The show must go on! (parte 1)

Segundo portal
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The show must go on! – final
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No dia 5 de fevereiro de 1991, o lendário grupo britânico de rock Queen lançaria seu álbum titulado “Innuendo“, que incluía a canção The Show Must Go On (ou O espetáculo deve continuar). A canção, escrita pelo guitarrista do grupo Brian May, estava dedicada a Freddie  Mercury, o cantor do grupo, que, segundo se suspeitava à época, padecia uma grave enfermidade terminal. A canção era uma homenagem à coragem e determinação de Freddie que, apesar de sua cada vez pior condição física, fazia questão de trabalhar no álbum com a mesma dedicação que sempre havia mostrado ao longo de sua carreira. 

Esta canção seria a última a ser gravada para o álbum e, vendo quão debilitado já estava Mercury para então, decidem gravar todas as pistas musicais por separado e por adiantado, deixando tudo pronto para que Mercury fosse ao estúdio apenas para gravar sua voz. Inclusive, tinham dúvidas ao respeito de se Freddie seria capaz de alcançar as notas mais altas e agudas da canção, pelo que lhe sugerem que estas ficassem por conta do companheiro e baterista do grupo Roger Taylor. Contudo, Mercury, numa de suas típicas e vigorosas reações responderia: “I’ll fucking do it, darling!”  (Farei com uma p… Certeza, queridão!).

E fez mesmo! Gravou a canção completa numa sessão e sem necessidade de repetições. Deste modo o álbum ficou terminado e logo seria outro sucesso do grupo. No dia 14 de outubro de 1991, apenas alguns dias depois de que Ayrton Senna conquistasse seu terceiro título mundial, a canção é lançada como single e também escala o hit parade internacional. A canção parecia ser um anuncio aos seus fãs do inevitável fim que se aproximava e, efetivamente, apenas seis semanas depois deste lançamento, Freddie viria a falecer. Assim e como dizia a canção numa de suas primeiras estrofes “I guess we know the score” (Acho que sabemos o resultado), parece que Freedie também sabia e aceitava esse resultado pois o show… Devia continuar.

A temporada de Fórmula 1 de 1994 era aguardada com ansiedade pelos aficionados, talvez até mais do que de costume. A equipe Williams havia dominado a prazer nas duas temporadas anteriores, primeiro com Mansell em 1992 e depois com Prost em 1993, mercê à sua pletora de avançados sistemas eletrônicos, nos que havia estado trabalhando durante anos a fio. Assim, tudo parecia indicar que 1994 seria outro ano para a Williams, pois, alem do mais, contaria com Ayrton Senna ao volante de seus carros. Porem, de maneira inesperada e sem consultar nem com as equipes nem com os pilotos, a FIA decide proibir os sistemas que tão bom resultado lhe haviam dado à equipe britânica, tais como o controle de tração, seus freios especiais antibloqueio, controle de largada e, especialmente, a suspensão ativa, sem dúvida, um dos pontos fortes dos carros da Williams. A medida logo é percebida como uma forma de “castigar” a equipe de Frank e deixar o campeonato mais nivelado e ao alcance de outras equipes. 

Os pilotos logo são conscientes do perigo que essa repentina proibição representava, e as palavras de Senna ao respeito seriam até premonitórias ao dizer que aquela seria uma temporada com muitos acidentes se esses banimentos não se acompanhavam de medidas para conter a velocidade dos carros. Também são reintroduzidos os reabastecimentos, banidos dez anos antes devido ao perigo que representavam. Contudo, a FIA lhes ignora por completo, dizendo que os níveis de segurança tinham alcançado já um grau muito satisfatório. Os últimos e mais recentes acidentes de consideração em eventos oficiais haviam ocorrido durante os treinamentos do GP da Espanha de 1990, onde Martin Donnelly salvaria a vida milagrosamente, após destruir seu Lotus num muro, enquanto que Imola foi o cenário dos outros dois, ambos na curva de Tamburello. No primeiro, durante os treinamentos do GP de 1987, Nelson Piquet, arrebenta seu Williams no muro que bordeia a pista, mas consegue sair quase ileso do lance. No segundo, já durante a corrida de 1989, seria Gerhard Berger quem destrói seu Ferrari no mesmo lugar, mas o posterior incêndio que logo envolve o carro fez temer o pior. Felizmente, os bombeiros acodem com prontidão e o austríaco, ainda inconsciente dentro do carro, é rapidamente resgatado com apenas com uma costela fraturada. Assim, a FIA se mantém firme em sua decisão, amparando-se no fato de que não se haviam registrado acidentes mortais em mais de 20 anos e sem considerar, sequer por um momento, que a sorte podia ter sido até um fator determinante nesse histórico, mas não tanto como para seguir contando com ela, como se demonstraria depois.

Já em janeiro, durante uns testes privados da Benetton em Silverstone, o finlandês J. J. Lehto parecia mostrar como seria a temporada que se aproximava. Confirmando as palavras de Senna, Lehto sofreria um grave acidente que lhe causaria sérias lesões cervicais. O finlandês afrontaria uma dura recuperação nos seguintes meses que lhe impediriam tomar parte dos dois primeiros GPs da temporada, que se iniciava no dia 27 de março em Interlagos. No circuito brasileiro, Senna, para surpresa de sua própria equipe, consegue a pole. A abolição dos dispositivos eletrônicos havia deixado os carros com um comportamento “nervoso”, fazendo que resultassem muito difíceis de controlar.  A equipe Williams parecia sofrer muito com a ausência desses dispositivos e seus carros tinham uma margem muito estreita para acertos. Pouco depois da prova, que teria de abandonar na volta 56 quando tratava de alcançar Michael Schumacher, Senna, diria: ” Pilotar um carro sem suspensão ativa, não apenas é mais difícil e cansativo, mas também mais perigoso. Os carros são muito rápidos e será uma temporada de morte. Só a sorte poderá impedir que alguém não acabe se matando ! “.

O seguinte GP seria o do Pacifico, a ser disputado no circuito de Aida no Japão. Porem, durante uns testes privados no circuito italiano de Mugello anteriores ao GP, Jean Alesi seria o seguinte a sofrer um acidente com seu Ferrari. Desta vez, o francês, apesar do espetacular percalço, tem mais sorte do que seu colega Finlandês, e suas lesões são menos graves, ainda que lhe obrigasse a se ausentar nas duas seguintes corridas. O GP de Aida teria lugar no dia 17 de abril com Senna, novamente, partindo desde a pole. Contudo, o brasileiro seria logo obrigado a abandonar na primeira curva quando foi golpeado por trás por Hakkinen e em seguida por Nicola Larini. Fora da prova, Senna se dedica a observar a corrida e depois lançaria suas suspeitas sobre a legalidade do Benetton de Schumacher (vencedor da prova). Segundo o brasileiro, e a julgar pelo barulho do seu motor, o carro do alemão seguia desfrutando de ajudas eletrônicas como o controle de tração, o que lhe dava clara vantagem sobre o resto de participantes, algo que só se confirmaria com a temporada já muito avançada. Larini, que corria no lugar de Alesi, num lapso verbal, também disse que ele tinha usado controle de tração na sessão de classificação, o que motivou a suspeita de que algumas equipes estavam burlando o regulamento.

Assim, e apesar das preocupantes sinais que vinham se manifestando, chegamos ao terceiro GP da temporada a ser disputado no dia 1º de maio: San Marino. O circuito de Imola era o menos propicio ao comportamento nervoso que os carros vinham apresentando, pois com sua pista ondulada e altas zebras, a perda de controle do carro não parecia ser algo descabido nessas condições. Alem do mais, ali seguiam seus desnudos e ameaçadores muros, tal como uma teia tecida pela aranha que espera pacientemente que alguma pobre vitima caia nela. Naquela época as barreiras de proteção compostas por pneus ainda não eram obrigatórias, porem o bom senso ditava que estas deviam ter sido instaladas em todo o circuito (estavam presentes apenas em alguns pontos do circuito). Contudo, parece que os organizadores preferiram poupar esse dinheiro, enquanto que a FIA seguia confiando na sorte.

A sessão de treinamentos livres da sexta feira se apresenta com muito vento, algo que deixa os carros ainda mais nervosos e aos pilotos… Também. Dos 27 pilotos inscritos, três deles seriam eliminados, portanto a competência por conseguir um lugar no grid é feroz. Um desses aspirantes a estar no grid é um jovem e prometedor brasileiro chamado Rubens Barrichello, quem havia sido terceiro e quarto classificado nos GPs anteriores. Passados alguns minutos das 13 horas da tarde, o brasileiro se lança em busca de uma boa volta, mas, quando entra na variante Bassa a cerca de 230 km/h, o carro abre demais sua trajetória à direita e sobe nas altas zebras, fazendo que os esforços de Barrichello por controlar o carro fossem inúteis. O carro se eleva no ar e aterrissa encima da barreira de pneus que havia lá ao longo do muro. Os pneus freiam de imediato o avanço do carro, que termina espatifado na grama após varias piruetas. Sem aqueles pneus, o muro teria sido o “receptor” do carro. Num principio se teme pela integridade de Rubens, mas as assistências chegam logo e comprovam que o piloto seguia vivo, ainda que inconsciente e com uma fratura no nariz. Então os médicos observam que Rubens não respirava devido a que a língua lhe bloqueava as vias respiratórias e, imediatamente, estas são liberadas para que o ar salvador chegue aos seus pulmões. A seguir Barrichello, ainda inconsciente, é levado ao hospital Maggiore de Bolonia, onde se recuperaria rapidamente, mas não estaria em condições de participar do GP. No fim, tudo não passou de ser um grande susto!

Manuel Blanco
Manuel Blanco
Desenhista/Projetista, acompanha a formula 1 desde os tempos de Fittipaldi É um saudoso da categoria em seus anos 70 e 80. Atualmente mora em Valência (ESP)

1 Comments

  1. Mauro Santana disse:

    Grande Manuel!

    Excelente tema, e estou ansioso pela segunda parte.

    Forte abraço!

    Mauro Santana
    Curitiba PR

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