Três homens em conflito, parte 2

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A conclusão da história do lendário campeonato de 1981, um dos mais disputados e polêmicos da história da F1.

Confira a primeira parte desta história clicando aqui.

Bernie Ecclestone, suspeitando que a Michelin estava dando tratamento preferencial à Renault e à Ferrari, fala com Williams e Chapman ao respeito e lhes diz que, se eles estavam de acordo, poderia convencer a GoodYear para que retornasse à competição.

E assim foi: na França, o borracheiro americano já estava fornecendo seus pneus às três equipes britânicas. A transição dos pneus franceses aos americanos foi traumática e deixa a Piquet em 4º lugar no grid, com Carlos em 7º e Alan em 9º. O brasileiro, terminaria em 3º lugar, com Reutemann e Jones longe das posições com direito a pontos. Na Inglaterra, Piquet é novamente quem melhor se coloca no grid (3º), com os Williams ainda sofrendo para se adaptar aos GoodYear, com Alan em 7º e Carlos em 9º.

Porém, na corrida a sorte se alia com o argentino e, enquanto que Jones e Piquet abandonam, Carlos subiria ao segundo degrau do pódio, graças a vários abandonos. Isto deixava Reutemann com 17 pontos de vantagem sobre Piquet e 19 sobre Jones.

Reutemann, a quem se lhe definia como uma pessoa com caráter frágil e volúvel, parecia estar aguentando bem a pressão da liderança do campeonato, apesar de suas dificuldades em se adaptar aos pneus GoodYear. Mas a maior pressão vinha de sua própria equipe que, desde o episódio do Brasil, lhe mantinha bastante marginado.

Como diria Neil Oatley, seu engenheiro: “Alan recebia todas as atenções de Frank, de Patrick e de Dernie, enquanto que Carlos e eu sempre estávamos sozinhos”.

Como os três pistoleiros do filme e, conforme a temporada avançava, nossos três pilotos mantinham uma dura pugna em sua busca do prezado “tesouro”. Jones, como o nosso Tuco do filme, era um sujeito obstinado e, ainda que lhe disseram muitas vezes que esquecesse o acontecido no Brasil, ele nem esquecia nem perdoava e esperava a ocasião de se vingar.

Assim, chegaríamos ao GP da Alemanha e a tao ansiada oportunidade de vingança que esperava Jones… se lhe apresentou. Hockenhein era um circuito eminentemente de motor e Carlos sabia que não seria fácil lutar com os poderosos turbo.

Para essa corrida, Frank Williams lhe havia reservado três motores: os DFV 310, 349 e 359. A preferência de Reutemann era pelo 349, que já havia usado na Argentina e Mônaco. Porém, tao logo Jones soube disso, pediu a Patrick Head esse motor no seu carro, invocando uma cláusula em seu contrato que lhe dava prioridade sobre o equipamento. Frank teve de claudicar.

Nos treinamentos, Reutemann consegue o 3º lugar, atras dos dois poderosos Renault Turbo de Prost e Arnoux, com Jones em 4º e Piquet em 6º. No entanto, o brasileiro tinha um as na manga: Gordon Murray havia modificado o desenho dos venturis laterais e recolocado os radiadores, dotando o carro de maior downforce e estabilidade.

Na manhã do domingo, Carlos prova o carro e nota que o motor 359 não funcionava bem, portanto decide pegar o carro de reserva para a corrida. O resultado não podia ser pior: O motor 310 resistiria apenas 27 voltas e Piquet venceria com autoridade, ficando a 8 pontos do argentino na classificação.

Jones, após castigar o motor durante varias voltas em sua caça a Prost, teria de abandonar na penúltima volta. Assim, a vingança de Jones deixou os dois sem nenhum ponto. Depois do GP da Inglaterra, o jornalista Alan Henry conta como, conversando com Reutemann lhe diz que, com a vantagem que tinha na classificação, o campeonato parecia estar bastante a seu favor. O argentino, com certo pessimismo e em referência à sua situação na equipe lhe responderia: “Ainda faltam seis corridas e me sinto abandonado!”

Os piores presságios de Carlos, pareciam começar a se cumprir nesse GP da Alemanha. Na Áustria, outro circuito de motor, teríamos a Piquet em 3º e Jones em 4º com Reutemann em 5º, cruzando a linha de chegada no embalo com o motor quebrado. Na Holanda, Reutemann e Laffite coliden e abandonam. Piquet termina em 3º e alcança a Carlos na classificação do campeonato.

Em Monza e Montreal, a chuva trouxe à tona a debilidade de Carlos. O homem que nos havia brindado duas magnificas corridas em molhado, como foram as de Kyalamy e Jacarepaguá, agora, com os pneus GoodYear, aos que nunca conseguiu se adaptar bem, parecia um piloto inseguro e com o único objetivo de poder terminar as corridas.

Patrick Head havia dito que, quando tudo estava ao seu gosto, Reutemann era imbatível, mas o problema é que tudo não pode estar sempre perfeito.

Em Monza, Carlos teve a sorte do abandono de Piquet na última volta, ainda que este conseguiria um ponto, enquanto que ele terminava em 3º, atrás de Jones. No Canadá, tínhamos Piquet na pole e Carlos ao seu lado, com Jones em 3º. Na largada, Reutemann consegue logo se adiantar ao brasileiro, mas Jones vem com fúria e logo ultrapassa o argentino, literalmente, empurrando-o fora do seu caminho.

Aquela colisão, muito possivelmente danificou seus carros, pois Jones abandonaria na volta 24 com graves problemas de manobrabilidade, enquanto que Carlos perderia 2 voltas, terminando em 10º. Piquet terminaria em 5º, a uma volta do vencedor, ficando a apenas um ponto de Carlos na classificação.

Ali, em Monza, Reutemann havia tentado se reconciliar com Jones, dizendo-lhe que lhe parecia que já era hora de enterrar a lança de guerra. Jones, friamente responderia: “Sim, vou enterrar a lança em tuas malditas costas!”. Assim, o mais irônico daquela situação é que a cega obstinação do australiano lhe estava custando mais pontos que aqueles míseros 3 que ele acusava Reutemann de haver-lhe “roubado” no Brasil, mas Jones nem era consciente disso!

Na cena final do filme, nossos três pistoleiros se encontram no cemitério onde estava enterrado o tesouro que haviam estado buscando com tanto afinco. A tensão no ambiente é grande pois apenas um deles ficaria com o botim, e os três se preparam para o duelo final que dirimiria o felizardo. Olhadas penetrantes se cruzam e mãos tremulas se aproximam às pistolas. Porem, um deles estava descartado da disputa, pois seu revolver estava descarregado.

httpv://youtu.be/Ls-90yl7x1g

Como nessa cena final, Reutemann, Piquet e Jones, também se encontram no meio do deserto americano para seu duelo final e, também como no filme, um deles já estava fora do páreo. Jones, havia perdido suas opções no Canadá, portanto o “tesouro” seria para Carlos ou para Nelson.

Carlos tinha um ponto a mais que Nelson, de modo que ambos precisavam acabar à frente do outro para ser campeão (Piquet, necessariamente nas posições com direito a pontos). Desde Monza, Jones vinha pregoando aos quatro ventos que não faria nada por ajudar a Reutemann. Por contrato, o carro reserva havia sido sempre para Jones, mas Frank Williams, nas provas americanas, havia disposto outro carro para Reutemann à vista de que não podia esperar nada do australiano (em Monza, Jones também lhe havia dito a Frank que abandonaria a competição no fim da temporada).

Assim, Reutemann teria à sua disposição o chassi nº 12 e o nº 17. Seu preferido era o 12, com o que havia vencido no Brasil e na Bélgica. Assim, o 17… fica no box.

Quinta feira, logo na primeira sessão de treinamentos, Reutemann, com seu prezado carro nº 12, se mostra inalcançável, marcando o fantástico tempo de 1′ 17,821″, muito à frente do resto de pilotos.

Assim, tudo se estava desenvolvendo ao gosto de Reutemann, que se mostrava muito satisfeito. Contudo, as coisas mudariam subitamente no fim da sessão da sexta feira, quando Reutemann, circulando rápido se encontra numa curva com Piquet, quem circulava mais lento, e golpeia ligeiramente a roda traseira do brasileiro com a sua dianteira esquerda.

O golpe danifica a suspensão do Williams e esta é rapidamente trocada. Quando, faltando alguns minutos para o fim da sessão, Reutemann vai para a pista… e logo leva uma desagradável surpresa: seu querido e dócil nº 12 já não estava ali! Em seu lugar, Carlos encontra em suas mãos um carro totalmente ingovernável, o que lhe obrigava a correr com o nº 17.

Contudo o problema é que, nos treinamentos matutinos livres anteriores à corrida, Reutemann deveria se dedicar a amaciar e ajustar os novos freios do nº 17 , além de provar e buscar a melhor jogo de pneus para a corrida.

Em condições normais, o lógico é que Jones fizesse o trabalho com os freios (ou, inclusive, lhe cedesse seu carro para a corrida) enquanto que Reutemann se concentrava em provar diferentes compostos de pneus e buscar os melhores para a corrida.

Mas, devido à hostilidade do australiano, Frank nem se atreveu a sugerir isso a Jones que, inclusive, zombava do argentino e de todo o trabalho que lhe esperava. Deste modo, Reutemann tinha motivos para a preocupação pois seu calcanhar de aquiles vinham sendo o pneus GoodYear.

Com a chegada dos pneus americanos, Reutemann estava sofrendo um verdadeiro calvário pois, enquanto Piquet havia conseguido 22 pontos nas primeiras sete corridas com Michelin e já tinha outros 26 com os GoodYear, nas seguintes sete corridas, Carlos tinha apenas 12 pontos nessas sete corridas com GoodYear, quando nas anteriores sete com Michelin havia conseguido 37!

Com seu magnifico tempo da quinta feira, Reutemann mantem a pole, à frente de Jones e de Villeneuve. Na largada, Jones logo pula na frente, seguido por Gilles. Na primeira volta, Reutemann já havia caído à 5ª posição e Piquet à 8ª. Entre o argentino e o brasileiro estavam Watson e Laffite mas, na volta 5, ambos superam Carlos e Piquet fica atrás do argentino.

Enquanto Jones se escapava cada vez mais na liderança, Reutemann, com evidentes problemas de estabilidade, seguia perdendo posições. Assim, chegamos à volta 17, quando é Piquet quem supera o argentino, sem que este ofereça nenhuma resistência, e depois Mansell (quem, também, acabaria superando Piquet).

Então, Reutemann estava completamente indefeso pois, além dos problemas de estabilidade, a caixa de câmbios começou a falhar.

httpv://youtu.be/v0BOB-RDMJQ

No fim das angustiosas e intermináveis 75 voltas que tiveram que afrontar tanto Reutemann, com um carro muito deficiente e pneus inadequados, quanto Piquet, com problemas fisicos, o brasileiro termina em 5ª posição e o argentino em 8ª (ainda por cima perdendo uma volta para Jones), o que dava o cobiçado “tesouro” a Piquet por um ponto: Piquet 50 pontos – Reutemann 49 pontos. Alan Jones terminou com 46.

O duelo… havia terminado!

Um abraço e até a próxima.

Manuel Blanco
Manuel Blanco
Desenhista/Projetista, acompanha a formula 1 desde os tempos de Fittipaldi É um saudoso da categoria em seus anos 70 e 80. Atualmente mora em Valência (ESP)

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