Sorte e competência

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Cingapura foi prodigioso em nos oferecer exemplos de presença e ausência de sorte e de competência. Estes elementos devem estar em harmonia. Quando um deles está ausente, não se vai muito longe.

O GP de Cingapura de 2012 foi prodigioso em nos oferecer exemplos de presença e ausência de sorte e de competência para os principais nomes da corrida. Estes elementos, como é de se supor, devem estar em harmonia. Quando um deles está ausente, ou de modo menos intenso, não se vai muito longe e o resultado pode ser abaixo do esperado.

Sebastian Vettel repetiu a vitória de 2011, novamente perseguido por Jenson Button. Não foi de forma idêntica, uma vez que ano passado o jovem alemão havia dominado a prova, ao passo que este ano ele herdou o comando de Lewis Hamilton, ele, sim, o piloto dominante. Mas Vettel teve novamente a competência para, em um cenário de liderança, manter-se longe da nova ameaça de Button e a favorita McLaren, conseguindo andar rápido, porém sem acabar os pneus no calor de 29ºC da noite de Marina Bay.

Alonso, 4º ano passado em uma Ferrari que destruía a borracha disponível,  promoveu-se em 2012 para 3º, mantendo o seu grandioso mérito de liderar o campeonato com um carro que evidentemente não é o melhor do grid. Paul di Resta é outro que voltou a andar bem na pista noturna. Após ser 6º em 2011, emendou um ótimo 4º lugar, o melhor resultado da carreira e também da Force India nesta temporada. Não seria surpresa se o escocês fosse promovido a algum assento mais interessante em 2013. O mercado de pilotos está prestes a se movimentar.

Não trago na memória a última vez em que elogiei Felipe Massa. Volto a fazê-lo pela ótima corrida de recuperação, em que precisou partir de último – confesso que não entendi direito o lance em que ele saiu danificado. De qualquer forma, Felipe mostrou ótimo ritmo de prova e a velha agressividade que fez sua fama nos três primeiros anos na Ferrari. A ultrapassagem insana sobre Bruno Senna (lembrou Alboreto x Mansell em Monaco 85) elevou a verve de Massa como poucas vezes havíamos visto acontecer. Começa a fazer cada vez mais sentido a teoria de Luciano Burti, de que para Massa apenas está faltando uma dose cavalar de autoconfiança.

Evidentemente, há ainda o que ser feito. Felipe classificou-se mal, e por consequência se envolveu na esfregação de tinta no pelotão do meio. O brasileiro precisa ter confiança tanto nos treinos quanto na corrida. E o cenário do mercado pode até lhe sorrir com uma renovação de contato – por mais que eu não acreditasse mais nisso. Mas não vou falar de silly season porque não gosto de escrever especulações.

Do outro lado da moeda, houve quem saísse frustrado de Cingapura – ou por falta de sorte, ou por falta de competência. Hamilton é, evidentemente, nosso primeiro exemplo de infortúnio. Ele fez tudo certo: uma pole incrível, em que colocou em prática sua rapidez exuberante, seguido por uma largada limpa e ritmo forte, sem desgastar o carro. Parecia inabalável para a vitória, quando, traído pelo câmbio, ele nos lembrou o quão injusto o esporte a motor pode ser.

Pastor Maldonado é outro, que a partir de seu maravilhoso tempo de qualificação, realizou uma corrida conservadora, e, nos momentos em que foi atacado forozmente por Alonso, soube se defender no melhor estilo jogo limpo. Tinha tudo para sair de Cincapura com seus primeiros pontos desde a inexplicável vitória em Barcelona. Tudo menos um sistema hidráulico em ordem. Dá-lhe frustração.

Partindo para o departamento de competência, Mark Webber caiu na sua armadinha de sempre. Preso atrás de carros mais lentos, inaugurava sempre as rodadas de pits, a fim de ganhar posições com isso. Infrutífero. Não passou do 10º lugar, cassado por uma ultrapassagem irregular sobre Kamui Kobayashi, o que lhe rendeu 20s extras no tempo de prova. Sergio Pérez agradece o pontinho que cai em seu colo, apesar do desempenho mediano.

Mas suponho que ninguém tenha mandado tão mal quanto Michael Schumacher. Comprovando a velha frase de que quem bate por trás é o culpado, encheu a traseira de um surpreendido Jean-Éric Vergne. Foi divertida a reação do francês, pois era quase como se invertessem de papel após a pancada: ele assumiu um papel de experiente, a dizer para o novato de que estava tudo bem.

Foi especialmente divertido ver eles começarem a caminhar juntos em direção ao paddock. Entretanto, quando chegaram, já haviam se separado: Schumacher assumiu aquela conhecida cara carrancuda e andava apressado, muitos passos à frente de Jean. O alemão não conseguia esconder a raiva de ter feito uma bobagem tão grande, em que não havia outra atitude senão assumir a culpa.

A palavra “aposentadoria” continua a lhe causar calafrios. Mas no seu subconsciente, a apalvra está fazendo cada vez mais sentido. Michael não tem mais nada para provar, mas ele não parece querer entender isso.

Sobre o campeonato, o cenário está muito interessante e pode nos levar ao desejoso desfecho em Interlagos, a derradeira do calendário. Fernando Alonso, com a sorte de quem viu Hamilton e Maldonado abandonarem, tem uma vantagem de 29 pontos (uma vitória inteira e um chorinho), que é confortável apenas na aparência. Isso porque ainda há seis provas para serem disputadas, num total de 150 pontos em jogo. E a Ferrari não está, momentaneamente, no mesmo nível de competitividade de McLaren e Red Bull. Entretanto, os rivais diretos do asturiano estão roubando pontos entre si, isso quando não quebram ou abandonam.

Hamilton tinha tudo para ganhar em Cingapura e ser apontado como o principal rival, já que está com o melhor equipamento. Mas agora está 52 pontos atrás. Torna-se, desde já, um franco-atirador – e sabemos que ele pode não se comportar tão bem nesse tipo de cenário. Button continua inconsistente, pois alterna fins de semana em que se entende maravilhosamente com os pneus, e outros em que simplesmente fica apagado. Algo parecido ocorre com Webber, que continua a cair na armadilha do mau posicionamento. Vettel não tem esse problema, já que é um virtuoso em voltas de qualificação, e tem uma versatilidade muito maior. Acaba sendo ele o principal rival para o líder espanhol.

A consistência em acumular pontos ainda tem sido a chave do sucesso e isso fica nítido quando vemos Kimi Räikkönen figurando em 3º na tabela, sem ter vencido corrida alguma, a bordo de um carro que está abaixo de Ferrari, Red Bull e McLaren. Guardadas as devidas proporções, lembra a campanha de Piquet em 1990 pela colorida Benetton, quando foi justamente 3º, à frente de quatro carros mais fortes – 1 McLaren, 1 Ferrari e 2 Williams. Será que o Iceman ainda surpreende e ganha as duas provas finais, para ficar ainda mais parecido com o exemplo?

É apenas a partir de agora, no terço final, que os candidatos ao título serão decididos. Sorte e competência não ficarão de fora do meu olhar.

Aquele abraço!

Lucas Giavoni

Lucas Giavoni
Lucas Giavoni
Mestre em Comunicação e Cultura, é jornalista e pesquisador acadêmico do esporte a motor. É entusiasta da Era Turbo da F1, da Indy 500 e de Le Mans.

3 Comments

  1. Allan disse:

    Outra belíssima coluna, Lucas. Realmente a conclusão da ultrapassagem do Massa sobre o Bruno lembrou aquela do Michele em 85 (guardadas todas as proporções devidas, inclusive o fato de em Monaco ali não ser uma reta, com as extremidades da pista serpenteando até chegar na Sainte Devote). Porém, não concordo que a vitória do Maldonado tenha sido inexplicável: Hamilton venceria aquela corrida com um pé nas costas, mas a cagada da McLaren o fez largar em último; Pastor sempre se mostra velocíssimo em classificação, e inclusive se a equipe Williams não tivesse errado ao colocar os macios naquele momento e o carro não tivesse quebrado provavelmente teria sido 3º; Em Barcelona, a Ferrari não estava tão bem quanto agora, e Alonso se contentaria com o 2º – aliás, só a McLaren estava muito bem… Quanto a competitividade da Ferrari, bem, essa parte final tem demonstrado que a ordem é Hamilton, Vettel, Button e Alonso, então o “Lamúrias” não está tão distante assim de um pódio.

    • Lucas Giavoni disse:

      Oi Allan!

      Quando disse “inexplicável” foi em sentido figurado, pois sabemos, sim, das condições de favoritismo de Hamilton naquele fim de semana. Usei a expressão para indicar a inconsistência do venezuelano, que não conseguiu nem de perto mostrar o mesmo em resultados nas demais provas do ano.

      Obrigado pelo elogio e escreva sempre! Abração!

      Lucas

  2. Fernando marques disse:

    Eu achei o GP de Cingapura muito interessante assim como vem sendo a maioria das corridas este ano. Ele teve todos os ingredientes que me faz prender em frente a uma TV em função do que acontecia na prova já devidamente descrito pelo Lucas.
    Mas vale destacar que:

    1) A sorte do Alonso é de quem vai ser campeão este ano. Se ele não for nunca mais será pois nunca a sorte lhe sorriu tanto.

    2) A vitoria do Vettel foi boa para o campeonato mas não vejo a RBR com força para realmente brigar pelo titulo.

    3) A Ferrari do Alonso pode não ser a mais rápida mas vem sendo a mais consistente e talvez a consistência agregada a regularidade pode ser a chave para conquistar seu tri-campeonato.

    4) A corrida do Massa foi muito boa mas a meu ver mais que uma dose cavalar de auto confiança a Ferrari precisava dar um carro realmente igual ao do Alonso para ele andar. A sua Ferrari não recebe a mesma atenção da Ferrari do Alonso.

    5) Creio que é importante daqui para frente a gente estar atento ao regulamento em relação aos motores e cambio nesta temporada. As quebras, antes até inexistentes na Formula 1 atual, vem se dando com frequência nesta segunda parte do campeonato e isto pode freiar a Mclaren que a meu ver vem tendo o maior índice neste sentido.

    6) Com relação ao Dick Vigarista só gostaria de ver se em vez dele ter acerto o Vergne
    tivesse sido ao contrario e se ele aceitaria as desculpas …

    Fernando Marques
    Niterói RJ

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