Três homens em conflito, parte 1

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Nelson Piquet, Alan Jones e Carlos Reutemann: duas temporadas e um desfecho épico.

Dentre os mais famosos filmes do conhecido popularmente como “spagheti western” está Três Homens em Conflito. O filme, de 1966, apesar de tratar sobre o velho e selvagem oeste americano, era de produção italiana e filmado no sul da Espanha. A película se desenvolve no longínquo oeste durante a guerra civil dos Estados Unidos e tem como protagonistas a três pistoleiros aos que nada lhes importa a guerra.

Blondie, Angel Eyes e Tuco, esses são seus nomes, só estão interessados em encontrar um tesouro que souberam estar escondido num cemitério. Assim, como trabalho em equipe nao era com eles, a busca do tal tesouro, se converte em sua obsessão e a nenhum deles lhes importa nada mais do que encontrá-lo antes do que os outros. A disputa entre eles é acérrima e nenhum poupa esforços nem tem o mais mínimo inconveniente em cometer toda classe de trapaças, enganos ou traições uns com os outros, se isso lhes leva ao cobiçado tesouro.

Em 1981, na formula um, tivemos nossa particular versão dessa película. Naquela temporada tudo parecia indicar que Alan Jones e Nelson Piquet, campeão e vice-campeão da anterior temporada, voltariam a dirimir o título entre eles. Porém, Carlos Reutemann logo se uniria aos dois na disputa. Reutemann, após um decepcionante ano na Lotus, aceita o convite da Williams para 1980, onde teria à sua disposição o excelente FW07, ainda que seria a custa de aceitar ser o segundo piloto da equipe, pois o primeiro estava reservado para Alan Jones.

Como diria o mesmo Reutemann: “quando você tem fome… come qualquer coisa!”. Em 1980, Reutemann terminaria em 3º lugar no campeonato, atrás de Jones e de Piquet, mas sem ameaçar nunca seu companheiro. No entanto, em 1981… as coisas seriam diferentes.

Em plena guerra FISA-FOCA pelo controle da Fórmula 1, a temporada começa com o GP da África do Sul. Contudo, as equipes das montadoras – Ferrari, Renault, Alfa Romeo e Ligier -, em apoio à FISA, não participam. A pole seria para Piquet, com Reutemann em 2º e Jones 3º. Com chuva, todos partem com pneus para pista molhada. Todos… menos Reutemann, que arrisca a montar os slicks de seco. No entanto, as condições meteorológicas mudam e, conforme a pista se secava, os outros paravam para trocar seus pneus, enquanto que Reutemann, tomando grandes riscos com a pista ainda molhada, se escapa na liderança para ganhar com autoridade com 20″ sobre Piquet.

Jones abandonaria ao danificar o carro numa saída de pista.

httpv://youtu.be/ePakxBOoNQ0

Devido a pressões da Ferrari e da Renault sobre a FISA, esta, finalmente decide declarar a corrida como não válida para o campeonato, fazendo que uma das melhores atuações de Reutemann não lhe reportasse nenhum ponto. Contudo, o argentino havia demonstrado a todos que estava em plena forma e que era alguém com o que contar na luta pelo título.

Mais importante ainda, o havia demonstrado a si mesmo. Com o GP sem contar para o campeonato, a primeira prova efetiva seria disputada nas ruas da cidade de Long Beach, ao sul de Los Angeles.

Na classificação Jones supera o argentino, talvez querendo afirmar sua posição de 1º piloto na equipe, mas ambos são superados por um surpreendente Riccardo Patrese. Assim, partindo da Pole, Riccardo comanda a corrida seguido por Carlos, quem havia superado a Alan na largada. Reutemann espera pacientemente atrás do italiano mas, quando este começa a ter problemas de motor, Jones se aproxima a ambos e começa a pressionar Carlos. Com Patrese já fora da corrida, Reutemann tem uma ligeira saída de pista numa chicane, permitindo ao australiano superá-lo.

De qualquer jeito, segundo seu contrato, Reutemann devia ter cedido a Jones a liderança, portanto nao era necessária aquela pressão. Com Jones comandando a corrida e a poucas voltas do fim da prova, desde o muro dos boxes da Williams, aparece um cartaz que dizia “Hold Positions” e Reutemann se limitou a manter o segundo lugar, pois Piquet vinha a mais de 20″ de distância.

Segundo Neil Oatley, o engenheiro de Reutemann, seu erro na chicane foi devido a que “creio que o tal contrato lhe estava corroendo a mente!”. Carlos não ficou nada satisfeito, pois estava convencido de que tinha condições para bater o australiano.

A continuação viria o GP do Brasil. A Brabham, que havia estreado en Long Beach sua genial suspensão hidropneumática (ainda que não ficou ajustada para a corrida), consegue que funcione perfeitamente nesta ocasião e Piquet obtém a pole com facilidade, seguido por Reutemann e Jones. No domingo chovia, mas Piquet decide largar com pneus slick pensando que as condições melhorariam. Os outros pilotos montavam pneus para molhado. Na largada, Piquet logo perde posições e Reutemann pula na frente com Jones às suas costas.

Reutemann imprimia um ritmo infernal que Jones mal podia seguir. As posições se estabilizariam até que começam a alcançar os retardatários. O momento critico vem quando Reutemann alcança a Rosberg e este se resiste a ser ultrapassado, o que permite que Jones se coloque na traseira do argentino. Finalmente, primeiro Carlos e depois Alan, superam o combativo Rosberg e tudo parecia indicar que aquele era o cenário ideal para que Reutemann, cumprindo seu contrato, deixasse o australiano passar.

Segundo esse contrato, se os dois chegavam ao fim da prova juntos com Jones em segundo lugar a menos de 10″, Carlos devia ceder a liderança a Jones. Contudo, Reutemann, logo que teve a pista livre voltou a imprimir um forte ritmo, deixando o australiano para trás. Na volta 55, como havia ocorrido em Long Beach, no muro da Williams aparece um cartaz que diz: “JONES – REUT”.

A ordem não deixava lugar a dúvidas: assim devia acabar a corrida!

httpv://youtu.be/0C_ZysZNU7M

No entanto, Carlos já estava cheio de obedecer. Já havia obedecido no passado e não estava mais com disposição a seguir obedecendo mansamente. Assim, Reutemann, a ponto de cumprir 39 anos de idade, sabia que aquela seria sua última oportunidade de lutar pelo título e, com melhor conhecimento do carro do que no ano anterior e sentindo-se em plena forma, não estava disposto a deixar passar a ocasião que tinha perante si.

Apesar do cartaz, Reutemann mantem seu ritmo. Jones, possivelmente imaginando o que se passava pela cabeça de Carlos, tenta desesperadamente alcançar o argentino e consegue recuperar alguns segundos. Na Williams, parece que já eram conscientes do que se passava e o tal cartaz se mostra novamente nas voltas seguintes, mas Reutemann continua firme, inclusive marcando sua volta rápida da prova, para vencer com 4,4″ de vantagem sobre Jones.

O australiano, muito contrariado, nem foi ao pódio. Reutemann se defenderia das críticas dizendo não haver visto o tal cartaz devido à chuva (Alguns anos depois, o argentino, finalmente, admitiria ter visto aquele cartaz). Porém, Jones sim confirmou tê-lo visto, para referir-se a Reutemann dizendo: “Se ele não concordava com o contrato, não devia tê-lo assinado!”.

Frank Williams tentou minimizar o episódio dizendo que aquele era um assunto entre pilotos e que não lhe importava quem ganhasse pois, no fim das contas, apenas eram empregados. Sem embargo, apesar de que ao vencedor sempre se lhe pagava uma gratificação especial por cada vitória conseguida, Frank não a pagou a Reutemann e este tampouco a reclamou.

Com este resultado, Carlos e Alan compartilhavam a liderança do campeonato com 15 pontos cada um. Porém, como o definiu muito bem Patrick Head: “Jones era um sujeito duro e obstinado para quem não existia o meio termo. Para ele as coisas eram brancas ou pretas”.

A partir desse dia, Reutemann teria em Jones seu pior inimigo e essa liderança seria a última que compartilhariam.

httpv://youtu.be/FBdC925F9oU

Logo depois na prova da Argentina, Piquet, com sua Brabham e a suspensão hidropneumática funcionando perfeitamente, não deixaria nenhuma opção aos rivais, dominando a classificação e a corrida a prazer. Para Reutemann sobrou o segundo lugar, enquanto Jones ficava em 4º, deixando a liderança do campeonato nas mãos de Carlos. Em San Marino, Piquet volta a vencer e Reuteman termina 3º. Jones, que uma vez mais largava atrás de Carlos, acaba 12º devido a danos no bico do carro.

Porém, o mais surpreendente foi o bom rendimento do motor turbo da nova Ferrari 126C. Na Bélgica, Reutemann e Piquet ocupam a primeira fila, com Jones em 6º lugar, mas um acidente no grid obriga a uma nova largada e é Jones quem assume a liderança ainda que, tanto ele quanto Piquet teriam que abandonar por respectivos acidentes e Reutemann se sagraria vencedor, comandando a classificação do campeonato com 12 pontos sobre Piquet e 16 sobre Jones.

Em Mônaco, Reutemann e Piquet abandonariam, ficando a vitória para Gilles Villeneuve e sua Ferrari turbo, seguido por Jones. Na Espanha, Jones, finalmente, supera a Reutemann no grid, ainda que atrás da pole de Laffite. Jones logo assume a liderança e Reutemann é superado por Villeneuve pela segunda posição para, depois ser também superado por Laffite e Watson. A vitória parecia pertencer a Jones, mas um erro do australiano o manda à 7ª posição final, enquanto que Piquet abandona.

Reutemann continuava na liderança do campeonato, e parecia manter a situação sob controle. Porém, as coisas logo mudariam para o argentino.

Continuamos essa história na próxima semana.

Manuel Blanco
Manuel Blanco
Desenhista/Projetista, acompanha a formula 1 desde os tempos de Fittipaldi É um saudoso da categoria em seus anos 70 e 80. Atualmente mora em Valência (ESP)

1 Comment

  1. Lucas Rodrigues disse:

    Gosto muito dessa temporada. Como era bom ver uma rivalidade assim. Agora, é compreensível o conflito que o argentino viveu por causa do contrato, pois percebeu que ser campeão era algo bem tangível.

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