“Sucesso no Brasil é ofensa pessoal”

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"Fazer sucesso no Brasil é ofensa pessoal", dizia Tom Jobim.

Consta que Tom Jobim fez este desabafo devido às críticas que sua música sofria aqui. Americanizada, era a mais comum.

Tido por gente do calibre de um Edu Lobo como um dos 5 melhores compositores de música popular de todos os tempos, em nível internacional, era mais fácil ser elogiado lá fora do que aqui.

Tem uma famosa piada, de que alguém lembrou ao Jobim que as músicas dos Beatles eram mais tocadas do que as dele. Ao que o Maestro Soberano teria respondido… “É, mas eles são 4…

Mais fácil botar o Maestro para baixo do que reconhecer que ele nos representava – brilhantemente – no mais alto nível internacional, e em uma época em que Lennon & McCartney estavam no auge.

Situações como essa são recorrentes no Brasil.

Na música, na literatura, nos esportes, sejam eles quais forem, somos fortes candidatos a campeões mundiais da autocrítica (nem sempre construtiva).

Movidos pelo complexo de Jeca Tatu e/ou pelo de vira-lata, apontados por Monteiro Lobato e Nelson Rodrigues, respectivamente, não precisamos de inimigos para detonar nossos talentos. As mínimas falhas são examinadas com microscópios imaginários de potencia extraordinária.

Isto atinge paroxismos com o avanço e popularização dos atuais meios de comunicação.

Raciocine comigo: você é um comentarista de futebol de um canal qualquer. Na mesa redonda que vem depois do jogo, terá que dar sua opinião. Precisará ser uma opinião diferente, para poder sobressair. Todos os seus colegas também estarão tentando encontrar um angulo diferente. Qual o angulo “que só você viu”?

Premido pela pressa, você enfrentará a tentação de encontrar qualquer coisa, mas qualquer coisa mesmo, que possa causar algum impacto. No desespero, nem precisa ser algo efetivamente importante, desde que gere curiosidade (cliques, tuítes…).

Vale até entregar a opinião de um colega de trabalho, expressada em off?

Julio Cesar era um azarão, uma mania do Felipão, um grande ponto de interrogação, antes da cobrança dos pênaltis.

“Só quem não conhece o trabalho dele se surpreendeu.”

Quem disse isso? O goleiro da seleção americana.

E assim ficamos na gangorra entre o entusiasmo inúmeras vezes exagerado do GB, com suas críticas idem, conceito que é adotado por uma imensidade de coleguinhas, variando apenas o estilo.

Como já escrevi aqui outras vezes, inútil esperar que o narrador

nº 1 do país faça seu trabalho pensando nos colunistas do GP Total e internautas que os leem. Ele é, assumidamente, um vendedor de emoções. E com isso sua prioridade é mais gerar e sustentar audiência do que informar à meia dúzia que efetivamente entende alguma coisa de Formula 1 as minúcias que eles querem descobrir.

Ele e a Globo, como prova a contratação do Rubens, até buscam informar minúcias, mas antes precisam interessar o cidadão que adora F1 só quando algum brasileiro tem chance de ser campeão.

É ele quem engrossa a audiência, enquanto espera começar o futebol domingueiro. Se “o Brasil” não tem isso, todos os pilotos brasileiros são uns braço-duro, ou sem garra, que não tem coragem de desobedecer as ordens do chefe da equipe e assim por diante.

Fico imaginando que esse sujeito-padrão é provavelmente um funcionário de médio ou baixo escalão em alguma empresa grande.

Ele assiste a todas as mesas redondas de futebol, anotando todas as teses a respeito dos fracassos e sucessos da rodada para tentar se destacar no dia seguinte, na rodinha do café ou no restaurante por quilo onde sua seção vai. Futebol é o prato principal, F1 a sobremesa ocasional.

Livre das responsabilidades de defender teses sobre seu próprio desempenho profissional, torna-se o juiz mais radical da galáxia, investindo-se de uma autoridade praticamente sobrenatural, uma vez que não está baseada em nada consistente.

É ele o responsável pelos posts mais agressivos, mais categóricos, pelas teses mais sem-pé-nem-cabeça que aparecem na web.

Um peso para os esportistas, outro para ele.

A mania de dar opinião sobre tudo sobe até ao primeiro escalão.

O/A presidente, seja lá qual for, precisa ter opinião sobre tudo.

Desde as vítimas de enchentes, seja em estado do Sul ou do Norte/Nordeste, até a lista de convocados para a Copa, ele/ela tem que se pronunciar. Exemplo seguido até pelo presidente do Uruguai, que achou conveniente meter a boca na mordida do Suarez.

Se os esportistas ganharem, tem que receber em palácio.

Se perderem, não recebe. Mas tem que ter uma palavra a respeito e a mais politicamente correta possível.

Pergunto: por que o/a presidente precisa ter opinião sobre tudo?

No caso do esporte, provavelmente porque ficamos com a mania de confundir “o Brasil” com um time ou um esportista.

Não é “a seleção”, é “o Brasil”. O mau resultado pode ser da seleção, mas a vitória é do Brasil. Portanto eleva esse funcionário, um anônimo na engrenagem da empresa, tornando-o um ser especial apenas por ser brasileiro.

O fracasso do esportista é imperdoável porque o remete, “injustamente”, ao seu local habitual.

1958 é tido como um ano marcante na história do país. Em volta dele convergiram a criação da bossa nova, o primeiro título mundial (e o encantamento com nosso futebol) no futebol, título mundial no boxe, no basquete, seguido pela inauguração – icônica – da capital mais moderna do mundo.

Uma época em que os brasileiros se encantavam com os brasileiros.

Vejo apenas um fenômeno semelhante, nos últimos anos, mas não ocorreu aqui. Além do campeonato mundial de futebol, na copa passada, o mundo viu Nadal, Alonso e uma verdadeira esquadra espanhola tomando conta do motociclismo de ponta. E o melhor, Márquez, ficou para depois!!

Consultei um alto executivo catalão, amigo de décadas e piloto nas horas vagas em uma categoria antigamente chamada de esporte-protótipo, se isto é fruto de um planejamento.

Negativo, me escreveu ele. As federações não ajudam em nada e os esportistas tem que se virar para buscar patrocínio, muitas vezes paitrocínios.

Com a surpreendente eliminação da seleção espanhola da atual Copa, notei apenas um jornalista espanhol atribuindo a culpa a tudo menos a aquilo que todos apontaram (antídotos eficientes ao sistema de jogo anteriormente vitorioso).

Se esse é o padrão, será melhor o sistema espanhol ou o nosso?

Carlos Chiesa
Carlos Chiesa
Publicitário, criou campanhas para VW, Ford e Fiat. Ganhou inúmeros prêmios nessa atividade, inclusive 2 Grand Prix. Acompanha F1 desde os primeiros sucessos do Emerson Fittipaldi.

2 Comments

  1. Carlos Chiesa disse:

    Muito obrigado, Fellipe. Infelizmente temos o hábito de perder tempo com aspectos acessórios ao invés de discutir o essencial. Talvez sejamos o único país que ainda se incomoda com a provocação argentina “Maradona melhor que Pelé”. Felizmente, para quem gosta de automobilismo, essa rivalidade não existe. Todos adoramos Fangio e certamente os argentinos admiram Senna, só pra ficar com dois nomes.

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