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O GP do Brasil de 2015 não teve nada de muito especial, mas Interlagos é uma das maiores pistas do mundo.

Sexta-feira passada, dia 06, o Canal Viva reprisou “Roberto Carlos a 300 km por hora”, último dos três filmes estrelados pelo rei. As histórias, inspiradas nas películas de Elvis e dos Beatles, carecem de um roteiro mais apurado, mas neste último existe a possibilidade de um resgate histórico singular para os fãs do automobilismo brasileiro.

Roberto atua como “Lalo”, um mecânico que sonha ser corredor. A cena de abertura, permeada pelo clássico soul Todos Estão Surdos, mostra-o explorando as curvas do autódromo antigo de Interlagos. O traçado clássico de mais de 8km. Durante o longa, aparecem cenas da Copa Brasil de 1970, uma competição de protótipos onde um certo Emerson Fittipaldi surgia.

Interlagos é um sobrevivente: numa época em que cada vez mais temos “tilkódromos”, a pista paulistana permanece como uma das raras que mantém a essência. Não é a mesma do filme, tem metade da distância, mas não sucumbiu às transformações-mutilações.

É uma sobrevivente — nem Monza ou Silverstone escaparam da fúria de Tilke. Interlagos está abaixo somente de Spa, e forma, ao lado de Suzuka, Mônaco e Montreal, a elite das pistas atuais.

Mas todo ano é a mesma coisa: será que a F1 continuará no Brasil? Será que as reformas necessárias serão realizadas? Será que estará tudo pronto até a data?

Como tudo que acontece por aqui, as respostas acabam sendo sim, e não interessa qual seja a justificativa dada — naquele manualzinho da Red Bull (lembram disso?), falavam em carne, praias, mulheres: a verdade é que é uma das melhores pistas do mundo, proporcionando diferentes desafios aos pilotos, não à toa são eles os maiores entusiastas de GPs Brasil.

A prova em si foi fraca, sem grandes lances e com pouquíssimas surpresas, mas tivemos uma vitória indiscutível de Nico Rosberg (por muito pouco ele não realizou um hat-trick, aliás), fruto, em alguma parte, de Lewis Hamilton já não estar com a mesma “fome” de um mês atrás.

Nico, como é praxe dos pilotos bons (aqueles que não são grandes nem gênios), sabe extrair o máximo de seu equipamento e andar bem quando tudo corre perfeitamente — “no seu dia“, como se diz –, levando o próprio Hamilton a parabenizá-lo e dizer que ele pilotou de forma perfeita.

Sebastian Vettel terminará o campeonato na terceira colocação, sendo o único a marcar pole-position fora as Mercedes, e dono de três vitórias — lembra a performance de Daniel Ricciardo ano passado. Tão díspar é o desempenho das Mercedes que ele pode considerar-se “campeão do resto”.

Da corrida dos brasileiros, pouco a comentar: ambos sofreram com as punições (Nasr nos treinos, Massa na corrida), e acabaram tendo desempenhos muito apagados: Nasr, largando lá de trás, pouco pode progredir. Massa, em sua velha dificuldade de superar carros menos rápidos, nunca este melhor do que sétimo. A desclassificação acabou sendo um golpe de misericórdia — afinal, a temperatura elevada serve até mesmo como atenuante para o desempenho.

Com toda certeza o melhor momento do fim de semana foi Alonso e Button subindo ao pódio (e o segundo melhor momento foi o espanhol tomando banho de sol durante os treinos).

São dois sobreviventes.

Pela história de ambos os pilotos, do motor Honda e da McLaren, 2016 TEM QUE SER um bom ano para a equipe de Woking.

A F1 não deixou de lembrar da tragédia francesa — uma bandeira do país, junto ao símbolo de combate ao câncer, apareceu no pódio –, mas o minuto de silêncio antes do início da prova foi em memória dos mortos em acidentes de trânsito (o “dia mundial” é hoje).

Para finalizar, um comentário sobre os bastidores do GP.

Lewis Hamilton, mais uma vez, homenageou Ayrton Senna, utilizando as clássicas cores do capacete do brasileiro na parte de trás de seu casco. Creio que já passou da fase de especular se o britânico está em alguma “jogada de marketing” quando fala do brasileiro, tantas foram as vezes, ao longo destes 9 anos em que ele está na F1, que ele citou-reverenciou-homenageou Senna.

Por outro lado, esta permanente associação de Lewis a seu ídolo acaba gerando consequências inesperadas.

Na última sexta-feira pingou a notícia: “Em evento da Ferrari em SP, Vettel se diz fã de Piquet“.

Na ocasião, lançamento de um novo modelo da empresa, o mestre de cerimônias do evento lança a pergunta: “Vettel, dentre os pilotos brasileiros, Fittipaldi, Piquet, Senna… tem algum que você admira…?”. A resposta de Vettel: “Acho que, pelas histórias, tem que ser Piquet… ele tem as melhores histórias“.

[Importante: a tradução da matéria que divulgou o video foi “Acho que pela história é o Piquet. Ele tem uma grande história“. Muito, MUITO diferente daquilo que o alemão falou.]

Beleza.

Não vou nem falar do ar teatral que teve a situação em si (supostamente, Vettel não sabia que Piquet estivesse ali e, supostamente, foi uma ‘quebra de protocolo’ o genial tricampeão ir ao stage junto do tetracampeão), vou comentar sobre esse mundo artificial que tem se tornado a F1 e o esporte, de uma forma geral.

Eu não me lembro, nesses oito anos em que o alemão está na F1, de ter visto uma vez sequer Vettel falar de Nelson Piquet — não me lembro dele tê-lo citado, aliás. Pelo contrário, o vi muitas vezes evocar Ayrton Senna em situações distintas, falando do piloto falecido há mais de 20 anos como “sua primeira memória” da categoria, como protagonista da “rivalidade que ele gostaria de emular” e como aquele “cujas histórias lhe fascinaram“.

Fica, então, a dúvida: a) Vettel, ele sim, era marketeiro quando citava Senna? b) mencionar Piquet naquele momento era alguma exigência de patrocinador ou outro tipo de acordo? c) teria sido uma decisão própria de Sebastian, visto que Hamilton tem ‘se apropriado’ da imagem de Ayrton e ele precisa surgir como antagonista?

Qualquer que seja a resposta, o resultado é decepcionante.

Como se comprova pelos ridículos comentários à notícia, só o que Vettel conseguiu foi, na verdade, fomentar uma eterna rivalidade entre os brasileiros: aquela doentia disputa “Senna vs Piquet que, agora, está se travestindo de Hamilton vs Vettel.

Piquet — e a forma como ele vai a encontro dos presentes no palco já demonstra isso — merecia tratamento melhor: deve, SIM, ser reverenciado (mais do que é), mas de forma natural. E Senna merece ter sua memória mais respeitada.

Abraços,

Marcel Pilatti

Marcel Pilatti
Marcel Pilatti
Chegou a cursar jornalismo, mas é formado em Letras. Sua primeira lembrança na F1 é o GP do Japão de 1990.

4 Comments

  1. Mauro Santana disse:

    Belo texto Marcel.

    Corrida muito abaixo.

    E essa história do Hamilton sugerir que seja usado parte do traçado antigo de Interlagos, porque na configuração atual ele não conseguiu andar próximo do Rosberg?

    Olha, tenho até medo, pois aí o Templo vai cair nas mãos podre de Tilke e cia, e sem a presença do Chico Rosa, vão fazer uma puta merda com o traçado.

    Não tem o que fazer com a pista, a não ser recuperar o traçado antigo por inteiro.

    O que tem que mexer, é nos carros, estas aberrações cibernéticas.

    Abraço!

    Mauro Santana
    Curitiba-PR

  2. Lucas dos Santos disse:

    Vamos lá:

    Primeiro de tudo, mais uma corrida chata em um circuito “clássico”. A coisa está ficando realmente complicada, pois agora parece que o tipo de circuito não influencia mais nas corridas. O circuito pode ser um “templo” ou um “tilkódromo”, não importa. Parece que somente fins de semana atípicos são capazes de produzir corridas minimamente interessantes.

    Começo destacando a vitória avassaladora da Mercedes. Nico colocou uma volta no quinto colocado e Hamilton uma volta no sexto colocado. Resultado inédito da temporada, embora muito próximo do que ocorreu na Austrália – na ocasião, o primeiro colocado cruzara a linha de chegada poucos metros atrás do quinto. Se bem que a ausência de Safety Car também contribuiu para isso.

    Pelo visto, uma “brecha” se abriu na regra que impede os pilotos de mudarem o capacete. Achei isso ótimo! Espero que a FIA não tente impedir os outros pilotos de fazerem o que Hamilton fez e os deixem também fazer pinturas “especiais” em seus capacetes sem descaracterizá-los. Desde já, mal posso esperar pelo próximo GP de Mônaco!

    Pela primeira vez, desde 2002, optei por não assistir o GP do Brasil pela transmissão da Globo. Preferi ver por meio de um streaming da TV britânica Sky Sports F1, cuja narração tem me agradado mais. Não me arrependo!

    Parece que o que ocorreu em Suzuka 2014 já se apagou da memória da direção de prova da Fórmula 1. Pois insistiram no erro de colocarem fiscais na pista para remover o carro de Carlos Sainz sem acionar o Safety Car Virtual, confiando que os pilotos respeitariam a dupla bandeira amarela! Será que já estão começando a relaxar?

    Por falar em incidente, alguém sabe o que aconteceu na primeira volta, quando uma McLaren e uma Sauber “passaram reto” na curva do lago? Pois o replay não mostrou!

    A corrida do Hamilton foi basicamente um repeteco do que ocorreu ano passado. O tempo todo atrás de Rosberg sem conseguir ultrapassá-lo. E assim a sonhada primeira vitória em solo brasileiro foi adiada mais uma vez. E olha que, em um rádio “não-oficial”, Hamilton chegou a implorar ao time para mudar a estratégia!

    Quem se destacou, mais uma vez em um lance da corrida foi Verstappen, com ultrapassagens arrojadas “treinadas no videogame” (palavras do próprio piloto)! Mas, achei que ele jogou pesado na hora de ultrapassar o Pérez na segunda perna do S do Senna, na 33ª volta!

    Felipe Nasr estava indo bem mas, visivelmente, ficou sem pneus. Tivesse mais um jogo de pneus macios novos, poderia ter terminado em uma boa posição.

    Uma coisa que eu notei durante a prova foi que alguns pilotos estavam tentando aproveitar o máximo da duas zonas de DRS próximas para defender sua posição. Quando era atacados no fim da reta principal, deixavam o rival ultrapassar pouco antes da zona de detecção do DRS da reta oposta – que ficava no meio do S do Senna. Ao passar pela zona de detecção logo atrás do rival, ganhavam o direito de usar a asa e assim recobravam a posição. Nem todos tiveram êxito ao tentar isso, mas alguns conseguiram!

    Existem certas tradições e paradigmas, cuja quebra se mostra uma má idéia. É o caso da “trilha sonora” do pódio, no momento do champagne. Ainda prefiro “Los Toreadors” de George Bizet!

    Para finalizar, achei um tanto curiosa a publicidade da Petronas em destaque na curva Junção justamente em um evento cujo patrocinador principal é, teoricamente, uma empresa “concorrente”. Teria sido isso apenas uma referência ao fato do combustível que move a Williams ser Petronas, embora a equipe tente fazer acreditar que usa Petrobrás Grid?

    Ah, mais uma coisa: não era o Nelson Piquet que iria conduzir a entrevista de pódio? Fiquei surpreso ao ver o Martin Brundle lá!

    Que venha o GP de Abu Dhabi, onde veremos a “incrível” briga pelo… 4º lugar do campeonato dos pilotos! E assim se encerrará essa longa temporada. Acho que já passou da hora de cortarem fora algumas corridas e “desinchar” esse calendário. É corrida demais, principalmente em tempos que títulos são decididos precocemente.

    Boa semana a todos!

  3. Fernando Marques disse:

    Marcel,

    com relação ao Circuito de Interlagos até quando ele vai suportar tantas reformas? … A próxima será a construção dos novos boxes … vai chegar uma hora que vão ter que mexer no trajeto … rsrsrsrsrs


    Quanto a corrida para ser sincero ela foi bem chatinha … foi uma prova tipo assim: a superioridade da Mercedes em 2015 é incontestável e a vice superioridade da Ferrari idem. Hamilton não atacou o Rosberg e Raikkonen não atacou o Vettel … me parece que ficou claro a ordem da equipe da Mercedes em determinar a vitória em favor do Nico para ele poder garantir de vez o vice-campeonato … o mesmo deve ter acontecido lá no México … pode ser que na ultima etapa a Mercedes libere uma verdadeira disputa entre seus pilotos …
    Quanto ao Massa e Nars eles fizeram a parte deles … aproveitaram para aparecer mais na televisão por que na pista ia ser ruim mesmo …
    Quanto ao marketing, ele deita e rola. A partir do momento em que os pilotos pouco podem falar de seus carros, nada melhor do que falar de suas roupas fashions … ou então o Hamilton ser elogiado no “Fantástico” pelo chapeuzinho ridículo que usava … ou então melhor ainda o Vettel fazer um elogio ao Piquet fingindo que não sabia que ele estava presente na cerimônia … esta é a Formula 1 do seculo 21 …

    Fernando Marques
    Niterói RJ

  4. Walter disse:

    Excelente Texto, Marcel.
    Embora interlagos não seja um “tilkódromo”, não chega a ser a sombra do que foi Interlagos em seu traçado original. Aos 27 dias do mes de janeiro de 1974 saí do autódromo quase anoitecendo ao caminhar pelos 7960m após a prova. Uma coisa não me sai da lembrança: A curva 1 e a curva 2 feitas de pé em baixo pelos pilotos que tinham “culhão”. Um grande abraço e tudo de bom.

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