemplo. Se pensar bem o esporte num todo está por demais mercantilista.
    O saudosismo fica por conta da historia.

    Fernando Marques
    Niterói RJ.

  5. Mauro Santana disse:

    Texto belíssimo Manuel, belíssimo!

    E infelizmente na F1 de hoje, com cada vez mais pilotos pagantes, casos assim são extremamente raríssimos, pois a caminhada só tende a afunilar cada vez mais.

    E o caso do nosso ídolo Rato, é tão especial se não maior que a destes três pilotos mencionados no texto.

    Parabéns Manuel!

    Abraço!

    Mauro Santana
    Curitiba-PR

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